É tão difícil esquecer aquilo que não merece ser lembrado! Se eu tiver que ser uma vala, prefiro que seja para os córregos da montanha, para as correntes do Parnaso, e não para os esgotos da cidade. Existe a inspiração, aquela fala que chega aos ouvidos atentos vinda das cortes do céu. E existe a revelação profana e gasta do botequim e do tribunal criminal. O mesmo ouvido está apto a receber as duas coisas. Só o caráter do ouvinte determina para qual das duas ele estará aberto e para qual estará fechado. Acredito que a mente pode ser profanada indelevelmente pelo hábito de atentar para coisas vulgares, de tal modo que todos os nossos pensamentos se tinjam de vulgaridade. Nosso próprio intelecto ficará macadamizado, por assim dizer — com sua fundação rompida em fragmentos para que as rodas dos viajantes rolem por cima; e se você quiser saber qual seria o mais durável dos calçamentos, sobrepujando as pedras polidas, os cepos de abeto e mesmo o asfalto, basta olhar dentro de algumas das mentes que foram submetidas por tanto tempo a esse processo.

Se nos profanamos dessa forma — e quem não o fez? —, o remédio será nos ressacralizarmos mediante o cuidado e a devoção, convertendo de novo nossa mente num templo. Devemos tratar nossa mente, isto é, a nós mesmos, como crianças inocentes e ingênuas, cujos guardiões somos nós, e ser cuidadosos quanto aos objetos e assuntos que submetemos à sua atenção. Em vez de ler o Times, leiamos a Eternidade. Os convencionalismos, em última instância, são tão ruins quanto as impurezas. Até os fatos da ciência podem empoeirar a mente com sua secura, a menos que sejam, num certo sentido, apagados a cada manhã, ou antes tornados férteis pelo orvalho da verdade fresca e vívida. O conhecimento não nos chega em detalhes, mas em lampejos da luz celeste. Sim, cada pensamento que atravessa a mente ajuda a desgastá-la e a aprofundar seus sulcos, que, assim como nas ruas de Pompeia, evidenciam o quanto ela foi usada. Há tantas coisas que poderíamos muito bem decidir ignorar — decidir deixar que as carrocinhas de mascates que as carregam atravessem, no mais lento dos passos, a ponte de gloriosa extensão pela qual confiamos passar finalmente da mais distante margem do tempo para a mais próxima praia da eternidade! Será que não temos nenhuma cultura, nenhum refinamento, mas apenas talento para viver grosseiramente e servir ao Demônio, para adquirir um pouco de riqueza mundana, ou fama, ou liberdade, e exibir tudo isso como se fôssemos só casca, sem nenhum grão delicado e vivo em nosso interior? Será que nossas instituições devem ser como aquela castanha-brava que só produz frutos abortivos, cuja única utilidade é espetar-nos os dedos?

Dizem que a América é a arena onde se trava a batalha da liberdade, mas certamente não se está querendo dizer liberdade num sentido meramente político. Mesmo se concordarmos que o americano se livrou de um governante tirano, ele ainda é escravo de uma tirania econômica e moral. Agora que a república — a res-publica — foi estabelecida, é hora de cuidar da res-privata, o estado privado, cuidando para que “ne quid res-PRIVATA detrimenti caperet” (o estado privado não seja prejudicado), como exortava o senado romano a seus cônsules.

E chamamos isto de terra da liberdade? De que adianta ficarmos livres do rei George se seguimos escravos do rei Preconceito? De que adianta nascer livre e não viver em liberdade? Qual é o valor de qualquer liberdade política se não for um meio para a liberdade moral? A liberdade de que nos vangloriamos é a liberdade de ser escravos ou a liberdade de ser de fato livres? Somos uma nação de políticos, preocupados apenas com a defesa exterior da liberdade. São os filhos dos nossos filhos que poderão talvez ser realmente livres. Nossos impostos são cobrados de modo injusto. Há uma parcela de nós que não é representada. É tributação sem representação. Damos abrigo a soldados, a idiotas e a todo tipo de gado dentro de nós. Abrigamos nosso corpo bruto em nossa pobre alma, até que aquele devore toda a substância desta.

No que diz respeito a uma verdadeira cultura e humanidade, somos ainda essencialmente provincianos, não cosmopolitas. Meros Jônatas.j Somos provincianos porque não encontramos nossos valores em nossa própria terra, porque não veneramos a verdade, mas os reflexos da verdade, porque somos deformados e reduzidos por uma devoção exclusiva aos negócios, ao comércio, à manufatura, à agricultura e coisas do tipo, que são apenas meios e não fins em si mesmos.

Igualmente provinciano é o Parlamento inglês. Meros matutos, eles traem a si mesmos cada vez que emerge uma questão mais importante para decidirem, como por exemplo a questão da Irlanda — por que não dizer a questão inglesa? Suas naturezas são subjugadas por suas ocupações. Suas “boas maneiras” dizem respeito apenas a coisas secundárias. As melhores maneiras do mundo não passam de inaptidão e estupidez quando contrastadas com uma inteligência mais refinada. Parecem apenas modas de tempos passados, mera etiqueta, antiquadas mesuras e roupas rendadas. É o caráter vicioso das maneiras, não sua excelência, que é continuamente abandonado pelo caráter; elas são como roupas descartadas ou cascas, reivindicando o respeito que pertencia à criatura viva. Oferecem-nos a casca, não a carne, e não é desculpa o fato de que, no caso de alguns moluscos, a concha é mais valiosa do que a carne. O homem que empurra suas maneiras para cima de mim age como se insistisse em me apresentar sua coleção de curiosidades, quando o que eu desejo ver é ele mesmo.