Vamos ver quem é mais forte. Que força tem uma multidão? Só podem me coagir aqueles que obedecem a uma lei mais elevada que a minha.23 Eles me obrigam a ser como eles. Nunca ouvi falar de homens que tenham sido obrigados pelas massas a viver desta ou daquela maneira. Que espécie de vida seria essa? Quando me deparo com um governo que me diz “A bolsa ou a vida”, por que eu deveria me apressar em lhe dar meu dinheiro? Ele pode estar atravessando um grande aperto, e não saber como agir: nada posso fazer para ajudá-lo. Ele deve ajudar a si próprio; fazer como eu. Não vale a pena se lamuriar a respeito. Não sou responsável pelo bom funcionamento da máquina da sociedade. Não sou o filho do maquinista. Observo que, quando uma bolota de carvalho e uma castanha caem lado a lado, uma delas não fica inerte para dar espaço à outra, mas ambas obedecem a suas próprias leis, brotando, crescendo e florescendo o melhor que podem, até que uma, talvez, eclipse e destrua a outra. Se uma planta não pode viver de acordo com sua natureza, ela morre. O mesmo ocorre com um homem.

 

A noite na prisão foi bastante inusitada e interessante. Quando entrei, os prisioneiros, em mangas de camisa, conversavam e desfrutavam o ar da noite perto da porta. Mas o carcereiro disse: “Vamos, rapazes, está na hora de trancar”; e então eles se dispersaram, e ouvi o som de seus passos retornando às celas vazias. Meu companheiro de cela me foi apresentado pelo carcereiro como “um camarada de primeira e um homem esperto”. Quando a porta foi trancada, ele me mostrou onde pendurar o chapéu e contou como lidava com as coisas por ali. As celas eram caiadas uma vez por mês, e pelo menos aquele em que estávamos era o aposento mais branco, de mobiliário mais simples e, provavelmente, o mais limpo da cidade. Ele naturalmente quis saber de onde eu vinha, e o que me trouxera até ali. E, depois de lhe contar, perguntei-lhe igualmente como ele fora parar ali, presumindo que fosse um homem honesto, evidentemente; e, pelo modo como anda o mundo, acho que de fato era. “Ora”, disse ele, “eles me acusam de incendiar um celeiro, mas nunca fiz isso.” Até onde pude perceber, ele provavelmente tinha ido dormir num celeiro quando estava bêbado, e fumara seu cachimbo ali, e assim o celeiro pegara fogo. Tinha a reputação de ser um homem inteligente, estava ali havia três meses à espera de seu julgamento, e teria de esperar outro tanto. Mas estava plenamente manso e satisfeito, já que tinha pouso e comida de graça, e julgava estar sendo bem tratado.

Ele ocupava uma janela e eu a outra. Percebi que, se alguém ficava muito tempo ali trancado, sua principal ocupação era olhar pela janela. Em pouco tempo eu havia lido todos os folhetos deixados ali, e examinado por onde antigos presos haviam fugido e onde uma grade havia sido serrada, e ouvido a história de vários ocupantes daquela cela. Descobri que mesmo ali havia histórias e rumores que nunca circulavam fora dos muros da prisão. Provavelmente aquela é a única residência na cidade em que versos são compostos e impressos em seguida em forma de circular, mas jamais publicados. Mostraram-me uma lista bem longa de versos compostos por alguns jovens detidos numa tentativa de fuga, e que se vingavam cantando-os.

Extraí tudo o que pude do meu companheiro de cela, por receio de não voltar jamais a vê-lo; mas por fim ele me mostrou qual era minha cama e me deixou a tarefa de apagar a lamparina.

Passar uma noite ali foi como viajar por um país distante, que eu nunca houvesse cogitado visitar. Pareceu-me nunca ter ouvido antes o relógio da cidade dar as horas, nem os ruídos noturnos do povoado, pois dormimos com as janelas abertas, gradeadas por fora. Foi como enxergar minha aldeia natal à luz da Idade Média, e nosso Concord transformado num afluente do Reno,24 e visões de cavaleiros e castelos desfilaram diante dos meus olhos. Eram as vozes dos antigos moradores dos burgos que eu ouvia nas ruas. Fui um involuntário espectador e ouvinte de tudo o que era feito e dito na cozinha da estalagem adjacente — uma experiência completamente nova e extraordinária para mim.