Mas, infelizmente, um súbito grito de “Ôôa!” teria abatido de imediato seu ardor, rebaixando-os de cervídeos a gado de corte e retesando suas ancas e seus nervos, como uma locomotiva que freia. Quem senão o Maligno gritou “Ôôa!” para a humanidade? De fato, a vida de gado, como a de tantos homens, não é senão uma espécie de atividade mecânica; eles movem um quadril de cada vez, e o homem, mediante seu mecanismo, encontra-se no meio do caminho com o cavalo e o boi. Toda parte que foi tocada pelo relho tornou-se paralítica desde então. Quem sequer pensaria em associar as ancas de qualquer representante da flexível tribo dos felinos com o que chamamos de lombo de boi?

Alegra-me que cavalos e novilhos tenham que ser domados antes de se tornarem escravos do homem, e que o próprio homem tenha ainda alguns impulsos selvagens a ser amansados antes de se tornar um membro submisso da sociedade. Não há dúvida de que os homens não estão todos igualmente aptos para submeter-se à civilização; e o fato de a maioria, como cães e carneiros, estar domesticada por uma disposição herdada não é razão para que os outros devam ter sua natureza subjugada de modo a ser rebaixados ao mesmo nível. Os homens, no que há de mais importante, são semelhantes, mas foram feitos de modo diferente para que possam ser diversificados. Para uma tarefa modesta, um homem serve tanto quanto qualquer outro; para uma tarefa elevada, deve-se levar em conta a excelência individual. Qualquer homem pode tapar um buraco para se proteger do vento, mas nenhum outro poderia cumprir uma tarefa tão singular quanto a do autor desse exemplo. Confúcio diz: “O couro do tigre e do leopardo, quando curtido, é como o couro curtido do cão e da ovelha”. Mas não faz parte de uma verdadeira cultura domesticar tigres, nem tampouco tornar ovelhas ferozes; e curtir seu couro para fazer sapatos não é o melhor uso que se pode fazer deles.

 

 

Quando passo os olhos por uma lista de nomes de homens numa língua estrangeira, por exemplo de oficiais militares, ou de autores que escreveram sobre determinado assunto, sou lembrado mais uma vez de que nada há num nome. O nome Minschikoff, por exemplo, não é nem um pouco mais humano aos meus ouvidos do que um bigode, e este pode pertencer a um rato. Assim como os nomes de poloneses e russos são para nós, os nossos são para eles. É como se seus nomes saíssem de um balbucio de bebê. Vejo na imaginação uma manada de criaturas selvagens fervilhando sobre a terra toda, e a cada uma delas o pastor pespegou um som bárbaro em seu próprio dialeto. Os nomes dos homens são, evidentemente, tão reles e sem sentido como Totó ou Lulu, nomes de cachorros.

Penso que seria de alguma vantagem para a filosofia se os homens recebessem seus nomes apenas no atacado, como são conhecidos. Seria necessário conhecer apenas o gênero, e talvez a raça ou variedade, para conhecer o indivíduo. Não estamos dispostos a acreditar que cada soldado particular num exército romano tinha um nome só seu — porque não supúnhamos que ele tivesse uma personalidade só sua. No presente, nossos únicos nomes verdadeiros são os apelidos. Conheço um garoto que, por sua energia singular, era chamado de “Demolidor” pelos companheiros de brincadeiras, e esse apelido suplantou seu nome de batismo. Alguns viajantes nos contam que um índio não recebia um nome ao nascer, mas tinha que conquistar um que correspondesse a suas ações, pelo qual passava a ser conhecido. Em algumas tribos o índio adquiria um novo nome a cada nova proeza. É triste que um homem carregue um nome meramente de conveniência, não tendo conquistado nem o nome nem a reputação que lhe corresponde.

Não vou permitir que meros nomes façam diferença para mim, mas continuarei a ver os homens como membros de um rebanho. Um nome familiar não pode tornar um homem menos estranho para mim. Ele pode ter sido dado a um selvagem que guarda em segredo seu próprio título selvagem conquistado nas matas. Temos um bárbaro selvagem dentro de cada um de nós, e um nome bárbaro talvez esteja registrado como nosso em algum lugar. Vejo que meu vizinho, que ostenta o epíteto familiar de William, ou Edwin, despe-o junto com seu paletó. O nome não adere a ele enquanto está dormindo, ou quando tem um acesso de fúria ou está tomado por alguma paixão ou inspiração. Num momento assim, tenho a impressão de ouvir, pronunciado por alguém de sua família ou círculo de amigos, seu nome selvagem original, em alguma língua árida ou melodiosa.

 

 

Eis aqui esta vasta, bárbara e uivante mãe de todos nós, a Natureza, espalhando-se à nossa volta, com tanta beleza, tanto afeto por seus filhos como a mãe leopardo; e no entanto somos tão cedo desmamados do seu seio e lançados à sociedade, àquela cultura que é exclusivamente uma interação de homens com homens — uma espécie de criação endogâmica, que produz quando muito uma nobreza meramente inglesa, uma civilização destinada a ter um limite estreito.

Em sociedade, nas melhores instituições humanas, é fácil detectar uma certa precocidade. Quando ainda deveríamos ser crianças em desenvolvimento, somos já pequenos homens. Quero uma cultura que traga muito estrume dos prados para adensar seu solo — não uma que se fie apenas em fertilizantes, implementos avançados e técnicas de cultivo.

Tive conhecimento de muitos pobres estudantes com olheiras que se desenvolveriam mais rápido, tanto intelectual como fisicamente, se, em vez de ficar acordados até tão tarde, permitissem a si mesmos dormir honestamente como bobos.m

Pode haver excesso até na luz que dá forma.