Nossos ancestrais eram selvagens. A história de Rômulo e Remo sendo amamentados por uma loba não é uma fábula desprovida de sentido. Os fundadores de cada Estado que ascendeu a uma posição de proeminência extraíram seu alimento e vigor de uma fonte similarmente selvagem. Foi por não terem sido amamentados pela loba que os filhos do Império foram vencidos e destituídos pelos filhos das florestas do norte, que, estes sim, nutriram-se do leite dela.
Acredito na floresta e na campina, e na noite, durante a qual o milho cresce. Requeremos em nosso chá uma infusão de cicuta oriental ou de árvore da vida. Há uma diferença entre comer e beber para ganhar força ou por mera glutonaria. Os hotentotes devoram vorazmente o tutano cru do kudu e de outros antílopes, como fato corriqueiro. Alguns de nossos índios do Norte comem cru o tutano da rena do Ártico, bem como várias outras partes, incluindo as pontas das galhadas, desde que sejam macias. E nisso, talvez, eles passaram a perna nos cozinheiros de Paris. Eles comem o que geralmente é usado para alimentar o fogo. Isso provavelmente é melhor, para formar um homem, do que carne de boi gordo e de porco de matadouro. Quero uma natureza selvagem cuja visão nenhuma civilização seja capaz de suportar — como se nos alimentássemos de tutano de antílope devorado cru.
Há certas margens de rios próximas ao canto melodioso do tordo para onde eu migraria de bom grado — terras agrestes das quais nenhum colonizador se apossou; às quais imagino estar aclimatado.
O caçador africano Cummings nos conta que o couro do elã, assim como o da maioria dos outros antílopes recém-abatidos, emite o mais delicioso perfume de árvores e relva. Gostaria que cada homem fosse tão semelhante a um antílope selvagem, tão entranhadamente parte da Natureza, que sua própria pessoa anunciasse docemente sua presença aos nossos sentidos, e nos fizesse lembrar daquelas partes da Natureza que ele mais frequenta. Não sinto disposição alguma para ser satírico quando o casaco do caçador que usa armadilhas exala o odor do rato almiscarado; é para mim um aroma mais agradável do que o que geralmente emana dos trajes do comerciante ou do professor. Quando examino os guarda-roupas destes últimos e manuseio suas vestimentas, nada me faz lembrar planícies relvadas ou campinas floridas que eles tenham frequentado, e sim, em vez disso, empoeirados balcões de comércio e bibliotecas.
Uma pele bronzeada é às vezes mais do que respeitável, e talvez a cor de azeitona seja mais adequada a um homem do que o branco — um forasteiro nas florestas. “O pálido homem branco!” Não me admira que o africano se compadecesse dele. Darwin, o naturalista, diz: “Um homem branco, banhando-se lado a lado a um taitiano, era como uma planta branqueada mediante as técnicas do jardineiro, comparada com uma planta viçosa e verdejante, que brota vigorosamente nos campos abertos”.
Ben Jonsonk exclama: “Como está perto do Bem aquilo que é belo!”.
Eu, de minha parte, diria: “Como está perto do Bem aquilo que é selvagem!”.
A vida é coerente com a condição agreste. O que há de mais vivo é o que há de mais selvagem. Ainda não subjugada pelo homem, sua presença o renova. Alguém que tivesse forçado seu caminho para frente sem cessar e nunca descansasse de suas labutas, que se desenvolvesse rápido e fizesse infinitas exigências à vida, ver-se-ia sempre num novo país ou em território bravio, cercado pela matéria bruta da vida. Estaria sempre saltando por cima dos troncos tombados de árvores das florestas primitivas.
A esperança e o futuro não estão, a meu ver, nos gramados bem cuidados e nos campos cultivados, nas cidades e metrópoles, mas nos pântanos impenetráveis e movediços. Quando, em outras ocasiões, analisei minha inclinação por uma fazenda que cogitei comprar, percebi várias vezes que só o que me atraía eram alguns poucos metros quadrados de brejo insondável e refratário — uma fossa natural a um canto da propriedade. Essa era a joia que me deslumbrava. Extraio uma parte maior da minha subsistência dos pântanos que circundam minha cidade natal do que dos jardins cultivados do vilarejo. Não há jardim ornamental mais exuberante aos meus olhos do que os canteiros de andrômedas anãs (Cassandra calyculata) que cobrem estes tenros pontos da superfície da terra. A botânica não pode fazer mais do que me dizer os nomes dos arbustos que crescem ali — o mirtilo azul, a andrômeda paniculada, o louro venenoso, a azálea e o rododendro —, todos crescendo no esfagno movediço. Muitas vezes penso que seria bom ter minha casa diante dessa massa de grosseiros arbustos avermelhados, omitindo canteiros e bordaduras de outras flores, abetos vermelhos transplantados e buxos bem podados, até mesmo os caminhos de cascalho —, para ter esse torrão fértil bem debaixo das minhas janelas, em vez de um punhado de terra trazida de outro local em carrinhos de mão para cobrir a areia jogada para fora ao se cavar o porão. Por que não situar a minha casa, minha sala de estar, bem atrás desse terreno inculto, em vez de atrás deste precário ajuntamento de curiosidades, deste pobre arremedo de Natureza e Arte que chamo de meu jardim da frente? Ele foi feito num esforço de limpar e criar uma aparência decente depois que o pedreiro e o carpinteiro terminaram seu serviço, embora essa aparência se preste muito mais aos passantes do que ao morador. A mais formosa cerca de um jardim nunca foi para mim um objeto agradável de estudo; os mais elaborados ornamentos, os mourões torneados e tudo o mais são coisas que logo me causam fastio. Que a soleira da porta venha então para a própria beira do pântano (embora possa não ser o melhor lugar para um porão seco), de modo que não haja acesso, desse lado, para os cidadãos.
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