Os serviços pelos quais a comunidade está mais disposta a pagar prontamente são os mais desagradáveis de realizar. O sujeito é pago para ser algo menos que um homem. O Estado não costuma recompensar de modo nem um pouco mais sábio um grande talento. Mesmo o poeta laureado preferiria não ter que celebrar os eventos da realeza. Ele tem que ser subornado com um barril de vinho; e talvez outro poeta seja afastado de sua musa para fazer a fiscalização desse mesmo barril. Quanto à minha atividade, mesmo aquele tipo de levantamento topográfico que eu teria a maior satisfação em fazer, os meus empregadores não querem. Preferem que eu faça meu trabalho grosseiramente, sem muito capricho. Quando comento que há diferentes maneiras de fazer um estudo topográfico, meu empregador geralmente pergunta qual lhe dará mais terras, não qual é mais correta. Inventei certa vez um método para medir pilhas de lenha e tentei introduzi-lo em Boston, mas o responsável pelas medições me contou que os vendedores de lá não queriam ter sua madeira medida corretamente — que ele próprio já era acurado demais para o gosto deles, e que por isso geralmente mandavam medir sua lenha em Charleston antes de atravessar a ponte.
A meta de um trabalhador não deveria ser simplesmente ganhar a vida, obter “um bom emprego”, mas sim fazer bem certo trabalho; mesmo num sentido pecuniário, seria proveitoso para uma cidade pagar seus trabalhadores tão bem que eles não sentissem que estavam trabalhando para uma finalidade inferior, como a mera subsistência, e sim para fins científicos ou até mesmo morais. Não contrate um homem que faça o seu trabalho por dinheiro, mas um homem que trabalhe por amor àquilo que faz.
É digno de nota que existam poucos homens tão bem empregados, segundo sua própria opinião, que um pouco de dinheiro ou fama não os compre e os afaste de sua ocupação corrente. Vejo anúncios à procura de rapazes dinâmicos, como se o dinamismo fosse todo o capital de que um jovem dispõe. Entretanto, fiquei surpreso quando um homem teve a confiança de propor a mim, um homem maduro, que me engajasse num empreendimento dele, como se eu não tivesse absolutamente nada para fazer e minha vida tivesse sido um completo fracasso até então. Que elogio duvidoso ele me fazia! Como se ele tivesse me encontrado no meio do oceano, batendo-me contra as ondas, à deriva, e me propusesse que o acompanhasse! Se eu aceitasse sua proposta, o que diriam os agentes de seguros? Não, não! Não estou sem emprego nesta altura da viagem. Para falar a verdade, quando eu era garoto, perambulando pelo porto da minha cidade, vi um anúncio procurando marujos fisicamente aptos, e embarquei tão logo atingi a idade necessária.
A comunidade não dispõe de suborno capaz de tentar um homem sábio. É possível levantar dinheiro suficiente para fazer um túnel numa montanha, mas não se pode levantar dinheiro suficiente para contratar um homem que esteja entregue a sua própria ocupação. Um homem eficiente e valioso faz o que é capaz de fazer, quer a comunidade lhe pague por isso ou não. Os ineficientes oferecem sua ineficiência a quem pagar a maior remuneração, e estão sempre na expectativa de obter um cargo público. Podemos supor que eles raramente se frustram.
Talvez eu seja mais zeloso do que o normal no tocante a minha liberdade. Sinto que minha ligação com a sociedade, e meu compromisso para com ela, ainda são muito tênues e transitórios. Aqueles pequenos trabalhos que sustentam minha existência, e mediante os quais sou em alguma medida útil a meus contemporâneos, têm sido até agora, no mais das vezes, um prazer para mim, e não é frequente que eu me lembre deles como sendo uma necessidade. Até agora tenho tido êxito. Mas prevejo que, se minhas necessidades aumentassem muito, o trabalho requerido para satisfazê-las tornar-se-ia uma chateação. Se eu vendesse à sociedade tanto minhas manhãs como minhas tardes, como a maioria parece fazer, estou certo de que, para mim, não restaria nada que fizesse valer a pena viver. Espero, portanto, nunca ter de vender meus direitos naturais por um prato de sopa. O que quero dar a entender é que um homem pode ser muito laborioso e mesmo assim não empregar bem o seu tempo. Não há maior trapalhão do que o que gasta a maior parte de sua vida empenhando-se em ganhar a vida. Todos os grandes empreendimentos são autossustentáveis. O poeta, por exemplo, deve sustentar o corpo com sua poesia, como a plaina a vapor alimenta suas caldeiras com as aparas que produz. Deve-se ganhar a vida amando-a. Mas, assim como se diz que 97 comerciantes em cada cem fracassam, do mesmo modo a vida dos homens em geral, aferida por esse padrão, é um fracasso, e podemos muito bem profetizar uma falência generalizada.
Vir ao mundo meramente como herdeiro de uma grande fortuna não é nascer, é ser natimorto.
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