Ser sustentado pela caridade dos amigos, ou por uma pensão governamental — desde que você continue a respirar —, quaisquer que sejam os eufemismos usados para descrever essas relações, é o mesmo que ir para o asilo de indigentes. Aos domingos o pobre endividado vai à igreja para fazer um balanço de seu patrimônio e descobre, claro, que seus gastos foram maiores que seus rendimentos. Os da Igreja Católica, em especial, vão à Justiça, fazem uma confissão franca, desistem de tudo e pensam em começar de novo. Desse modo, os homens permanecem deitados, falando sobre a queda do homem, e nunca fazem um esforço para se levantar.

Quanto à exigência que cada homem faz à vida, uma diferença importante entre dois deles é que um se satisfaz com um sucesso mediano, em que seus alvos todos podem ser atingidos por tiros à queima-roupa, enquanto o outro, por mais modesta e malsucedida que seja sua vida, sempre ergue mais seu alvo, ainda que não muito acima do nível do horizonte. Eu gostaria muito mais de ser o segundo desses homens — embora, como dizem os orientais, “a grandeza não se apresenta àquele que vive olhando para baixo; e todos os que estão olhando para cima ficam cada vez mais pobres”.

É digno de nota que não exista quase nada de relevante escrito sobre ganhar a vida; sobre como tornar o ganha-pão não apenas honesto e honrado, mas completamente atrativo e glorioso; pois se ganhar a vida não for assim, a vida também não o será. Consultando a literatura existente, pode-se concluir que essa questão nunca perturbou o raciocínio de um único indivíduo sequer. Estarão os homens tão aborrecidos com sua situação a ponto de não querer falar sobre ela? A lição de valor que o dinheiro ensina, e que o Autor do Universo empenhou-se tanto em nos ensinar, estamos inclinados a ignorar por completo. Quanto aos meios de vida, é espantoso que os homens de todas as classes, até mesmo os assim chamados reformadores, sejam tão indiferentes a eles: tanto faz se foram herdados, conquistados com trabalho ou roubados. Penso que a sociedade nada fez por nós a esse respeito, ou no mínimo desfez o que havia feito. O frio e a fome parecem mais convenientes à minha natureza do que os métodos que os homens adotaram e preconizaram para se defender deles.

O título de sábio é, no mais das vezes, usado indevidamente. Como pode ser sábio um homem que não sabe melhor do que os outros como viver? Um homem que só é mais esperto e intelectualmente mais sutil do que os outros? Existe por acaso Sabedoria num trabalho bruto de tração? Ou ela ensina a ter êxito a partir do seu exemplo? Existe uma coisa chamada sabedoria que não seja aplicada à vida? Ela se resume ao moleiro que tritura a lógica mais sutil? É o caso de perguntar se Platão ganhou a vida de um modo melhor ou mais bem-sucedido do que seus contemporâneos — ou sucumbiu às dificuldades da vida como outros homens. Parece, por acaso, que ele levou a melhor sobre a maioria dos outros simplesmente por indiferença, ou por assumir ares superiores? Ou será que teve a vida mais fácil porque sua tia o contemplou em seu testamento? Os meios pelos quais a maioria dos homens ganha a vida — isto é, vive — são meros expedientes, e um modo de esquivar-se da questão real da existência, principalmente porque eles não conhecem — mas também, em parte, porque não querem — nada melhor.

A corrida para a Califórnia, por exemplo, e a atitude não apenas de comerciantes, mas também de filósofos e profetas em relação a ela refletem a maior desgraça da humanidade. Pensar que tantos estão dispostos a se fiar na sorte, e assim obter os meios de comandar o trabalho de outros menos afortunados, sem contribuir em nada para o bem da sociedade! E chamam a isso de empreendimento! Não conheço exemplo mais espantoso de desenvolvimento da imoralidade dos negócios e de todos os modos vulgares de ganhar a vida. A filosofia, a poesia e a religião de uma humanidade assim não valem a poeira de um cogumelo orelha-de-pau. O porco, que ganha a vida cavoucando a lama, teria vergonha de tal companhia. Se pudesse dispor de toda riqueza do mundo com o levantar de um dedo, eu não pagaria todo esse preço por ela. Até mesmo Maomé sabia que Deus não fez este mundo por brincadeira. Só se Deus fosse um cavalheiro endinheirado que espalha um punhado de moedas para ver a humanidade se engalfinhar por elas. O mundo partilhado numa rifa! Como se a subsistência nos domínios da natureza fosse algo a ser ganho numa rifa! Que comentário crítico, que sátira a nossas instituições! O desfecho disso será a humanidade se enforcando numa árvore. Será que todos os preceitos de todas as Bíblias só ensinaram isso aos homens? A última e mais admirável invenção da raça humana não passa de um aperfeiçoado rastelo de revirar estrume?b É esse o terreno em que orientais e ocidentais se encontram? Será que Deus nos conduziu a isto, a obter nosso sustento escavando a terra onde nunca plantamos — e nos recompensaria, por acaso, com jazidas de ouro?

Deus deu ao homem honrado um certificado garantindo-lhe o direito ao alimento e às roupas, mas o homem iníquo encontrou um fac-símile do mesmo documento no cofre de Deus e apropriou-se dele, obtendo alimento e roupas como o homem honrado. É um dos mais amplos sistemas de falsificação que o mundo já conheceu. Eu não sabia que a humanidade estava sofrendo de falta de ouro. Vi pouco ouro até hoje. Sei que ele é muito maleável, mas não tão maleável quanto a inteligência. Um grão de ouro pode dourar uma superfície extensa, mas não tão extensa quanto a que um grão de sabedoria pode dourar.

O minerador de ouro nas encostas das montanhas é um jogador como os que frequentam os saloons de São Francisco. Que diferença faz se você sacode terra ou chacoalha dados? Se você vence, quem perde é a sociedade. O garimpeiro é o inimigo do trabalhador honesto, quaisquer que sejam os controles e compensações porventura existentes. Não basta me dizer que você trabalhou duro para obter seu ouro. Também o Diabo trabalha duro. O caminho dos transgressores pode ser árduo em vários aspectos.