Humboldt veio para a América para realizar seus sonhos de juventude de uma vegetação tropical e ele a contemplou em sua máxima perfeição nas florestas primitivas da Amazônia, a mais extensa área selvagem da terra, descrita por ele de modo tão eloquente. O geógrafo Guyot, ele próprio um europeu, vai mais longe — mais longe até do que estou disposto a acompanhá-lo; mas concordo com ele quando diz:
Assim como a planta é feita para o animal, assim como o mundo vegetal é feito para o mundo animal, a América é feita para o homem do Velho Mundo… O homem do Velho Mundo desloca-se sem parar. Deixando as terras altas da Ásia, ele desce etapa por etapa em direção à Europa. Cada um de seus passos é marcado por uma nova civilização superior à precedente, por uma força maior de desenvolvimento. Tendo chegado ao Atlântico, detém-se à margem desse oceano desconhecido, cujos limites ele ignora, e retorna por um instante aos caminhos já trilhados.
Depois de exaurir o rico solo da Europa e revigorar a si próprio, “então ele retoma seu intrépido avanço para o oeste, como nas eras mais antigas”. Por aí vai Guyot.
Desse contato entre o impulso para o ocidente e a barreira do Atlântico brotaram o comércio e o espírito empreendedor do mundo moderno. O Michaux mais jovem,h em suas “Viagens a oeste dos montes Alleghanies em 1802”, diz que a indagação usual no Oeste recém-colonizado era: “‘De que parte do mundo você vem?’, como se aquelas regiões vastas e férteis fossem o local natural de encontro e país comum de todos os habitantes do globo”.
Para usar uma palavra latina obsoleta, eu poderia dizer: Ex Oriente lux; ex Occidente FRUX. Do Oriente, a luz; do Ocidente, a fruta.
Sir Francis Head, viajante inglês e governador-geral do Canadá, conta-nos que
tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul do Novo Mundo, a Natureza não apenas delineou suas obras numa escala mais ampla, mas também pintou todo o cenário com cores mais radiantes e suntuosas do que as que usara para desenhar e embelezar o Velho Mundo. […] O firmamento da América parece infinitamente mais elevado, o céu é mais azul, o ar, mais fresco, o frio, mais intenso, a lua parece maior, as estrelas brilham mais, o trovão é mais estrondoso, o relâmpago, mais vívido, o vento, mais intenso, a chuva, mais torrencial, as montanhas, mais altas, os rios, mais longos, as florestas, mais frondosas, as planícies, mais extensas.
Essa declaração servirá no mínimo para se contrapor à descrição de Buffon desta parte do mundo e de suas produções.
Lineu disse, muito tempo atrás: “Nescio quae facies laeta, glabra plantis Americanis: Não conheço nada que tenha o viço e a maciez das plantas americanas”; e penso que, neste país não existem, ou existem pouquíssimas, Africanae bestiae, feras africanas, como os romanos as chamavam, e que também neste aspecto ele é especialmente adequado para a presença humana. Fui informado de que, num raio de três milhas a partir do centro da cidade de Cingapura, no leste da Índia, todos os anos alguns habitantes são mortos por tigres. Mas o viajante pode se deitar nas matas à noite em quase toda parte da América do Norte sem temer animais selvagens.
São depoimentos estimulantes. Se a lua parece maior aqui do que na Europa, provavelmente o sol também parece. Se os céus da América parecem infinitamente mais elevados, e as estrelas, mais brilhantes, confio que estes fatos sejam simbólicos das alturas a que a filosofia, a poesia e a religião de seus habitantes podem um dia ascender. Com o tempo, talvez, o céu imaterial parecerá muito mais elevado ao espírito americano, e muito mais brilhantes as estrelas que ele anuncia. Pois acredito que o clima age desse modo sobre o homem — assim como há algo no ar da montanha que alimenta o espírito e inspira. Será que o homem não alcançará uma perfeição maior tanto intelectual como física sob essas influências? Ou não tem importância a quantidade de dias nebulosos que há nesta vida? Confio que havemos de ser mais imaginativos, que nossos pensamentos serão mais claros, frescos e etéreos, como nosso céu; nosso entendimento, mais amplo e abrangente, como nossas planícies; nosso intelecto em geral atingirá uma escala maior, como nossos trovões e raios, nossos rios, montanhas e florestas; e nossos corações haverão de corresponder em profundidade, largura e esplendor aos nossos grandes lagos. Quem sabe em nossos próprios rostos surja, aos olhos do viajante, algo que ele não sabe o que é, de laeta e glabra, de jubiloso e sereno. Não fosse assim, com que finalidade o mundo seguiria girando para o oeste, e por que a América teria sido descoberta?
Aos americanos eu nem preciso dizer: “Para o oeste ruma a estrela do império”.i
Como verdadeiro patriota, eu deveria me envergonhar de pensar que Adão, no paraíso, estava em situação mais favorável, como um todo, do que o homem do campo deste país.
Nossas afinidades, em Massachusetts, não se restringem à Nova Inglaterra; embora possamos nos indispor com o Sul, simpatizamos com o Oeste. Ali é o lar dos filhos mais novos; assim como, entre os escandinavos, era no mar que buscavam seu legado. É tarde demais para começar a estudar hebraico; mais importante é compreender até mesmo a gíria de hoje.
Alguns meses atrás fui ver um panoramaj do Reno. Foi como um sonho da Idade Média. Naveguei por sua corrente histórica em algo mais do que a imaginação, sob pontes construídas pelos romanos e reformadas por heróis posteriores; passei por cidades e castelos cujos meros nomes eram música para meus ouvidos, e cada um deles era tema de uma lenda. Lá estavam Ehrenbreitstein e Rolandseck e Coblentz, que eu só conhecia dos livros de história. Eram ruínas o que mais me interessava. Parecia subir de suas águas e de suas encostas e vales cobertos de vinhas uma música silenciosa de cruzados partindo para a Terra Santa. Segui navegando sob um encantamento, como se tivesse sido transportado para uma idade heroica e respirasse uma atmosfera de nobreza e cavalaria.
Pouco depois, fui ver um panorama do Mississipi, e à medida que seguia meu caminho rio acima, à luz dos dias de hoje, vendo os barcos a vapor a queimar sua lenha; contando as cidades nascentes; contemplando as ruínas recentes de Nauvoo; vendo os índios que atravessavam as águas rumo ao oeste e buscando avistar o Ohio e o Missouri como antes tentara identificar o Mosela; e ouvindo as lendas de Dubuque e do despenhadeiro de Wenona — ainda pensando mais no futuro do que no passado ou no presente —, constatei que aquele era um Reno de tipo diferente; que os alicerces de castelos ainda estavam por ser instaurados, e as pontes famosas ainda por ser estendidas sobre o rio; e senti que esta era a própria idade heroica, embora não saibamos, pois o herói é geralmente o mais simples e obscuro dos homens.
O Oeste de que falo não é senão outro nome para o Bravio, o inexplorado; e o que venho me preparando para dizer é que no Bravio está a preservação do mundo. Cada árvore envia suas fibras adiante em busca do Bravio. As cidades pagam qualquer preço por ele. Homens lavram e navegam em busca dele. Da floresta e do agreste vêm o tônico e o córtex que mantêm de pé a humanidade.
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