Numa colina, erguia-se o edifício escuro de um antigo castelo, com suas cinco torres apontando para cima, como os dedos abertos de uma mão sinistra.

Tudo era uma exuberância de cores. O jardim da estação se avolumava de flores exóticas, fulvas e amarelas, que brotavam de uma folhagem espinhosa. Subindo o monte, o pequeno hotel de madeira era pintado de ocre e de um laqueado carmesim. Contra o paredão esverdeado do desfiladeiro subia o último espiral da fumaça, como penas brancas flutuando no ar.

Quando o trem desapareceu, Iris sentiu que o último elo entre ela e seus amigos tinha sido rompido. Soprando um beijo sarcástico, deu-lhes as costas e começou a descer pelo caminho íngreme, fazendo barulho com os pés. Quando chegou ao rio para onde vertiam as águas da geleira, deteve-se um instante na ponte para sentir o ar gelado que emanava da corrente ascendente, de coloração verde-clara.

Quando pensou na cena do dia anterior, jurou que não queria mais ver aquele grupo. Tinham se envolvido num episódio que ia contra sua ideia do que significava uma amizade. Ela tinha gostado muito de Olga, a mulher que retribuíra sua lealdade com uma exibição cruel de ciúmes.

Deu de ombros para a lembrança. Ali, sob o ilimitado azul, as pessoas pareciam tão pequenas – e suas paixões, tão reles. Eram apenas um acidente na passagem do berço ao túmulo. Alguém as conheceu e delas se separou, sem arrependimentos.

A cada minuto, o abismo entre ela e eles aumentava mais. Eles estavam se evaporando de sua vida. Ao pensar nisso, ela se emocionou com uma sensação de liberdade renovada, como se seu espírito fosse libertado pelo silêncio e pela solidão.

No entanto, poucas horas mais tarde, ela teria trocado todas as glórias da natureza para tê-los consigo de novo.

C A P Í T U L O 2

A ameaça

Cerca de quatro horas depois, Iris se deitou de braços e pernas esticados na encosta da montanha, bem acima do vale. Desde que deixara para trás o frio ocaso do desfiladeiro, num santuário que assinalava a união dos caminhos, ela vinha subindo calmamente a montanha por uma trilha íngreme em ziguezague.

Depois que saiu do cinturão de sombra, o sol a castigava de modo feroz, mas ela não diminuiu o ritmo da caminhada. Estava sendo levada pelos pensamentos agitados, pois não conseguia tirar Olga da cabeça.

O nome zunia como uma broca no seu cérebro. Olga. De Iris, Olga comera o pão, mas na forma de torrada – pelo bem da sua silhueta –, e recusara o sal devido a uma dieta da moda. Isso causou um problema na cozinha. De Iris, Olga usara o telefone e abusara do carro. De Iris, Olga tomara emprestado o casaco de pele, e para Iris emprestara um marido supérfluo.

Ao se lembrar do Oscar de Olga, Iris apertou o passo.

“Como se eu fosse me derreter por um homem que parece o Mickey Mouse”, enfureceu-se ela.

Tinha perdido o fôlego quando finalmente se jogou na relva e decidiu dar o passeio por encerrado. A montanha que a desafiara só fazia recuar à medida que ela avançava, por isso teve de desistir da intenção de chegar ao topo.

Deitada com os olhos quase fechados, ouvindo o silvo da brisa, viu sua serenidade voltar. Algumas campânulas em grupo, destacando-se contra a linha do horizonte, pareciam solidificadas e ampliadas ao tamanho dos sinos de um campanário, enquanto ela estava apequenada e afundada dentro da terra – ou em parte da terra, como os seixos e as raízes. Em sua imaginação, era capaz de quase ouvir os batimentos de um coração gigantesco sob sua cabeça.

O momento passou, pois começara a pensar novamente em Olga. Dessa vez, no entanto, ela a viu de um ponto de vista diferente, pois a altitude produzia a falsa ilusão de superioridade. Lembrou-se de que o vale estava a mil e duzentos metros acima do nível do mar, enquanto ela devia estar ainda outros mil e quinhentos metros acima.

Tendo esse cálculo como base, ela podia se permitir ser generosa, pois estava dois mil e setecentos metros acima de sua ex-amiga – supondo, é claro, que Olga fosse solícita o suficiente para permanecer ao nível do mar.

Decidiu então se livrar daquela memória indigna de lhe despertar mais raiva.

“Nunca mais”, disse ela. “Depois disso, nunca mais ajudo ninguém.”

Sua voz tinha o fervor apaixonado de quem se dedica a algum tipo de serviço. Com a sensação virtuosa de ter se beneficiado de uma lição, pela qual foi paga uma alta quantia, ela acendeu um cigarro antes de retomar sua jornada. O ar estava tão limpo que montanhas que ela nunca tinha visto tremeluziam para fora de sua invisibilidade e flutuavam no céu, numa limpidez malva. Lá embaixo ela avistava um braço do lago – dessa vez não esverdeado, mas diminuído pela distância a um azul mais escurecido.

Relutante, ela se levantou. Hora de partir.

A descida se mostrou não apenas monótona, mas também dolorosa, pois o solavanco contínuo provocado por seu próprio peso exercia uma pressão em seus músculos despreparados.