Domingos. Depois dá notícia acerca dos seus companheiros.
Sì tosto come l’ultima parola
la benedetta fiamma per dir tolse,
a rotar cominciò la santa mola;
Quando o lume bendito proferira
Do discurso a palavra derradeira,
A coréia, como eu já a vira,
e nel suo giro tutta non si volse
prima ch’un’altra di cerchio la chiuse,
e moto a moto e canto a canto colse;
Inda uma volta não fizera inteira,
Logo outra turma em círculo a encerrava
Em voz acordes ambas e em carreira.
canto che tanto vince nostre muse,
nostre serene in quelle dolci tube,
quanto primo splendor quel ch’e’ refuse.
Essa harmonia tanto superava
Das Musas e sereias a cadência,
Quanto ao reflexo a luz que rutilava.
Come si volgon per tenera nube
due archi paralelli e concolori,
quando Iunone a sua ancella iube,
Como arcos dois das nuvens na aparência
Curvam-se iguais na cor e equidistantes,
Se de Íris Juno exige diligência,
nascendo di quel d’entro quel di fori,
a guisa del parlar di quella vaga
ch’amor consunse come sol vapori,
Nascendo um do outro, em forma semelhantes,
Qual voz da que de amor foi consumida
Como do sol as névoas alvejantes,
e fanno qui la gente esser presaga,
per lo patto che Dio con Noè puose,
del mondo che già mai più non s’allaga:
E crer fazendo que há de ser mantida
A promessa, a Noé por Deus firmada,
De não ser mais a terra submergida:
così di quelle sempiterne rose
volgiensi circa noi le due ghirlande,
e sì l’estrema a l’intima rispuose.
Assim de nós em torno ia agitada
Cada grinalda das perpétuas rosas,
Uma com outra em tudo conformada.
Poi che ’l tripudio e l’altra festa grande,
sì del cantare e sì del fiammeggiarsi
luce con luce gaudïose e blande,
Tanto que a dança e festa jubilosas,
Por cantos e esplendores flamejantes
Dessas luzes suaves e amorosas,
insieme a punto e a voler quetarsi,
pur come li occhi ch’al piacer che i move
conviene insieme chiudere e levarsi;
Quedar eu vi nas rotações brilhantes,
Quais olhos, juntamente ao nosso grado,
Se abrindo e se fechando vigilantes,
del cor de l’una de le luci nove
si mosse voce, che l’ago a la stella
parer mi fece in volgermi al suo dove;
De um dos novos clarões voz, que, enlevado,
Volver-me para si fez de repente,
Qual à estrela polar ímã voltado:
e cominciò: «L’amor che mi fa bella
mi tragge a ragionar de l’altro duca
per cui del mio sì ben ci si favella.
— “Amor” — diz — “que a beleza dá-me ingente
Me induz a te falar do Mestre Santo,
Que ao meu foi de louvor causa eminente.
Degno è che, dov’ è l’un, l’altro s’induca:
sì che, com’ elli ad una militaro,
così la gloria loro insieme luca.
“Um se memore onde outro bilha tanto:
Sob a mesma bandeira hão militado;
Brilha a glória dos dois também no canto.
L’essercito di Cristo, che sì caro
costò a rïarmar, dietro a la ’nsegna
si movea tardo, sospeccioso e raro,
De Cristo, a tanto custo restaurado,
O exército o estandarte seu seguia,
Já raro, lento, de temor tomado,
quando lo ’mperador che sempre regna
provide a la milizia, ch’era in forse,
per sola grazia, non per esser degna;
“Quando à milícia, que o valor perdia
O Eterno Imperador deu provimento,
Só por Graça: esse bem não merecia;
e, come è detto, a sua sposa soccorse
con due campioni, al cui fare, al cui dire
lo popol disvïato si raccorse.
“E da Esposa enviou por salvamento
Dois campeões, de cuja voz movida,
A transviada gente cobra o alento.
In quella parte ove surge ad aprire
Zefiro dolce le novelle fronde
di che si vede Europa rivestire,
“Na terra, em que, ao seu hábito, convida
O Zéfiro a se abrirem novas flores,
De que se vê a Europa revestida,
non molto lungi al percuoter de l’onde
dietro a le quali, per la lunga foga,
lo sol talvolta ad ogne uom si nasconde,
“Em plaga, onde se embate em seus furores
O mar, em que, o seu curso terminado,
O sol esconde às vezes seus ardores,
siede la fortunata Calaroga
sotto la protezion del grande scudo
in che soggiace il leone e soggioga:
“Jaz Calaroga em solo afortunado,
Que o poderoso escudo protegera,
No qual leão subjuga e é subjugado.
dentro vi nacque l’amoroso drudo
de la fede cristiana, il santo atleta
benigno a’ suoi e a’ nemici crudo;
“Ali o atleta heróico à luz viera,
Da fé cristã esse indefesso amante,
Que, aos seus beni’no, aos maus guerra fizera.
e come fu creata, fu repleta
sì la sua mente di viva vertute,
che, ne la madre, lei fece profeta.
“Foi virtude em sua alma tão possante,
Que, ainda estando no materno seio,
Do porvir fez a mãe vaticinante.
Poi che le sponsalizie fuor compiute
al sacro fonte intra lui e la Fede,
u’ si dotar di mutüa salute,
“Quando a firmar-se o desposório veio
Entre ele e a Fé, na fonte consagrada,
De muita salvação seguro meio,
la donna che per lui l’assenso diede,
vide nel sonno il mirabile frutto
ch’uscir dovea di lui e de le rede;
“De dar pôr ele o assento a encarregada
A messe viu em sonhos milagrosa,
Que dele e herdeiros seus era esparada.
e perché fosse qual era in costrutto,
quinci si mosse spirito a nomarlo
del possessivo di cui era tutto.
“Do seu destino em prova portentosa,
Anjo baixou ao fim só de chamá-lo
Do Senhor de quem era a alma piedosa.
Domenico fu detto; e io ne parlo
sì come de l’agricola che Cristo
elesse a l’orto suo per aiutarlo.
“Domínico foi dito e eu dele falo,
Como o operário, que elegera Cristo,
Da vinha no lavor para ajudá-lo.
Ben parve messo e famigliar di Cristo:
ché ’l primo amor che ’n lui fu manifesto,
fu al primo consiglio che diè Cristo.
“Servo e enviado mostrou ser de Cristo
Por quanto o amor primeiro, que há mostrado,
Foi a primeira lei que nos deu Cristo.
Spesse fïate fu tacito e desto
trovato in terra da la sua nutrice,
come dicesse: ’Io son venuto a questo’.
“Muitas vezes a mãe o achou prostrado,
Em profundo silêncio e bem desperto,
Como a dizer: — A isto eu fui mandado.
Oh padre suo veramente Felice!
oh madre sua veramente Giovanna,
se, interpretata, val come si dice!
“Oh! foi seu genitor feliz por certo!
Oh! sua mãe realmente foi Joana
Se há no sentido que lhe dão, acerto!
Non per lo mondo, per cui mo s’affanna
di retro ad Ostïense e a Taddeo,
ma per amor de la verace manna
“Não pelo amor do mundo, que se engana,
Do Ostiense e Tadeu nos livros lendo,
Mas de Jesus pelo maná se afana,
in picciol tempo gran dottor si feo;
tal che si mise a circüir la vigna
che tosto imbianca, se ’l vignaio è reo.
“Sapiente doutor em breve sendo,
Da santa vinha guarda vigilante,
Que presto seca, pouco zelo havendo.
E a la sedia che fu già benigna
più a’ poveri giusti, non per lei,
ma per colui che siede, che traligna,
“De Roma à sede quando foi perante,
Que aos justos era compassiva outrora,
Hoje, por culpa do que a rege, errante,
non dispensare o due o tre per sei,
non la fortuna di prima vacante,
non decimas, quae sunt pauperum Dei,
“Onzenárias dispensas não lhe implora,
Nem primeira prebenda, que vagasse,
Nem dízimas, que são do pobre, exora.
addimandò, ma contro al mondo errante
licenza di combatter per lo seme
del qual ti fascian ventiquattro piante.
“Mas contra o mundo, que no qual compraz-se,
Pede o favor de defender a planta,
Da qual tens flores vinte e quatro em face.
Poi, con dottrina e con volere insieme,
con l’officio appostolico si mosse
quasi torrente ch’alta vena preme;
“Com seu querer e com doutrina santa,
Como a torrente, que da altura desce,
De apóstolo por zelo o mundo espanta.
e ne li sterpi eretici percosse
l’impeto suo, più vivamente quivi
dove le resistenze eran più grosse.
“Dos hereges se arroja à infanda messe,
E onde a resistência mais porfia
Das forças suas o ímpeto recresce.
Di lui si fecer poi diversi rivi
onde l’orto catolico si riga,
sì che i suoi arbuscelli stan più vivi.
Dele brotaram rios, que hoje em dia
Têm o jardim católico regado
E aos seus arbustos dão viço e valia.
Se tal fu l’una rota de la biga
in che la Santa Chiesa si difese
e vinse in campo la sua civil briga,
“Se tal foi uma roda do afamado
Carro, em que defendeu-se a Santa Igreja,
E a civil guerra em campo há superado,
ben ti dovrebbe assai esser palese
l’eccellenza de l’altra, di cui Tomma
dinanzi al mio venir fu sì cortese.
“Da outra o alto mérito qual seja
Já te disse Tomás, eu stando ausente:
Dele nas vozes seu louvor lampeja.
Ma l’orbita che fé la parte somma
di sua circunferenza, è derelitta,
sì ch’è la muffa dov’ era la gromma.
“Porém daquela roda o sulco ingente
Ficou em desamparo tal, que o lodo
Onde era a flor domina tristemente.
La sua famiglia, che si mosse dritta
coi piedi a le sue orme, è tanto volta,
che quel dinanzi a quel di retro gitta;
“Vê-se a família sua por tal modo
Da vereda de outrora transviada,
Que esqueceu-lhe as pegadas já de todo.
e tosto si vedrà de la ricolta
de la mala coltura, quando il loglio
si lagnerà che l’arca li sia tolta.
“Logo a cultura má será provada
Na seara, zizânia sendo ao vento,
Em vez de ir ao celeiro, arremessada.
Ben dico, chi cercasse a foglio a foglio
nostro volume, ancor troveria carta
u’ leggerebbe “I’ mi son quel ch’i’ soglio”;
“Que nosso livro folheasse atento
Veria, creio, página, em que lesse:
— Sou, como sempre, de impureza isento. —
ma non fia da Casal né d’Acquasparta,
là onde vegnon tali a la scrittura,
ch’uno la fugge e altro la coarta.
“Em Casal e Água-Sparta igual não vê-se:
Lá de tal jeito entende-se a Escritura,
Que um tíbio a foge, outro excessivo a empece.
Io son la vita di Bonaventura
da Bagnoregio, che ne’ grandi offici
sempre pospuosi la sinistra cura.
“De Bargnoregio eu sou Boaventura,
Que, exercendo altos cargos, repelia
Dos interesses temporais a cura.
Illuminato e Augustin son quici,
che fuor de’ primi scalzi poverelli
che nel capestro a Dio si fero amici.
“Vê, dos irmãos descalços primazia,
Iluminato, de Agostinho ao lado:
Cada qual no burel por Deus ardia.
Ugo da San Vittore è qui con elli,
e Pietro Mangiadore e Pietro Spano,
lo qual giù luce in dodici libelli;
“Hugo vê de S. Vítor premiado
Como Pedro Mangiadore e Pedro Hispano
Pelos seus doze livros celebrado.
Natàn profeta e ’l metropolitano
Crisostomo e Anselmo e quel Donato
ch’a la prim’ arte degnò porre mano.
“Natã Profeta e o Metropolitano
João Crisóstomo, Anselmo e o afamado
Donato, na primeira arte sob’rano.
Rabano è qui, e lucemi dallato
il calavrese abate Giovacchino
di spirito profetico dotato.
“Vê Rabano, a brilhar vê ao meu lado
O calabrês Abade Giovachino,
De espírito profético dotado.
Ad inveggiar cotanto paladino
mi mosse l’infiammata cortesia
di fra Tommaso e ’l discreto latino;
“Aos louvores do excelso paladino
Moveu-me a caridosa cortesia,
O dizer sábio de Tomás de Aquino,
e mosse meco questa compagnia».
E comigo a esta santa companhia.”
Canto XIII
Canto XIII, nel quale san Tommaso d’Aquino, de l’ordine d’i frati predicatori solve una questione toccata di sopra da Salamone.
O Poeta descreve a dança das duas coroas de espíritos celestes. S. Tomás resolve a segunda dúvida de Dante. Adão e Jesus Cristo são seres perfeitíssimos, por serem obra imediata de Deus. Mas ele não pode ser comparado nem a Adão nem a Jesus Cristo. Conclui o Santo advertindo do perigo dos juízos precipitados, e de quanto é sujeito a enganar-se quem julga das coisas pelas aparências.
Imagini, chi bene intender cupe
quel ch’i’ or vidi - e ritegna l’image,
mentre ch’io dico, come ferma rupe -,
O que hei visto e refiro quem deseja
Entender, imagine, (e bem sculpida,
Como em rocha, na mente a imagem seja)
quindici stelle che ’n diverse plage
lo ciel avvivan di tanto sereno
che soperchia de l’aere ogne compage;
Quinze estrelas, que luz tanta espargida
Tem por celestes regiões dif’rentes,
Que é do ar a espessura esclarecida,
imagini quel carro a cu’ il seno
basta del nostro cielo e notte e giorno,
sì ch’al volger del temo non vien meno;
Da carroça imagine as refulgentes
Rodas, sempre girando, noite e dia,
Pelos espaços do céu nosso ingentes;
imagini la bocca di quel corno
che si comincia in punta de lo stelo
a cui la prima rota va dintorno,
Da trompa a boca mostre a fantasia,
Que lá no extremo do axe, ao qual a esfera
Primeira contorneia, principia.
aver fatto di sé due segni in cielo,
qual fece la figliuola di Minoi
allora che sentì di morte il gelo;
Se em signos dois tais astros considera,
Iguais à c’roa que no céu fulgura,
Dês que Ariadne à morte se rendera;
e l’un ne l’altro aver li raggi suoi,
e amendue girarsi per maniera
che l’uno andasse al primo e l’altro al poi;
E, os raios misturando da luz pura,
Para lados contrários se movendo
Aqueles círc’los dois na etérea altura:
e avrà quasi l’ombra de la vera
costellazione e de la doppia danza
che circulava il punto dov’ io era:
Imagine, mas quase a sombra tendo
Dos versos astros, dessa dupla dança,
Que em torno a nós estava se volvendo.
poi ch’è tanto di là da nostra usanza,
quanto di là dal mover de la Chiana
si move il ciel che tutti li altri avanza.
Que a verdade essa imagem tanto alcança,
Quanto a Chiana a rapidez imita
Do céu, que a todos os mais céus se avança.
Lì si cantò non Bacco, non Peana,
ma tre persone in divina natura,
e in una persona essa e l’umana.
Nem Pean cantam, nem de Baco a grita;
Mas Três Pessoas com divina essência
E numa o humano ser, que a Deus se adita.
Compié ’l cantare e ’l volger sua misura;
e attesersi a noi quei santi lumi,
felicitando sé di cura in cura.
Os hinos tendo e a dança intermitência
Em nós os santos lumes se fitaram;
Compraz-lhes dos cuidados a seqüência.
Ruppe il silenzio ne’ concordi numi
poscia la luce in che mirabil vita
del poverel di Dio narrata fumi,
O silêncio que os coros dois formaram,
As vozes rompem, que a espantosa vida
Do mendigo de Deus me recontaram.
e disse: «Quando l’una paglia è trita,
quando la sua semenza è già riposta,
a batter l’altra dolce amor m’invita.
— “Quando a palha é do trigo dividida,
Quando a colheita fica enceleirada,
A bater outra doce Amor convida.
Tu credi che nel petto onde la costa
si trasse per formar la bella guancia
il cui palato a tutto ’l mondo costa,
“Crês que ao peito onde a costa foi tirada
Para a boca gentil formar motivo
Da pena ao mundo inteiro fulminada,
e in quel che, forato da la lancia,
e prima e poscia tanto sodisfece,
che d’ogne colpa vince la bilancia,
“E ao da aguda lança o golpe esquivo
Padeceu e a balança, em morte e vida,
Da culpa alçou com peso decisivo,
quantunque a la natura umana lece
aver di lume, tutto fosse infuso
da quel valor che l’uno e l’altro fece;
“Quanta ciência aos homens permitida
Ser poderia pela mão divina,
Que um e outro criou, fora infundida.
e però miri a ciò ch’io dissi suso,
quando narrai che non ebbe ’l secondo
lo ben che ne la quinta luce è chiuso.
“Tua mente, pois, a dúvidas se inclina
Me ouvindo que em ciência sem segundo
Subira quem a luz quinta domina.
Or apri li occhi a quel ch’io ti rispondo,
e vedräi il tuo credere e ’l mio dire
nel vero farsi come centro in tondo.
“Olhos abre à razão, em que me fundo:
Como teu crer confundida tens de vê-la
Na verdade, qual centro num rotundo.
Ciò che non more e ciò che può morire
non è se non splendor di quella idea
che partorisce, amando, il nostro Sire;
“O que não morre, o que por morte gela
É só splendor da Idéia, que, nascendo
Do Senhor nosso, o seu amor revela;
ché quella viva luce che sì mea
dal suo lucente, che non si disuna
da lui né da l’amor ch’a lor s’intrea,
“Por quanto essa luz viva, procedendo
Do foco seu, do qual se não desune,
Nem do Amor, que o terceiro fica sendo,
per sua bontate il suo raggiare aduna,
quasi specchiato, in nove sussistenze,
etternalmente rimanendosi una.
“Só por Bondade sua, o fulgor une,
Como em spêlho, em céus nove, e o concentrando,
Tem a unidade eternalmente imune.
Quindi discende a l’ultime potenze
giù d’atto in atto, tanto divenendo,
che più non fa che brevi contingenze;
“As últimas potências se abaixando,
Já de ato em ato enfraquecida fica,
As breves contigências vai formando.
e queste contingenze essere intendo
le cose generate, che produce
con seme e sanza seme il ciel movendo.
“Contigências palavra é que te indica
Essas cousas, que o céu, no movimento,
Com semente ou sem ela multiplica.
La cera di costoro e chi la duce
non sta d’un modo; e però sotto ’l segno
idëale poi più e men traluce.
“Não mostra arte ou substância um só intento
E modo, mais ou menos transluzindo
O selo do Supremo Entendimento.
Ond’ elli avvien ch’un medesimo legno,
secondo specie, meglio e peggio frutta;
e voi nascete con diverso ingegno.
“Vê-se, pois, a mesma arv’re produzindo,
Segundo a espécie, ou bons ou ruins frutos;
E vós à luz com várias manhas vindo.
Se fosse a punto la cera dedutta
e fosse il cielo in sua virtù supprema,
la luce del suggel parrebbe tutta;
“Brilhava o selo inteiro nos produtos,
Se a cera em ponto apropriado fora,
E os influxos do céu nunca interruptos;
ma la natura la dà sempre scema,
similemente operando a l’artista
ch’a l’abito de l’arte ha man che trema.
“Porém natura as impressões desdoura,
Procedendo, assim como faz o artista:
Treme-lhe a mão que é da arte sabedora.
Però se ’l caldo amor la chiara vista
de la prima virtù dispone e segna,
tutta la perfezion quivi s’acquista.
“E, pois, se ardente amor a clara vista
Da virtude primeira imprime e adapta,
A perfeição aqui toda se aquista.
Così fu fatta già la terra degna
di tutta l’animal perfezïone;
così fu fatta la Vergine pregna;
“Assim a argila foi condigna e apta
A toda perfeição da criatura,
E concebeu a Virgem pura, intacta.
sì ch’io commendo tua oppinïone,
che l’umana natura mai non fue
né fia qual fu in quelle due persone.
“Segues, portanto opinião segura:
Como nos dois jamais tão alta há sido,
Nem jamais há de ser vossa natura.
Or s’i’ non procedesse avanti piùe,
’Dunque, come costui fu sanza pare?’
comincerebber le parole tue.
“Se eu porventura houvesse concluído,
Com razão me tiveras perguntado:
— Como disseste — igual não tem subido?
Ma perché paia ben ciò che non pare,
pensa chi era, e la cagion che ’l mosse,
quando fu detto “Chiedi”, a dimandare.
“Da verdade por seres informado,
No que era pensa e à sua escolha atende,
Quando — Pede — por Deus foi-lhe ordenado.
Non ho parlato sì, che tu non posse
ben veder ch’el fu re, che chiese senno
acciò che re sufficïente fosse;
“Claro falei, tua mente bem comprende
Que foi Rei quem pediu sabedoria
Para fazer o que o bom Rei pretende.
non per sapere il numero in che enno
li motor di qua sù, o se necesse
con contingente mai necesse fenno;
“Não quis saber qual número seria
Dos motores ao céu, nem se necesse
Com contigente um seu igual faria.
non si est dare primum motum esse,
o se del mezzo cerchio far si puote
trïangol sì ch’un retto non avesse.
“Non si est dare primum motum esse,
Ou se um triâng’lo sem ter âng’lo reto
Traçar em simicírc’lo se pudesse.
Onde, se ciò ch’io dissi e questo note,
regal prudenza è quel vedere impari
in che lo stral di mia intenzion percuote;
“E pois, o dizer meu que ora completo,
Quando falava na sem par ciência,
A prudência real ia direto.
e se al “surse” drizzi li occhi chiari,
vedrai aver solamente respetto
ai regi, che son molti, e ’ buon son rari.
“Dando ao — “Subiu” — devida inteligência,
Hás de ver que somente aos Reis se aplica,
Muitos na soma, poucos na excelência.
Con questa distinzion prendi ’l mio detto;
e così puote star con quel che credi
del primo padre e del nostro Diletto.
“E feita a distinção que exposta fica,
Meu dizer à tua fé no pai primeiro
E em nosso Redentor não contra-indica.
E questo ti sia sempre piombo a’ piedi,
per farti mover lento com’ uom lasso
e al sì e al no che tu non vedi:
“Prende assim chumbo ao pé sempre; ligeiro
Não vás, imita o caminhante lasso;
Ao não ao sim não corre aventureiro.
ché quelli è tra li stolti bene a basso,
che sanza distinzione afferma e nega
ne l’un così come ne l’altro passo;
“Mostra ser dos estultos o mais crasso
Quem afirma, quem nega leviano
Sem distinção ou num ou noutro passo.
perch’ elli ’ncontra che più volte piega
l’oppinïon corrente in falsa parte,
e poi l’affetto l’intelletto lega.
“Daí vem muitas vezes por seu dano,
Que o juízo do vulgo se transvia
E o entendimento enleia afeto insano.
Vie più che ’ndarno da riva si parte,
perché non torna tal qual e’ si move,
chi pesca per lo vero e non ha l’arte.
“Mais do que em vão do porto se desvia:
Incólume não volta da jornada
Quem pós verdade da arte não seguia.
E di ciò sono al mondo aperte prove
Parmenide, Melisso e Brisso e molti,
li quali andaro e non sapëan dove;
“A prova dão, por fatos confirmada
Parmênides, Melisso, Brisso e quantos
Partiram sem saber o rumo e a estrada.
sì fé Sabellio e Arrio e quelli stolti
che furon come spade a le Scritture
in render torti li diritti volti.
“Assim Ário fez, Sabélio e tantos,
Que, como espadas, deram na Escritura,
Mutilando o sentido aos textos santos.
Non sien le genti, ancor, troppo sicure
a giudicar, sì come quei che stima
le biade in campo pria che sien mature;
“Quem no julgar as cousas se apressura
Imita aquele, que estimasse o trigo,
Quando a seara inda não stá madura.
ch’i’ ho veduto tutto ’l verno prima
lo prun mostrarsi rigido e feroce,
poscia portar la rosa in su la cima;
“No inverno hei visto espinho dar castigo
Ao que imprudente as ramas lhe tocara;
Rosas depois oferecia amigo.
e legno vidi già dritto e veloce
correr lo mar per tutto suo cammino,
perire al fine a l’intrar de la foce.
“E nau vi, que segura navegara,
Em viagem feliz, o salso argento,
Soçobrar, quando o posto já tomara.
Non creda donna Berta e ser Martino,
per vedere un furare, altro offerere,
vederli dentro al consiglio divino;
“De Deus antecipar-se ao julgamento
Não queiram Dona Berta e Dom Martinho:
Se um rouba e é outro às oblações atento,
ché quel può surgere, e quel può cadere».
Pode um se erguer, cair outro em caminho.” —
Canto XIV
Canto XIV, nel quale Salamone solve alcuna cosa dubitata; e montasi ne la stella di Marte. La quinta parte comincia qui.
Beatriz pergunta a um espírito celeste, em nome de Dante, se depois da ressurreição dos corpos permanecerá a luz que emana de suas almas e se essa luz não prejudicará a sua vista. O espírito responde que, depois da ressurreição, a vista dos espíritos aumentará. Aparecem novos espíritos. Sem perceber, Dante encontra-se no planeta Marte, onde estão aqueles que defenderam com as armas a religião cristã. Aí o aspecto do céu vence toda beleza passada, porque quanto mais se sobe, mais cresce o esplendor dos céus.
Dal centro al cerchio, e sì dal cerchio al centro
movesi l’acqua in un ritondo vaso,
secondo ch’è percosso fuori o dentro:
Do centro à borda e assim da borda ao centro
Água num vaso circular se agita,
Se a comovem de fora, se de dentro.
ne la mia mente fé sùbito caso
questo ch’io dico, sì come si tacque
la glorïosa vita di Tommaso,
Isto que digo a mente me visita
Súbito, quando o esp’rito glorioso
De Tomás suspendeu a voz bendita,
per la similitudine che nacque
del suo parlare e di quel di Beatrice,
a cui sì cominciar, dopo lui, piacque:
Por semelhar-se ao efeito poderoso
Da sua voz e ao que Beatriz causava,
Quando assim disse em tom grave e donoso:
«A costui fa mestieri, e nol vi dice
né con la voce né pensando ancora,
d’un altro vero andare a la radice.
“O que saber este homem precisava
Com voz não disse, e, se o cogita, o ignora:
De outra verdade com raiz se trava.
Diteli se la luce onde s’infiora
vostra sustanza, rimarrà con voi
etternalmente sì com’ ell’ è ora;
“A auréola, dizei-lhe, em que se inflora
A substância, que é vossa eternamente,
Convosco há de existir, bem como agora?
e se rimane, dite come, poi
che sarete visibili rifatti,
esser porà ch’al veder non vi nòi».
“Se este esplendor em vós é permanente,
Quando visíveis fordes, ressurgindo,
A vista sofrerá luz tão fulgente?” —
Come, da più letizia pinti e tratti,
a la fïata quei che vanno a rota
levan la voce e rallegrano li atti,
Como em coréia as vozes vão subindo
E recresce a alegria, algum motivo
De alvoroço aos dançantes sobrevindo,
così, a l’orazion pronta e divota,
li santi cerchi mostrar nova gioia
nel torneare e ne la mira nota.
Assim aos santos círculos mais vivo
Júbilo mostram no girar, no canto
Ante o rogo piedoso e compassivo.
Qual si lamenta perché qui si moia
per viver colà sù, non vide quive
lo refrigerio de l’etterna ploia.
Quem, por chegar a morte, sente espanto,
Para lograr no céu viver divino,
Da eterna chuva desconhece o encanto.
Quell’ uno e due e tre che sempre vive
e regna sempre in tre e ’n due e ’n uno,
non circunscritto, e tutto circunscrive,
Quem sempre reina, é uno, é duplo, é trino,
Em três, em dois, em um sempre perdura,
Não abrangido — e tudo abrange — em hino
tre volte era cantato da ciascuno
di quelli spirti con tal melodia,
ch’ad ogne merto saria giusto muno.
De tão suave e cônsona doçura
Dos coros foi três vezes aclamado,
Que um prêmio fora da virtude pura.
E io udi’ ne la luce più dia
del minor cerchio una voce modesta,
forse qual fu da l’angelo a Maria,
No lume, de fulgor mais sinalado,
Ouvi, do menor círc’lo voz modesta,
Como a do arcanjo à Virgem deputado.
risponder: «Quanto fia lunga la festa
di paradiso, tanto il nostro amore
si raggerà dintorno cotal vesta.
— “Quanto no Paraíso eterna a festa
Há de ser, tanto o nosso amor vestido
Será de luz em torno manifesta.
La sua chiarezza séguita l’ardore;
l’ardor la visïone, e quella è tanta,
quant’ ha di grazia sovra suo valore.
“O brilho seu do ardor há procedido
E o ardor da visão, que é tão gozosa,
Quanto a Graça o valor faz mais subido.
Come la carne glorïosa e santa
fia rivestita, la nostra persona
più grata fia per esser tutta quanta;
“E quando a carne santa e gloriosa
Revestirmos, será nossa pessoa
Completa e mais jucunda e mais ditosa.
per che s’accrescerà ciò che ne dona
di gratüito lume il sommo bene,
lume ch’a lui veder ne condiziona;
“E o gratuito lume, que nos doa
O Sumo Bem, será mais rutilante:
A Glória sua a ver nos afeiçoa.
onde la visïon crescer convene,
crescer l’ardor che di quella s’accende,
crescer lo raggio che da esso vene.
“A visão se fará mais penetrante,
Mor o ardor se fará que ali se acende,
E o esplendor, que este dá, mais coruscante.
Ma sì come carbon che fiamma rende,
e per vivo candor quella soverchia,
sì che la sua parvenza si difende;
“Qual carvão, que de si flamas desprende
E pelo vivo ardor as escurece
Tanto, que entre elas seu rubor resplende,
così questo folgór che già ne cerchia
fia vinto in apparenza da la carne
che tutto dì la terra ricoperchia;
“Este doce fulgor, que em nós parece,
Ver deixará o corpo ressurgido,
Quando o sono, em que jaz um dia cesse.
né potrà tanta luce affaticarne:
ché li organi del corpo saran forti
a tutto ciò che potrà dilettarne».
“Nenhuma será das luzes ofendido:
Starão corpóreos órgãos adaptados
A quanto a deleitar-nos for provido.” —
Tanto mi parver sùbiti e accorti
e l’uno e l’altro coro a dicer «Amme!»,
che ben mostrar disio d’i corpi morti:
Os coros dois tão ledos e apressados
Responderam — amém — que bem mostraram
Quanto os trajos carnais são desejados.
forse non pur per lor, ma per le mamme,
per li padri e per li altri che fuor cari
anzi che fosser sempiterne fiamme.
Não por si sós talvez os cobiçaram,
Mas por amor dos pais, de entes queridos,
Antes que ternas flamas se tornaram.
Ed ecco intorno, di chiarezza pari,
nascere un lustro sopra quel che v’era,
per guisa d’orizzonte che rischiari.
Eis, em torno, de lumes incendidos
Novo círculo aos outros se acrescenta:
Qual nitente horizonte, os tem cingidos.
E sì come al salir di prima sera
comincian per lo ciel nove parvenze,
sì che la vista pare e non par vera,
E como, quando à tarde a sombra aumenta,
No céu começam de assomar estrelas,
Cuja luz dúbia aos olhos se apresenta,
parvemi lì novelle sussistenze
cominciare a vedere, e fare un giro
di fuor da l’altre due circunferenze.
Assim me pareceu que via aquelas
Novas substâncias, que, também girando,
Moviam-se em redor das c’roas belas.
Oh vero sfavillar del Santo Spiro!
come si fece sùbito e candente
a li occhi miei che, vinti, nol soffriro!
Vero fulgor do Esp’rito Santo! Oh! quando
Te mostraste de súbito, candente,
Os olhos meus venceste, deslumbrando.
Ma Bëatrice sì bella e ridente
mi si mostrò, che tra quelle vedute
si vuol lasciar che non seguir la mente.
Mas Beatriz tão bela e tão ridente
Rebrilhou, que a visão maravilhosa,
Bem como outras, seguir não pode a mente.
Quindi ripreser li occhi miei virtute
a rilevarsi; e vidimi translato
sol con mia donna in più alta salute.
Aos olhos força deu tão poderosa,
Que se alçaram; e com ela transportado
Vi-me à esfera mais alta e luminosa.
Ben m’accors’ io ch’io era più levato,
per l’affocato riso de la stella,
che mi parea più roggio che l’usato.
Fui da minha ascensão certificado
Da purpurina estrela pelo gesto,
Em que rubor notei não costumado.
Con tutto ’l core e con quella favella
ch’è una in tutti, a Dio feci olocausto,
qual conveniesi a la grazia novella.
Nesse falar, a todos manifesto
Do coração, a Deus vivo holocausto,
Por sua nova graça, humilde presto.
E non er’ anco del mio petto essausto
l’ardor del sacrificio, ch’io conobbi
esso litare stato accetto e fausto;
Do peito meu não era ainda exausto
Do sacrifício o ardor, que convencido
De estar aceito fui, e ser-me fausto.
ché con tanto lucore e tanto robbi
m’apparvero splendor dentro a due raggi,
ch’io dissi: «O Elïòs che sì li addobbi!».
Tão lúcidas, tão rubras, confundido
Vi luzes em dois raios fulgurantes,
Que disse — Ó Hélios, como os tens vertido! —
Come distinta da minori e maggi
lumi biancheggia tra ’ poli del mondo
Galassia sì, che fa dubbiar ben saggi;
Galáxia, em astros mais, menos brilhantes
Branqueja, entre dois pólos colocados,
E os doutos deixa em dúvida hesitantes:
sì costellati facean nel profondo
Marte quei raggi il venerabil segno
che fan giunture di quadranti in tondo.
De igual maneira em Marte constelados
O signo os raios formam venerando,
Diâmetros iguais sendo cruzados.
Qui vince la memoria mia lo ’ngegno;
ché quella croce lampeggiava Cristo,
sì ch’io non so trovare essempro degno;
Me está memória o engenho superando:
Se na cruz lampejar eu via Cristo,
Como acertar, exemplos procurando?
ma chi prende sua croce e segue Cristo,
ancor mi scuserà di quel ch’io lasso,
vedendo in quell’ albor balenar Cristo.
Quem toma a Cruz e na jornada Cristo
Segue, desculpe o que falta em arte,
Vendo nesse esplendor rutilar Cristo.
Di corno in corno e tra la cima e ’l basso
si movien lumi, scintillando forte
nel congiugnersi insieme e nel trapasso:
Da cruz em cada braço, em toda parte
Cintilantes mil fogos se moviam;
Qual desce, qual se eleva, qual desparte.
così si veggion qui diritte e torte,
veloci e tarde, rinovando vista,
le minuzie d’i corpi, lunghe e corte,
Assim sutis argueiros se veriam,
Retos ou curvos, rápidos ou lentos,
De formas, que multíplices variam,
moversi per lo raggio onde si lista
talvolta l’ombra che, per sua difesa,
la gente con ingegno e arte acquista.
De Sol em réstea que entra os aposentos,
Onde da calma o homem se repara
Apurando do engenho e da arte inventos;
E come giga e arpa, in tempra tesa
di molte corde, fa dolce tintinno
a tal da cui la nota non è intesa,
E como da harpa e lira se depara
Nas cordas várias doce melodia
A quem notas ignora e não compara;
così da’ lumi che lì m’apparinno
s’accogliea per la croce una melode
che mi rapiva, sanza intender l’inno.
Assim desses luzeiros que ali via
Na Cruz formosa, extático escutava,
Sem comprendê-la, angélica harmonia.
Ben m’accors’ io ch’elli era d’alte lode,
però ch’a me venìa «Resurgi» e «Vinci»
come a colui che non intende e ode.
Que eram altos louvores bem julgava
Ressuscita e triunfa — acaso ouvindo:
Confusamente o hino me soava.
Ïo m’innamorava tanto quinci,
che ’nfino a lì non fu alcuna cosa
che mi legasse con sì dolci vinci.
Ouvia em tanto enlevo me sentindo,
Que inda não sinto cousa que mais queira,
A mente ao canto em doce enleio, unindo.
Forse la mia parola par troppo osa,
posponendo il piacer de li occhi belli,
ne’ quai mirando mio disio ha posa;
Ousado sou talvez desta maneira,
Parecendo pospor os olhos belos,
Em que a minha alma se embevece inteira.
ma chi s’avvede che i vivi suggelli
d’ogne bellezza più fanno più suso,
e ch’io non m’era lì rivolto a quelli,
Mas quem reflete que os eternos selos
Vão da beleza no alto se apurando,
E aos olhos não voltava-me por vê-los,
escusar puommi di quel ch’io m’accuso
per escusarmi, e vedermi dir vero:
ché ’l piacer santo non è qui dischiuso,
À falta me achará perdão, notando
A verdade que digo: o prazer santo
Não excluo que em vê-la ia gozando;
perché si fa, montando, più sincero.
Com a altura, se eleva o puro encanto.
Canto XV
Canto XV, nel quale messere Cacciaguida fiorentino parla laudando l’antico costume di Fiorenza, in vituperio del presente vivere d’essa cittade di Fiorenza.
As almas dos combatentes pela fé em Cristo estão dispostas em forma de cruz, vexilo de martírio e de vitória. Do lado direito dessa cruz move-se um espírito e com paternal afeto saúda a Dante. É Cacciaguida, seu trisavô. Descreve ele a inocência dos costumes do seu tempo e lembra como morreu combatendo pelo sepulcro de Cristo, na segunda cruzada.
Benigna volontade in che si liqua
sempre l’amor che drittamente spira,
come cupidità fa ne la iniqua,
Benévolo querer, que significa
Sempre esse amor, que a caridade inspira,
Como a cobiça o mau querer indica,
silenzio puose a quella dolce lira,
e fece quïetar le sante corde
che la destra del cielo allenta e tira.
Silêncio pondo àquela doce lira;
Os sons às cordas santas suspendida,
Que lá do céu a destra afrouxa e estira.
Come saranno a’ giusti preghi sorde
quelle sustanze che, per darmi voglia
ch’io le pregassi, a tacer fur concorde?
Como aos claros espíritos seria
Em vão meu justo rogo, se excitá-lo
De acordo se calando, lhes prazia?
Bene è che sanza termine si doglia
chi, per amor di cosa che non duri
etternalmente, quello amor si spoglia.
Ah! pranteie sem tréguas e intervalo
Quem, do amor transitório cativado,
Pôde do amor eterno avantajá-lo!
Quale per li seren tranquilli e puri
discorre ad ora ad or sùbito foco,
movendo li occhi che stavan sicuri,
Como o sereno azul, atravessado
Às vezes é por fogo repentino,
Que aos olhos nos salteia inesperado;
e pare stella che tramuti loco,
se non che da la parte ond’ e’ s’accende
nulla sen perde, ed esso dura poco:
Disséreis astro a procurar destino,
Se algum faltasse à parte, onde se acende
Esse instantâneo lume peregrino:
tale dal corno che ’n destro si stende
a piè di quella croce corse un astro
de la costellazion che lì resplende;
Assim do braço, que à direita estende,
Da cruz ao pé vi deslizar um astro
Dessa constelação, que ali resplende.
né si partì la gemma dal suo nastro,
ma per la lista radïal trascorse,
che parve foco dietro ad alabastro.
Não desfiou-se a per’la do seu nastro;
Pela brilhante linha descendera,
Como fogo a luzir sob o alabastro.
Sì pïa l’ombra d’Anchise si porse,
se fede merta nostra maggior musa,
quando in Eliso del figlio s’accorse.
De Anquise a sombra pia assim correra,
Se fé merece a Mantuana Musa,
Quando Enéias do Elísio aparecera.
«O sanguis meus, o superinfusa
gratïa Deï, sicut tibi cui
bis unquam celi ianüa reclusa?».
“O sanguis meus! O superinfusa
Gratia Dei; sicui tibi cui
Bis unquam coeli janua reclusa?”
Così quel lume: ond’ io m’attesi a lui;
poscia rivolsi a la mia donna il viso,
e quinci e quindi stupefatto fui;
Minha atenção na luz, que o diz, se imbui;
Voltei depois pra Beatriz o viso;
Aqui e ali estupefato eu fui.
ché dentro a li occhi suoi ardeva un riso
tal, ch’io pensai co’ miei toccar lo fondo
de la mia gloria e del mio paradiso.
Nos olhos seus ardia um tal sorriso,
Que, encarando-a cuidei tocar o fundo
De ventura no eterno Paraíso,
Indi, a udire e a veder giocondo,
giunse lo spirto al suo principio cose,
ch’io non lo ’ntesi, sì parlò profondo;
E esse esp’rito, a se ver e ouvir jucundo,
Vozes aduz, que a mente não compreende,
Tanto o sentido seu era profundo.
né per elezïon mi si nascose,
ma per necessità, ché ’l suo concetto
al segno d’i mortal si soprapuose.
Andrede a obscuro o seu dizer não tende;
Mas por necessidade o seu conceito
Além da esfera dos mortais ascende.
E quando l’arco de l’ardente affetto
fu sì sfogato, che ’l parlar discese
inver’ lo segno del nostro intelletto,
Quando o arco afrouxou do ardente afeito,
E em proporção do humano entendimento
Do seu falar manifestou-se o efeito,
la prima cosa che per me s’intese,
«Benedetto sia tu», fu, «trino e uno,
che nel mio seme se’ tanto cortese!».
Pude esta vozes distinguir, atento:
“Bendito sejas, Deus, Um na Trindade,
Que à prole minha dás tão alto alento!
E seguì: «Grato e lontano digiuno,
tratto leggendo del magno volume
du’ non si muta mai bianco né bruno,
“Meu longo e caro anelo, na verdade
Dês que no grande livro hei ler podido,
Imutável na sua eternidade,
solvuto hai, figlio, dentro a questo lume
in ch’io ti parlo, mercé di colei
ch’a l’alto volo ti vestì le piume.
“Cumpres, ó filho; e desta luz vestido
Aquela, que ao teu vôo sublimado
Prestou asas, eu louvo agradecido.
Tu credi che a me tuo pensier mei
da quel ch’è primo, così come raia
da l’un, se si conosce, il cinque e ’l sei;
“Tu crês que o teu pensar me é derivado
Do ser Primeiro, como da unidade
Sabida o cinco e o seis se vê formado.
e però ch’io mi sia e perch’ io paia
più gaudïoso a te, non mi domandi,
che alcun altro in questa turba gaia.
“E pois, quem sou e a minha alacridade,
Maior que a de outros nesta grei contente,
Não mostras de saber curiosidade.
Tu credi ’l vero; ché i minori e ’ grandi
di questa vita miran ne lo speglio
in che, prima che pensi, il pensier pandi;
“Crês a verdade: o Espelho refulgente
Desta vida reflete o pensamento
Antes que nasça e a todos faz patente.
ma perché ’l sacro amore in che io veglio
con perpetüa vista e che m’asseta
di dolce disïar, s’adempia meglio,
“Mas, para o sacro amor, que traz-me atento
Em perpétua visão, doce desejo
Me acendendo, alcançar contentamento,
la voce tua sicura, balda e lieta
suoni la volontà, suoni ’l disio,
a che la mia risposta è già decreta!».
“Com voz clara, segura e alegre, ensejo
De ouvir tua vontade me oferece:
Qual resposta hei de dar-te eu já antevejo.” —
Io mi volsi a Beatrice, e quella udio
pria ch’io parlassi, e arrisemi un cenno
che fece crescer l’ali al voler mio.
Pra Beatriz voltei-me: já conhece
Quanto intento, e, acenando prezenteira,
Ao querer meu as asas engrandece.
Poi cominciai così: «L’affetto e ’l senno,
come la prima equalità v’apparse,
d’un peso per ciascun di voi si fenno,
— “A cada qual de vós dês que a Primeira
Igualdade mostrou-se, amor, ciência
Se fizeram em vós de igual craveira;
però che ’l sol che v’allumò e arse,
col caldo e con la luce è sì iguali,
che tutte simiglianze sono scarse.
“Pois ao Sol, que vos deu tão viva ardência
E luz tal dispensou, tanto se igualam,
Que não tem na igualdade competência.
Ma voglia e argomento ne’ mortali,
per la cagion ch’a voi è manifesta,
diversamente son pennuti in ali;
“Mas nos mortais o afeito e o saber se alam,
Pela causa, a vós outros manifesta,
Com plumas, que, dif’rentes se assinalam
ond’ io, che son mortal, mi sento in questa
disagguaglianza, e però non ringrazio
se non col core a la paterna festa.
“Eu, pois, que sou mortal, sujeito a esta
Desigualdade, de alma unicamente
Respondo à tua carinhosa festa.
Ben supplico io a te, vivo topazio
che questa gioia prezïosa ingemmi,
perché mi facci del tuo nome sazio».
“Suplico, assim, topázio resplendente,
Que adornas esta jóia preciosa,
Me faças do teu nome ora ciente.” —
«O fronda mia in che io compiacemmi
pur aspettando, io fui la tua radice»:
cotal principio, rispondendo, femmi.
Falei. Com voz tornou-me maviosa:
— “Ó flor, que tanto eu, sôfrego, esperava,
Do tronco meu brotaste primorosa!
Poscia mi disse: «Quel da cui si dice
tua cognazione e che cent’ anni e piùe
girato ha ’l monte in la prima cornice,
“Aquele, em quem teu nome começara,
Que, há mais de um séc’lo já, no monte erguido
Do primeiro degrau se não separa,
mio figlio fu e tuo bisavol fue:
ben si convien che la lunga fatica
tu li raccorci con l’opere tue.
“Meu filho foi, teu bisavô há sido:
Por obras deves lhe encurtar fadiga,
Quando à vida mortal hajas volvido.
Fiorenza dentro da la cerchia antica,
ond’ ella toglie ancora e terza e nona,
si stava in pace, sobria e pudica.
“Florença dentro em sua cerca antiga,
Onde ressoa ainda a Terça e a Noa,
Vivia honesta e sóbria em paz amiga.
Non avea catenella, non corona,
non gonne contigiate, non cintura
che fosse a veder più che la persona.
“Não tinha áureos colares, nem coroa,
Chapins, cintos de damas em que havia
Mais que ver do que graças da pessoa.
Non faceva, nascendo, ancor paura
la figlia al padre, ché ’l tempo e la dote
non fuggien quinci e quindi la misura.
“No pai, nascendo, a filha não movia
Temor; em tempo azado se casava
E o dote as proporções nunca excedia.
Non avea case di famiglia vòte;
non v’era giunto ancor Sardanapalo
a mostrar ciò che ’n camera si puote.
“Cada qual do seu lar se contentava;
Não alardava então Sardanapalo
Da alcova o que no encerro se ocultava.
Non era vinto ancora Montemalo
dal vostro Uccellatoio, che, com’ è vinto
nel montar sù, così sarà nel calo.
“Não era inda vencido Montemalo
Por vosso Uccelatojo que, excedido
Na altura, há-de, ao cair, dar mor abalo.
Bellincion Berti vid’ io andar cinto
di cuoio e d’osso, e venir da lo specchio
la donna sua sanza ’l viso dipinto;
“Bellincion Berti eu vi andar cingido
De couro e de osso, e também vi-lhe a esposa
Voltar do espelho sem rubor fingido.
e vidi quel d’i Nerli e quel del Vecchio
esser contenti a la pelle scoperta,
e le sue donne al fuso e al pennecchio.
“Vestindo pele simples, não fastosa
Nerlis e Vecchios vi, no fuso e roca
Tendo as consortes vida deleitosa.
Oh fortunate! ciascuna era certa
de la sua sepultura, e ancor nulla
era per Francia nel letto diserta.
“Ditosas! A nenhuma a dor sufoca
Sperando o esposo, que roubou-lhe a França,
Nem o jazigo ignora, que lhe toca.
L’una vegghiava a studio de la culla,
e, consolando, usava l’idïoma
che prima i padri e le madri trastulla;
“Uma o berço do filho seu balança,
E o consola naquele doce idioma
Que aos pais o coração no enlevo lança;
l’altra, traendo a la rocca la chioma,
favoleggiava con la sua famiglia
d’i Troiani, di Fiesole e di Roma.
“Outra, estirando do seu fuso a coma,
Reconta aos filhos o que houvera outrora
Em Fiésole, em Tróia e antiga Roma.
Saria tenuta allor tal maraviglia
una Cianghella, un Lapo Salterello,
qual or saria Cincinnato e Corniglia.
“Nesse bom tempo maravilha fora
Uma Cianghella, um Lapo Salterello,
Como Cornélia e Cincinato agora.
A così riposato, a così bello
viver di cittadini, a così fida
cittadinanza, a così dolce ostello,
“Da cidade naquele viver belo,
No seio dessa gente honrada e fida,
Nessa doce mansão, da paz modelo,
Maria mi diè, chiamata in alte grida;
e ne l’antico vostro Batisteo
insieme fui cristiano e Cacciaguida.
“Deu-me Maria à minha mãe dorida,
E em vosso Batistério hei recebido
Os nomes de cristão e Cacciaguida.
Moronto fu mio frate ed Eliseo;
mia donna venne a me di val di Pado,
e quindi il sopranome tuo si feo.
“Irmãos Moronto e Eliseu hei tido,
Minha esposa nasceu em Val-di-Pado:
Dessa origem provém teu apelido.
Poi seguitai lo ’mperador Currado;
ed el mi cinse de la sua milizia,
tanto per bene ovrar li venni in grado.
“Segui na guerra Imperador Conrado,
Que me armou cavaleiro na milícia,
Altos feitos me tendo assinalado.
Dietro li andai incontro a la nequizia
di quella legge il cui popolo usurpa,
per colpa d’i pastor, vostra giustizia.
“Com ele pelejei contra a nequícia
Do infiel, que o direito vosso oprime
De culpado Pastor pela malícia.
Quivi fu’ io da quella gente turpa
disviluppato dal mondo fallace,
lo cui amor molt’ anime deturpa;
“Da torpe gente o assalto lá me exime
Dos enganosos vínculos do mundo,
Cujo amor nódoas tantas na alma imprime:
e venni dal martiro a questa pace».
Mártir, vim ao repouso sem segundo.” —
Canto XVI
Canto XVI, nel quale il sopradetto messer Cacciaguida racconta intorno di quaranta famiglie onorabili al suo tempo ne la cittade di Fiorenza, de le quali al presente non è ricordo né fama.
O poeta orgulha-se pela nobreza da sua família. Cacciaguida continua falando a respeito da própria família e da antiga Florença. Deplora a chegada em Florença de cidadãos de outras terras. Lembra as maiores famílias da cidade, muitas das quais, no tempo de Dante, eram empobrecidas ou maculadas de infâmia.
O poca nostra nobiltà di sangue,
se glorïar di te la gente fai
qua giù dove l’affetto nostro langue,
Ó mesquinha nobreza de alto sangue!
Se tanto homem de haver-te se gloria
Neste mundo, em que o afeto enfermo langue,
mirabil cosa non mi sarà mai:
ché là dove appetito non si torce,
dico nel cielo, io me ne gloriai.
Maravilhar-me já não poderia,
Pois me senti, por causa tal, ufano
No céu, onde o apetite não varia.
Ben se’ tu manto che tosto raccorce:
sì che, se non s’appon di dì in die,
lo tempo va dintorno con le force.
És manto exposto em breve a estrago e dano:
Se te faltar reparação constante,
A mão do tempo te cerceia o pano.
Dal ’voi’ che prima a Roma s’offerie,
in che la sua famiglia men persevra,
ricominciaron le parole mie;
A responder começo à luz brilhante
Por “vós” de que, primeira, Roma usara,
Mas que em vulgar dicção não foi avante.
onde Beatrice, ch’era un poco scevra,
ridendo, parve quella che tossio
al primo fallo scritto di Ginevra.
Beatriz, que algum tanto se afastara,
Fez, sorrindo-se, como a que tossira,
Quando a primeira vez Ginevra errara.
Io cominciai: «Voi siete il padre mio;
voi mi date a parlar tutta baldezza;
voi mi levate sì, ch’i’ son più ch’io.
— “Vós sois meu pai” — disse eu — “em vós se inspira
Para falar-vos do ânimo a ousadia,
Me alçais mais do que a mente própria aspira.
Per tanti rivi s’empie d’allegrezza
la mente mia, che di sé fa letizia
perché può sostener che non si spezza.
“Por tantos rios se enche de alegria
Minha alma que em ledice é transformada,
Pois do prazer não vence-a a demasia.
Ditemi dunque, cara mia primizia,
quai fuor li vostri antichi e quai fuor li anni
che si segnaro in vostra püerizia;
“Dizei-me, pois, minha primícia amada,
Os ascendentes vossos e em qual era
Foi a vossa puerícia assinalada.
ditemi de l’ovil di San Giovanni
quanto era allora, e chi eran le genti
tra esso degne di più alti scanni».
“De São João a grei como vivera
Dizei-me e os que em seu seio se mostraram,
A quem mais alta distinção coubera.” —
Come s’avviva a lo spirar d’i venti
carbone in fiamma, così vid’ io quella
luce risplendere a’ miei blandimenti;
Como ao sopro do vento mais se aclaram
As flamas no carvão, dessa arte àquela
Luz, me ouvindo, os fulgores se avivaram;
e come a li occhi miei si fé più bella,
così con voce più dolce e soave,
ma non con questa moderna favella,
E quanto aos olhos se ostentou mais bela,
Tanto com voz mais doce e mais suave
Respondeu, sem falar vulgar loquela.
dissemi: «Da quel dì che fu detto ’Ave’
al parto in che mia madre, ch’è or santa,
s’allevïò di me ond’ era grave,
Disse: — “Do dia, em que se ouvia o Ave
Ao momento, em que ao mundo a mãe querida,
Hoje santa me deu no transe grave,
al suo Leon cinquecento cinquanta
e trenta fiate venne questo foco
a rinfiammarsi sotto la sua pianta.
Do Leão foi aos pés reacendida
De Marte a luz quinhentos e cinqüenta
Vezes mais trinta na incessante lida.
Li antichi miei e io nacqui nel loco
dove si truova pria l’ultimo sesto
da quei che corre il vostro annüal gioco.
“O lugar, onde o sesto último assenta,
Dos jogos anuais termo à carreira,
Meu berço e o dos avós te representa.
Basti d’i miei maggiori udirne questo:
chi ei si fosser e onde venner quivi,
più è tacer che ragionare onesto.
Deles te baste esta noção primeira:
O que hão sido, onde é sua permanência
Calar prefiro a dar notícia inteira.
Tutti color ch’a quel tempo eran ivi
da poter arme tra Marte e ’l Batista,
eran il quinto di quei ch’or son vivi.
“Dos que haviam então suficiência
Para a guerra, entre Marte e João Batista,
São quíntuplo os que têm ora existência.
Ma la cittadinanza, ch’è or mista
di Campi, di Certaldo e di Fegghine,
pura vediesi ne l’ultimo artista.
“Toda gente, porém, que se vê mista
Co’a de Campi, Certaldo, e mais Figghine
Pura estava, do nobre até o artista.
Oh quanto fora meglio esser vicine
quelle genti ch’io dico, e al Galluzzo
e a Trespiano aver vostro confine,
“Acerto fora do que bem combine
Tê-los vizinhos, linha demarcando,
Que com Trepiano e com Galuz confine,
che averle dentro e sostener lo puzzo
del villan d’Aguglion, di quel da Signa,
che già per barattare ha l’occhio aguzzo!
“Em lugar de hospedar o infeto bando
Dos vilões de Aguglion junto aos de Signa,
Da fraude expertos no mister nefando.
Se la gente ch’al mondo più traligna
non fosse stata a Cesare noverca,
ma come madre a suo figlio benigna,
“Se a gente, hoje no mundo a mais maligna,
A César não se houvesse declarado
Cruel madrasta em vez de mãe benigna,
tal fatto è fiorentino e cambia e merca,
che si sarebbe vòlto a Simifonti,
là dove andava l’avolo a la cerca;
“Quem se diz Florentino e à usura é dado,
Vende e merca, tornava a Simifonte,
Onde o avô mendigava esfarrapado.
sariesi Montemurlo ancor de’ Conti;
sarieno i Cerchi nel piovier d’Acone,
e forse in Valdigrieve i Buondelmonti.
“Ainda em Montemurli foram Conti,
Os seus Cerchi ainda Acone conservara
E, talvez, Valdigrieve os Buodelmonti.
Sempre la confusion de le persone
principio fu del mal de la cittade,
come del vostro il cibo che s’appone;
“Sempre de castas confusão depara,
Como a de cibo em corpo mal disposto,
Mal à cidade, e danos lhes prepara.
e cieco toro più avaccio cade
che cieco agnello; e molte volte taglia
più e meglio una che le cinque spade.
“Touro cego primeiro em terra é posto
Que anho cego; e melhor corta uma espada
Do que cinco num feixe bem composto.
Se tu riguardi Luni e Orbisaglia
come sono ite, e come se ne vanno
di retro ad esse Chiusi e Sinigaglia,
“Se de Urbisaglia a sorte desgraçada
E a de Luni tu vês, se igual espera
Chiusi e Sinigaglia malfadada:
udir come le schiatte si disfanno
non ti parrà nova cosa né forte,
poscia che le cittadi termine hanno.
“Dos solares mau fim não perecera
À tua mente estranheza ou caso forte,
Pois no exício de Estados considera.
Le vostre cose tutte hanno lor morte,
sì come voi; ma celasi in alcuna
che dura molto, e le vite son corte.
“Terrenas cousas todas sofrem morte,
Como vós; mas de algumas, perdurando,
Quem curta vida tem não sabe a sorte.
E come 'l volger del ciel de la luna
cuopre e discuopre i liti sanza posa,
così fa di Fiorenza la Fortuna:
“E como a lua, sem cessar girando
Cobre ou descobre as praias do oceano,
De Florença a fortuna vai mudando;
per che non dee parer mirabil cosa
ciò ch’io dirò de li alti Fiorentini
onde è la fama nel tempo nascosa.
“Assim que não suponhas mais que humano
O que eu disser de exímios florentinos,
A cuja fama o tempo já fez dano.
Io vidi li Ughi e vidi i Catellini,
Filippi, Greci, Ormanni e Alberichi,
già nel calare, illustri cittadini;
“Eu vi os Ughi, vi os Catellinos,
Fillippe, Greci, Ornami e os Albericos
Decadentes, mas ainda nobres, di’nos.
e vidi così grandi come antichi,
con quel de la Sannella, quel de l’Arca,
e Soldanieri e Ardinghi e Bostichi.
“Grandes em fama, de virtudes ricos
Os de Sanella vi; também os de Arca,
Soldanieri, Ardingos e Bastichos.
Sovra la porta ch’al presente è carca
di nova fellonia di tanto peso
che tosto fia iattura de la barca,
“À porta de São Pedro, que ora abarca
Infâmia nova tanto em peso ingente,
Que fará soçobrar em breve a barca,
erano i Ravignani, ond’ è disceso
il conte Guido e qualunque del nome
de l’alto Bellincione ha poscia preso.
“Estavam Ravignans; seu descendente
Foi Conde Guido e quantos ao diante
De Bellincione o nome têm fulgente.
Quel de la Pressa sapeva già come
regger si vuole, e avea Galigaio
dorata in casa sua già l’elsa e ’l pome.
“Della Pressa em governo era prestante
E Galligaio no solar dourara
Punho e copos da espada fulgurante.
Grand’ era già la colonna del Vaio,
Sacchetti, Giuochi, Fifanti e Barucci
e Galli e quei ch’arrossan per lo staio.
“A Coluna do Esquilo se elevara,
Sacchetti, Giuochi Fifanti e Barucci
Galli e quem pelo alqueire se pejara.
Lo ceppo di che nacquero i Calfucci
era già grande, e già eran tratti
a le curule Sizii e Arrigucci.
Era já grande o tronco dos Calfucci
E às cadeiras curuis tinham subido,
Assumindo o poder, Sizi e Arragucci.
Oh quali io vidi quei che son disfatti
per lor superbia! e le palle de l’oro
fiorian Fiorenza in tutt’ i suoi gran fatti.
“Quanto lustre daqueles, que abatido
Tem soberba! Que feito viu Florença
Sem ser de Esfera de Ouro enobrecido?
Così facieno i padri di coloro
che, sempre che la vostra chiesa vaca,
si fanno grassi stando a consistoro.
“Eram pais dos que julgam glória imensa
No concistório, vago o episcopado,
Cevar-se dos banquetes na licença.
L’oltracotata schiatta che s’indraca
dietro a chi fugge, e a chi mostra ’l dente
o ver la borsa, com’ agnel si placa,
“Surgia o bando já sem pejo e ousado,
Dragão que investe a quem lhe teme a ira,
Cordeiro em vendo bolsa ou braço armado;
già venìa sù, ma di picciola gente;
sì che non piacque ad Ubertin Donato
che poï il suocero il fé lor parente.
“De princípio tão vil a origem tira,
Que Donato Ubertino se afrontava,
Quando a um desses o sogro a filha unira.
Già era ’l Caponsacco nel mercato
disceso giù da Fiesole, e già era
buon cittadino Giuda e Infangato.
“Já Caponsacco no Mercado estava,
De Fiésole vindo; e lá já era
Giuda, Infangato: o nome os ilustrava.
Io dirò cosa incredibile e vera:
nel picciol cerchio s’entrava per porta
che si nomava da quei de la Pera.
“Incrível cousa vou dizer, mas vera:
No recinto uma porta outrora havia,
À qual deu nome a gente della Pera.
Ciascun che de la bella insegna porta
del gran barone il cui nome e ’l cui pregio
la festa di Tommaso riconforta,
“Fidalgo, que o brasão belo trazia
Do barão cujo nome, glória e vida
De São Tomé celebra-se no dia;
da esso ebbe milizia e privilegio;
avvegna che con popol si rauni
oggi colui che la fascia col fregio.
“Lhe deve o privilégio e honra subida;
Mas hoje ao popular partido se une
Trazendo de ouro a faixa guarnecida.
Già eran Gualterotti e Importuni;
e ancor saria Borgo più quïeto,
se di novi vicin fosser digiuni.
“Já Gualterotti viam-se e Importuni;
E em Borgo a paz de todo se perdera,
Quando uma turba nova em si reúne.
La casa di che nacque il vostro fleto,
per lo giusto disdegno che v’ha morti
e puose fine al vostro viver lieto,
“A casa, de que o mal vosso nascera,
Que vos deu morte, justamente irada,
E ao feliz viver vosso o fim pusera,
era onorata, essa e suoi consorti:
o Buondelmonte, quanto mal fuggisti
le nozze süe per li altrui conforti!
“Em si, na prole sua fora honrada:
Por que sua aliança recusaste
Por sugestão, o Buondelmonte, errada?
Molti sarebber lieti, che son tristi,
se Dio t’avesse conceduto ad Ema
la prima volta ch’a città venisti.
“Quando à cidade a vez primeira entraste,
Se do Ema às águas Deus te houvesse dado,
Ledice fora o pranto, que causaste:
Ma conveniesi, a quella pietra scema
che guarda ’l ponte, che Fiorenza fesse
vittima ne la sua pace postrema.
“Forçado era que ao mármore quebrado,
Da ponte guarda, vítima imolasse
Florença, de sua paz o fim chegado.
Con queste genti, e con altre con esse,
vid’ io Fiorenza in sì fatto riposo,
che non avea cagione onde piangesse.
“Com esses e outros, que inda eu mais lembrasse,
Florença vi gozar fausto repouso,
Sem motivo que pranto lhe excitasse.
Con queste genti vid’ io glorïoso
e giusto il popol suo, tanto che ’l giglio
non era ad asta mai posto a ritroso,
Com esses e outros vi tão glorioso
E junto o povo, que ao rever lançado
Não era na hástea o lírio seu formoso,
né per divisïon fatto vermiglio».
Nem por facções em rubro transformado.” —
Canto XVII
Canto XVII, nel quale il predetto messer Cacciaguida solve l’animo de l’auttore da una paura e confortalo a fare questa opera.
Dante pede a Cacciaguida que lhe declare qual sorte lhe está reservada. Este prediz-lhe o exílio, a perseguição pelos inimigos e o seu refúgio na corte dos Scaligeros, Exorta-o a falar do que viu e ouviu na sua viagem, sem receio de ofender ninguém.
Qual venne a Climenè, per accertarsi
di ciò ch’avëa incontro a sé udito,
quei ch’ancor fa li padri ai figli scarsi;
Qual a Climene explicações rogava
De quanto em desconcerto próprio ouvira
O que austeros depois os pais tornava,
tal era io, e tal era sentito
e da Beatrice e da la santa lampa
che pria per me avea mutato sito.
Tal fiquei, tal efeito pressentira
Com Beatriz a santa luz brilhante,
Que da Cruz eu da altura descer vira.
Per che mia donna «Manda fuor la vampa
del tuo disio», mi disse, «sì ch’ella esca
segnata bene de la interna stampa:
E disse Beatriz: — “Desse anelante
Desejo a flama exibe e nela esteja
Ao que tens na alma imagem semelhante,
non perché nostra conoscenza cresca
per tuo parlare, ma perché t’ausi
a dir la sete, sì che l’uom ti mesca».
“Não, por que mais ao claro em ti se veja,
Mas porque, sendo a sede revelada.
Prestada em proporção água te seja.” —
«O cara piota mia che sì t’insusi,
che, come veggion le terrene menti
non capere in trïangol due ottusi,
— “Ó cara estirpe minha à Glória alçada! —
Como conhecem as terrenas mentes
Não dar a obtusos dois triâng’lo entrada,
così vedi le cose contingenti
anzi che sieno in sé, mirando il punto
a cui tutti li tempi son presenti;
“Assim vês tu as cousas contingentes
Lá no porvir, o Centro contemplando,
A quem todos os tempos stão presentes;
mentre ch’io era a Virgilio congiunto
su per lo monte che l’anime cura
e discendendo nel mondo defunto,
“Em quanto eu a Virgílio acompanhando,
Subia o monte, onde ao pecado há cura,
E também pelo inferno penetrando,
dette mi fuor di mia vita futura
parole gravi, avvegna ch’io mi senta
ben tetragono ai colpi di ventura;
“Sobre a existência minha ouvi futura
Agras palavras, posto que me sinta
Impertérrito aos golpes da ventura.
per che la voglia mia saria contenta
d’intender qual fortuna mi s’appressa:
ché saetta previsa vien più lenta».
“Folgara em ter ciência bem distinta
Dos reveses, que a sorte me prepara:
Menos mogoa a seta ao que a pressinta.”
Così diss’ io a quella luce stessa
che pria m’avea parlato; e come volle
Beatrice, fu la mia voglia confessa.
Ao spírito, que, há pouco me falara,
Meu desejo hei desta arte declarado,
Como a senhora minha me ordenara.
Né per ambage, in che la gente folle
già s’inviscava pria che fosse anciso
l’Agnel di Dio che le peccata tolle,
Sem ambages, que aos homens enviscado
Tinham, antes de Deus ser o Cordeiro,
Que os pecados remiu, sacrificado,
ma per chiare parole e con preciso
latin rispuose quello amor paterno,
chiuso e parvente del suo proprio riso:
Mas em preciso estilo e verdadeiro,
Logo tornou-me o paternal afeito,
Velado e transparente em seu luzeiro:
«La contingenza, che fuor del quaderno
de la vostra matera non si stende,
tutta è dipinta nel cospetto etterno;
— “A contingência, que do espaço estreito
Da matéria os limites não transcende,
Toda se pinta no eternal aspeito.
necessità però quindi non prende
se non come dal viso in che si specchia
nave che per torrente giù discende.
“Necessidade, entanto, não a prende,
Como não prende a vista em que se espelha
A nau, que as águas rápida descende.
Da indi, sì come viene ad orecchia
dolce armonia da organo, mi viene
a vista il tempo che ti s’apparecchia.
“De lá bem como se transmite à orelha
Doce harmonia de órgão, refletido
O tempo me é que a ti já se aparelha.
Qual si partio Ipolito d’Atene
per la spietata e perfida noverca,
tal di Fiorenza partir ti convene.
“Qual de Atenas Hipólito há partido
Pela perfídia da madrasta ímpia,
Tal deixarás Florença perseguido.
Questo si vuole e questo già si cerca,
e tosto verrà fatto a chi ciò pensa
là dove Cristo tutto dì si merca.
“Assim se quer e a trama principia;
Será em breve executado o plano
Lá onde a Cristo vendem cada dia.
La colpa seguirà la parte offensa
in grido, come suol; ma la vendetta
fia testimonio al ver che la dispensa.
“A culpa o mundo a quem padece o dano
Dará; mas terá pena merecida,
Da verdade em vingança, o algoz insano.
Tu lascerai ogne cosa diletta
più caramente; e questo è quello strale
che l’arco de lo essilio pria saetta.
“Deixarás toda a causa a mais querida,
Chaga primeira de tormentos cheia,
Do desterro pelo arco produzida.
Tu proverai sì come sa di sale
lo pane altrui, e come è duro calle
lo scendere e 'l salir per l'altrui scale.
“Sentirás quanto amarga; quanto anseia
O sal de estranho pão; que é dura estrada
Subir, descer degraus da escada alheia.
E quel che più ti graverà le spalle,
sarà la compagnia malvagia e scempia
con la qual tu cadrai in questa valle;
“Tua angústia há de ser mais agravada,
Te acompanhar no val do exílio vendo
Ignóbil gente, estólida malvada.
che tutta ingrata, tutta matta ed empia
si farà contr’ a te; ma, poco appresso,
ella, non tu, n’avrà rossa la tempia.
“Ingrato, louco e mau te acometendo
O bando se há de unir: será corrido
Ele, não tu, o opróbrio merecendo.
Di sua bestialitate il suo processo
farà la prova; sì ch’a te fia bello
averti fatta parte per te stesso.
“Seu bestial instinto conhecido
Terão seus feitos; glória consumada
Terás; tu só formando o teu partido.
Lo primo tuo refugio e ’l primo ostello
sarà la cortesia del gran Lombardo
che ’n su la scala porta il santo uccello;
“Te há de ser acolhida franqueada
Primeira pelo exímio e grã Lombardo
Que por brasão tem Águia sobre Escada.
ch’in te avrà sì benigno riguardo,
che del fare e del chieder, tra voi due,
fia primo quel che tra li altri è più tardo.
“Terá contigo tão cortês resguardo,
Que, o rogo prevenindo, o dom se apresse,
Que sói entre outros, se mostrar mais tardo.
Con lui vedrai colui che ’mpresso fue,
nascendo, sì da questa stella forte,
che notabili fier l’opere sue.
“Verás com ele o que ao nascer merece
Tanto deste astro bélico a influência,
Que a fama a glória ao nome lhe engrandece.
Non se ne son le genti ancora accorte
per la novella età, ché pur nove anni
son queste rote intorno di lui torte;
“Inda ignorada jáz tanta excelência:
Só voltas nove em torno lhe tem dado
Estas esferas na anual cadência.
ma pria che ’l Guasco l’alto Arrigo inganni,
parran faville de la sua virtute
in non curar d’argento né d’affanni.
“Mas antes que o Gascão tenha enganado
Henrique excelso já fará patentes
De ouro o desdém e o ânimo esforçado.
Le sue magnificenze conosciute
saranno ancora, sì che ’ suoi nemici
non ne potran tener le lingue mute.
“Serão grandezas suas tão fulgentes,
Que inimigos malgrado as contemplando,
Terão de as proclamar por preminentes.
A lui t’aspetta e a’ suoi benefici;
per lui fia trasmutata molta gente,
cambiando condizion ricchi e mendici;
“Nele confia, o bem dele esperando;
A sorte mudará de muita gente,
Ricos, mendigos condição trocando.
e portera’ne scritto ne la mente
di lui, e nol dirai»; e disse cose
incredibili a quei che fier presente.
“Dele o que eu digo inculcarás na mente,
Sem narrá-lo.” — E prozeas predizia,
Incríveis inda a quem lhe for presente. —
Poi giunse: «Figlio, queste son le chiose
di quel che ti fu detto; ecco le ’nsidie
che dietro a pochi giri son nascose.
— “Eis, filho, o comentário” — prosseguia —
“Do que se foi já dito; eis a emboscada,
Que num período breve se encobria.
Non vo’ però ch’a’ tuoi vicini invidie,
poscia che s’infutura la tua vita
vie più là che ’l punir di lor perfidie».
“Mas por ti dos vizinhos invejada
Não seja a sorte; prolongada a vida,
Verás sua perfídia castigada.” —
Poi che, tacendo, si mostrò spedita
l’anima santa di metter la trama
in quella tela ch’io le porsi ordita,
Depois que essa alma santa concluída,
Calcando-se, mostrou já ter a trama
Da tela, que eu lhe oferecera urdida,
io cominciai, come colui che brama,
dubitando, consiglio da persona
che vede e vuol dirittamente e ama:
Com tom de voz falei de homem, que clama
Por bom conselho, ao recear perigo,
De quem, sábio e discreto, o bem de outro ama.
«Ben veggio, padre mio, sì come sprona
lo tempo verso me, per colpo darmi
tal, ch’è più grave a chi più s’abbandona;
— “Vejo, ó pai, que, investindo, o tempo imigo
Contra mim corre para o golpe dar-me,
Mais grave, porque opor-me não consigo.
per che di provedenza è buon ch’io m’armi,
sì che, se loco m’è tolto più caro,
io non perdessi li altri per miei carmi.
“De prudência, portanto, é bem que me arme;
Não suceda, ao perder pátria guarida,
Dos meus versos por causa outra faltar-me.
Giù per lo mondo sanza fine amaro,
e per lo monte del cui bel cacume
li occhi de la mia donna mi levaro,
“No mundo, onde em perpétua dor se lida,
Da montanha subindo o excelso cume,
Donde elevou-me Beatriz querida,
e poscia per lo ciel, di lume in lume,
ho io appreso quel che s’io ridico,
a molti fia sapor di forte agrume;
“E depois pelo céu de lume em lume
Cousas tais aprendi, que, se as redigo,
Travo terão a muitos de azedume.
e s’io al vero son timido amico,
temo di perder viver tra coloro
che questo tempo chiameranno antico».
“Se da verdade eu for remisso amigo,
Morrer temo dos homens pelo olvido,
Que o tempo de hoje hão de chamar antigo.” —
La luce in che rideva il mio tesoro
ch’io trovai lì, si fé prima corusca,
quale a raggio di sole specchio d’oro;
A luz, onde o tesouro era escondido,
Que eu achara, se fez tão coruscante,
Como o sol de áureo espelho refletido.
indi rispuose: «Coscïenza fusca
o de la propria o de l’altrui vergogna
pur sentirà la tua parola brusca.
E disse: — “A consciência vacilante
Por próprios atos ou vergonha alheia
Teu falar haverá por cruciante.
Ma nondimen, rimossa ogne menzogna,
tutta tua visïon fa manifesta;
e lascia pur grattar dov’ è la rogna.
“Mas deves repelir mentira feia;
Toda a tua visão faz manifesta,
Coce-se a pele, que é de lepra cheia.
Ché se la voce tua sarà molesta
nel primo gusto, vital nodrimento
lascerà poi, quando sarà digesta.
“Ao primeiro sabor será molesta
Tua palavra; mas vital sustento
Deixará depois, quando for digesta.
Questo tuo grido farà come vento,
che le più alte cime più percuote;
e ciò non fa d’onor poco argomento.
“Há de o teu braço assemelhar-se ao vento,
Que ao mais soberbo cimo ousado investe;
Há de isto ao nome teu dar lustre e aumento.
Però ti son mostrate in queste rote,
nel monte e ne la valle dolorosa
pur l’anime che son di fama note,
“Ante os olhos aqui, no céu, tiveste,
No santo monte e lá no val das dores
Almas, que a fama com seu brilho veste.
che l’animo di quel ch’ode, non posa
né ferma fede per essempro ch’aia
la sua radice incognita e ascosa,
“Pois de ouvintes o ânimo ou leitores
Preço não dá ao exemplo derivado
De origem vil, sem nota, sem louvores,
né per altro argomento che non paia».
Nem a outro argumento mal fundado.” —
Canto XVIII
Canto XVIII, nel quale si monta ne la stella di Giove, e narrasi come li luminari spirituali figuravano mirabilmente.
Beatriz conforta o Poeta. Cacciaguida mostra-lhe outros espíritos que combateram pela fé cristã. Sobem depois a Júpiter, ande estão as almas dos príncipes que governaram com justiça. Os espíritos se dispõem de maneira a desenhar palavras de conselho aos que governam; por último se compõem na forma de uma águia.
Già si godeva solo del suo verbo
quello specchio beato, e io gustava
lo mio, temprando col dolce l’acerbo;
Já gozava em silêncio do seu verbo
Essa alma venturosa e eu cogitava,
O doce temperando pelo acerbo;
e quella donna ch’a Dio mi menava
disse: «Muta pensier; pensa ch’i’ sono
presso a colui ch’ogne torto disgrava».
Mas aquela, que a Deus me encaminhava,
— “Muda o pensar; que perto” — me dizia —
“Eu sou do que injustiças desagrava.” —
Io mi rivolsi a l’amoroso suono
del mio conforto; e qual io allor vidi
ne li occhi santi amor, qui l’abbandono:
Voltei-me à voz, que sempre me infundia
Valor: dos santos olhos a ternura
Descrever a palavra renuncia.
non perch’ io pur del mio parlar diffidi,
ma per la mente che non può redire
sovra sé tanto, s’altri non la guidi.
Não só a língua em vão dizer procura;
Mas sobre si tornando, desfalece
A mente sem socorro lá da altura.
Tanto poss’ io di quel punto ridire,
che, rimirando lei, lo mio affetto
libero fu da ogne altro disire,
Ora somente referir se of’rece
Que outro desejo, a santa contemplando,
Do coração, ao todo, desparece.
fin che ’l piacere etterno, che diretto
raggiava in Bëatrice, dal bel viso
mi contentava col secondo aspetto.
Como a delícia eterna, rebrilhando
Direta em Beatriz, me extasiava
Do gesto seu por um reflexo brando,
Vincendo me col lume d’un sorriso,
ella mi disse: «Volgiti e ascolta;
ché non pur ne’ miei occhi è paradiso».
Com riso, de que a luz me subjugava,
— “Volve-te, escuta ainda; o Paraíso
Não stá só nos meus olhos” — me falava.
Come si vede qui alcuna volta
l’affetto ne la vista, s’elli è tanto,
che da lui sia tutta l’anima tolta,
Como a paixão, no seu dizer conciso
Pelos olhos se exprime, na alma enquanto
Tolhe o prestígio seu todo o juízo,
così nel fiammeggiar del folgór santo,
a ch’io mi volsi, conobbi la voglia
in lui di ragionarmi ancora alquanto.
Assim no flamejar do fulgor santo,
Voltando-me, o desejo vi patente
De aditar ao que disse ora algum tanto.
El cominciò: «In questa quinta soglia
de l’albero che vive de la cima
e frutta sempre e mai non perde foglia,
— “Na quinta estância da árvore, que, ingente,
Pelo cimo se nutre” — principia —
“Que frutos sempre dá, sempre é virente,
spiriti son beati, che giù, prima
che venissero al ciel, fuor di gran voce,
sì ch’ogne musa ne sarebbe opima.
“Espíritos habitam, que algum dia
Nome tinham na terra tão famoso,
Que opimo assunto às Musas prestaria.
Però mira ne’ corni de la croce:
quello ch’io nomerò, lì farà l’atto
che fa in nube il suo foco veloce».
“Da cruz os braços olha cuidadoso:
Os que eu te nomear verás fulgindo,
Qual relâmpago em nuvem pressuroso.” —
Io vidi per la croce un lume tratto
dal nomar Iosuè, com’ el si feo;
né mi fu noto il dir prima che ’l fatto.
Na Cruz vi perpassar, o nome ouvindo
De Josué, um traço rutilante,
Mal acabara a voz, presto surgindo.
E al nome de l’alto Macabeo
vidi moversi un altro roteando,
e letizia era ferza del paleo.
Disse o grã Macabeu: no mesmo instante
Outro acorria, sobre si rodando,
Tange alegria esse pião brilhante;
Così per Carlo Magno e per Orlando
due ne seguì lo mio attento sguardo,
com’ occhio segue suo falcon volando.
Assim fez Carlos Magno, assim Orlando.
Atento, os movimentos seus esguardo,
Qual monteiro ao falcão no ar voando.
Poscia trasse Guiglielmo e Rinoardo
e ’l duca Gottifredi la mia vista
per quella croce, e Ruberto Guiscardo.
Seguiram-se Guilherme e Rinoardo;
Distingue o duque Godofredo a vista,
E logo após se assinalou Guiscardo.
Indi, tra l’altre luci mota e mista,
mostrommi l’alma che m’avea parlato
qual era tra i cantor del cielo artista.
Depois com os outros esplendores mista
Provou-me a alma ditosa, que há falado,
Ser nos coros do céu sublime artista.
Io mi rivolsi dal mio destro lato
per vedere in Beatrice il mio dovere,
o per parlare o per atto, segnato;
Voltei-me então para o direito lado
Por conhecer de Beatriz o intento,
Em palvras ou gestos declarado.
e vidi le sue luci tanto mere,
tanto gioconde, che la sua sembianza
vinceva li altri e l’ultimo solere.
Nos olhos puros seus vi tal contento,
Fulgor tal, que excedia o seu semblante
Quando de antes prendeu-me o pensamento.
E come, per sentir più dilettanza
bene operando, l’uom di giorno in giorno
s’accorge che la sua virtute avanza,
Como, ao sentir prazer inebriante,
Cada vez que o bem faz homem conhece
Ir da virtude na vereda avante,
sì m’accors’ io che ’l mio girare intorno
col cielo insieme avea cresciuto l’arco,
veggendo quel miracol più addorno.
Assim mais amplo o arco me parece
Do círc’lo, em que vou co’o céu girando
Ao ver quanto prodígio tal recresce.
E qual è ’l trasmutare in picciol varco
di tempo in bianca donna, quando ’l volto
suo si discarchi di vergogna il carco,
Tão presto, como em nívea face, quando
A chama do pudor se acende, volta
A cor a ser qual de antes, branqueando,
tal fu ne li occhi miei, quando fui vòlto,
per lo candor de la temprata stella
sesta, che dentro a sé m’avea ricolto.
Pelo doce candor, que a vista envolta
Me teve, conheci que a sexta estrela
Nos recebera a mim e a minha escolta.
Io vidi in quella giovïal facella
lo sfavillar de l’amor che lì era
segnare a li occhi miei nostra favella.
De Júpiter na esfera argêntea e bela
O cintilar de amor, que ali resplende,
Linguage’ humana aos olhos me revela.
E come augelli surti di rivera,
quasi congratulando a lor pasture,
fanno di sé or tonda or altra schiera,
De aves qual bando, que se estreita ou estende,
Do rio junto à borda e que à verdura
Do pascigo, a folgar os vôos tende,
sì dentro ai lumi sante creature
volitando cantavano, e faciensi
or D, or I, or L in sue figure.
Tal em seus lumes grei ditosa e pura,
Adejando, cantava e descrevia
De D, de I, de L uma figura.
Prima, cantando, a sua nota moviensi;
poi, diventando l’un di questi segni,
un poco s’arrestavano e taciensi.
Ao compasso dos hinos se movia
E em silêncio quedava, se detendo,
Quando alguma das letras concluía.
O diva Pegasëa che li ’ngegni
fai glorïosi e rendili longevi,
ed essi teco le cittadi e ’ regni,
Pegásea Diva, ó tu, que, concedendo
A glória ao gênio, lhe dilatas vida,
Cidades, reinos imortais fazendo!
illustrami di te, sì ch’io rilevi
le lor figure com’ io l’ho concette:
paia tua possa in questi versi brevi!
Brilha em mim! por que seja referida
Cada figura, qual me foi presente!
Faz tua força em meus versos conhecida!
Mostrarsi dunque in cinque volte sette
vocali e consonanti; e io notai
le parti sì, come mi parver dette.
E cinco vezes sete claramente
Vogais e consoantes vi, notando
Cada qual pelo traço refulgente:
’DILIGITE IUSTITIAM’, primai
fur verbo e nome di tutto ’l dipinto;
’QUI IUDICATIS TERRAM’, fur sezzai.
“DILIGITE JUSTITIAM” indicando
Verbo e nome primeiros na escritura;
“QUI JUDICATIS TERRAM” terminando.
Poscia ne l’emme del vocabol quinto
rimasero ordinate; sì che Giove
pareva argento lì d’oro distinto.
Colocando-se assim cada luz pura,
No fim pausaram no vocáb’lo quinto:
Sobre o argento de Jove ouro fulgura.
E vidi scendere altre luci dove
era il colmo de l’emme, e lì quetarsi
cantando, credo, il ben ch’a sé le move.
De outros lumes, que descem, vi distinto
Do M o cimo: cantam, lá pousados,
Bem que os atrai ao divinal precinto.
Poi, come nel percuoter d’i ciocchi arsi
surgono innumerabili faville,
onde li stolti sogliono agurarsi,
Como carvões ardentes encontrados
De centelhas um jorro de si lançam,
Presságios por estultos venerados,
resurger parver quindi più di mille
luci e salir, qual assai e qual poco,
sì come ’l sol che l’accende sortille;
Muitos mil fogos para o ar avançam,
Subindo à altura, que lhes há marcado
O Sol, de quem beleza e brilho alcançam.
e quïetata ciascuna in suo loco,
la testa e ’l collo d’un’aguglia vidi
rappresentare a quel distinto foco.
Já, cada qual ao seu lugar tornado,
De Águia o colo a meus olhos se mostrava,
Rematando em cabeça, desenhado.
Quei che dipinge lì, non ha chi ’l guidi;
ma esso guida, e da lui si rammenta
quella virtù ch’è forma per li nidi.
Guia não teve o artista que os traçava:
É seu todo o primor, toda a mestria,
Que em cada ninho forma própria grava.
L’altra bëatitudo, che contenta
pareva prima d’ingigliarsi a l’emme,
con poco moto seguitò la ’mprenta.
A santa grei, porém, que parecia
De ornar de c’roa o M estar contente,
Movendo-se, a figura perfazia.
O dolce stella, quali e quante gemme
mi dimostraro che nostra giustizia
effetto sia del ciel che tu ingemme!
Quanta jóias, ó astro refulgente,
Mostraram-me provir justiça humana
Do céu de que és ornato permanente!
Per ch’io prego la mente in che s’inizia
tuo moto e tua virtute, che rimiri
ond’ esce il fummo che ’l tuo raggio vizia;
À Mente, pois, suplico de que emana
O moto e a força tua, atenta veja
Da névoa a causa que o teu brilho empana;
sì ch’un’altra fïata omai s’adiri
del comperare e vender dentro al templo
che si murò di segni e di martìri.
E de ira inda uma vez tomada seja
Contra os que mercadejam no seu templo,
Que do sangue dos mártires flameja.
O milizia del ciel cu’ io contemplo,
adora per color che sono in terra
tutti svïati dietro al malo essemplo!
Celestial milícia, que eu contemplo,
Roga por esses, que ora estão na terra
Transviados, seguindo hórrido exemplo.
Già si solea con le spade far guerra;
ma or si fa togliendo or qui or quivi
lo pan che ’l pïo Padre a nessun serra.
Com gládio outrora se travava a guerra;
Hoje em tirar o pão, que Deus tem dado,
Dos combatentes o valor se encerra.
Ma tu che sol per cancellare scrivi,
pensa che Pietro e Paulo, che moriro
per la vigna che guasti, ancor son vivi.
Tu que escreves pra ser logo emendado
Pensa que Pedro e Paulo hão ressurgido,
Pela vinha morrendo que hás talado.
Ben puoi tu dire: «I’ ho fermo ’l disiro
sì a colui che volle viver solo
e che per salti fu tratto al martiro,
Tu bem podes dizer: — “Devoto hei sido
Do que, ao deserto dando tanto apreço,
Sofreu martírio à dança oferecido:
ch’io non conosco il pescator né Polo».
O pescador e Paulo não conheço.” —
Canto XIX
Canto XIX, nel quale li spiriti ch’erano ne la stella di Iove insieme conglutinati in forma d’aguglia, ad una voce solvono uno grande dubbio, e abominano e infamano tutti li re cristiani che regnavano ne l’anno di Cristo MCCC.
Dante fala à Águia externando uma sua antiga dúvida se alguém possa salvar-se não tendo conhecimento da lei de Cristo. Respondendo, a Águia aproveita a ocasião para repreender os malvados reis cristãos do seu tempo que nunca obterão a graça de Deus.
Parea dinanzi a me con l’ali aperte
la bella image che nel dolce frui
liete facevan l’anime conserte;
De asas pandas formosa se ostentava
Essa imagem, que enlevos de alegria
Nas almas enlaçadas excitava,
parea ciascuna rubinetto in cui
raggio di sole ardesse sì acceso,
che ne’ miei occhi rifrangesse lui.
E rubi cada qual me parecia,
Em que raio de sol, fúlgido ardendo,
Os lumes nos meus olhos refrangia.
E quel che mi convien ritrar testeso,
non portò voce mai, né scrisse incostro,
né fu per fantasia già mai compreso;
O que eu agora descrever pretendo
Voz não contou, nem pena há referido,
Nem criou fantasia encarecendo.
ch’io vidi e anche udi’ parlar lo rostro,
e sonar ne la voce e «io» e «mio»,
quand’ era nel concetto e ’noi’ e ’nostro’.
O bico da Águia vi falar, e o ouvido
Eu e meu nas palavras distinguia,
Mas nós e nosso estava no sentido.
E cominciò: «Per esser giusto e pio
son io qui essaltato a quella gloria
che non si lascia vincere a disio;
— “Porque fui justo e pio” — assim dizia —
“Exaltado me vejo a tanta glória,
Que excede a quanto o anelo aspiraria.
e in terra lasciai la mia memoria
sì fatta, che le genti lì malvage
commendan lei, ma non seguon la storia».
“De mim deixei na terra tal memória,
Que apregoam-na os homens pervertidos,
Sem exemplos seguir, que narra a história.” —
Così un sol calor di molte brage
si fa sentir, come di molti amori
usciva solo un suon di quella image.
Como em pira dão lenhos incendidos
Um só calor, aqueles mil amores
Da imagem stavam num falar contidos.
Ond’ io appresso: «O perpetüi fiori
de l’etterna letizia, che pur uno
parer mi fate tutti vostri odori,
Então lhes disse: “Ó vós, perpétuas flores
Do júbilo eternal, que num perfume
Sentir fazeis multíplices olores,
solvetemi, spirando, il gran digiuno
che lungamente m’ha tenuto in fame,
non trovandoli in terra cibo alcuno.
“Esta fome fartai, que me consome,
Há largo tempo, na terrestre vida,
Onde alimento nunca achar presume.
Ben so io che, se ’n cielo altro reame
la divina giustizia fa suo specchio,
che ’l vostro non l’apprende con velame.
“Se do céu noutro reino é refletida
A divina Justiça em claro espelho,
Sei que sem véus no vosso é percebida.
Sapete come attento io m’apparecchio
ad ascoltar; sapete qual è quello
dubbio che m’è digiun cotanto vecchio».
“Sabeis que, atento, a ouvir-vos me aparelho;
Sabeis também que, nunca saciado,
Ardo em desejo que se fez já velho.” —
Quasi falcone ch’esce del cappello,
move la testa e con l’ali si plaude,
voglia mostrando e faccendosi bello,
Qual falcão, do capelo desvendado,
Que a fronte move, as asas exercita
E se apavona ledo e alvoroçado,
vid’ io farsi quel segno, che di laude
de la divina grazia era contesto,
con canti quai si sa chi là sù gaude.
Tal vi a insígnia, que essa grei bendita,
Louvor da graça divinal, formara,
Com hinos próprios da mansão que habita.
Poi cominciò: «Colui che volse il sesto
a lo stremo del mondo, e dentro ad esso
distinse tanto occulto e manifesto,
Depois dizia: — “Aquele, que traçara
Com seu compasso o mundo e no começo
De ocultas, claras cousas o dotara,
non poté suo valor sì fare impresso
in tutto l’universo, che ’l suo verbo
non rimanesse in infinito eccesso.
“Não pôde tanto seu poder impresso
No universo deixar, que o Eterno Verbo
A criação não teve infindo excesso.
E ciò fa certo che ’l primo superbo,
che fu la somma d’ogne creatura,
per non aspettar lume, cadde acerbo;
“Prova-o bem quem primeiro foi soberbo;
Pois, sendo ele perfeita criatura,
Não esperando a luz, caiu acerbo.
e quinci appar ch’ogne minor natura
è corto recettacolo a quel bene
che non ha fine e sé con sé misura.
“Todo ente, pois, somenos em natura
Conter o Bem sem fim não circunscrito
Não pode e em si guarda a mensura.
Dunque vostra veduta, che convene
esser alcun de’ raggi de la mente
di che tutte le cose son ripiene,
“Nossa vista, de alcance tão finito,
Posto seja um dos raios dessa Mente,
Que as cousas todas enche no infinito,
non pò da sua natura esser possente
tanto, che suo principio non discerna
molto di là da quel che l’è parvente.
“Não é, por natureza, tão potente,
Que não discirna a sua Causa Eterna,
Do que ela é na verdade diferente.
Però ne la giustizia sempiterna
la vista che riceve il vostro mondo,
com’ occhio per lo mare, entro s’interna;
“Penetra na justiça sempiterna
A vista concedida ao vosso mundo,
Bem como o olhar, que pelo mar se interna:
che, ben che da la proda veggia il fondo,
in pelago nol vede; e nondimeno
èli, ma cela lui l’esser profondo.
“Se junto ao litoral lhe enxerga o fundo,
No pélago o não vê: certo é que existe,
Mas encoberto está por ser profundo.
Lume non è, se non vien dal sereno
che non si turba mai; anzi è tenèbra
od ombra de la carne o suo veleno.
“Se do Lume não vem, que só persiste
Sempre sereno, a luz torna-se em treva,
Ou da carne é veneno, ou sombra triste.
Assai t’è mo aperta la latebra
che t’ascondeva la giustizia viva,
di che facei question cotanto crebra;
“Já compreendes que o véu romper se deva,
Que a Divina Justiça te escondia,
E a tão freqüentes dúvidas te leva.
ché tu dicevi: “Un uom nasce a la riva
de l’Indo, e quivi non è chi ragioni
di Cristo né chi legga né chi scriva;
“Junto ao Indo — tua mente assim dizia —
Um varão vem á luz: de Cristo o nome
Nem por voz, nem por letras conhecia.
e tutti suoi voleri e atti buoni
sono, quanto ragione umana vede,
sanza peccato in vita o in sermoni.
“Os feitos e desejos são desse home’
Bons no quanto julgar à razão cabe;
Em pecar ditos e atos não consome.
Muore non battezzato e sanza fede:
ov’ è questa giustizia che ’l condanna?
ov’ è la colpa sua, se ei non crede?”.
“Quando sem fé e sem batismo acabe,
Há justiça em ser ele condenado?
Pode ter culpa quem não crê, não sabe?
Or tu chi se', che vuo' sedere a scranna,
per giudicar di lungi mille miglia
con la veduta corta d'una spanna?
“Mas tu quem és, que, em tribunal sentado,
Julgas, de léguas em milhões distante,
Se mal vês o que a um palmo é colocado?
Certo a colui che meco s’assottiglia,
se la Scrittura sovra voi non fosse,
da dubitar sarebbe a maraviglia.
“Em duvidar, por certo, iria avante
Quem assim sutilezas apurara,
Sem a luz da Escritura triunfante.
Oh terreni animali! oh menti grosse!
La prima volontà, ch’è da sé buona,
da sé, ch’è sommo ben, mai non si mosse.
“Terrenos vermes! raça estulta, ignara!
A primeira Vontade, por si boa,
De si, Supremo Bem, se não separa.
Cotanto è giusto quanto a lei consuona:
nullo creato bene a sé la tira,
ma essa, radïando, lui cagiona».
“Justo é somente o que com ela soa,
A si nenhum criado bem a tira,
Todo o bem, radiando, ela afeiçoa.” —
Quale sovresso il nido si rigira
poi c’ha pasciuti la cicogna i figli,
e come quel ch’è pasto la rimira;
Como a cegonha, que o seu ninho gira,
Os filhotes já tendo apascentado,
Enquanto cada qual, farto, a remira,
cotal si fece, e sì leväi i cigli,
la benedetta imagine, che l’ali
movea sospinte da tanti consigli.
Assim, os olhos quando eu tinha alçado
Fez o pássaro santo; e asas movia,
Por múltiplas vontades sustentado.
Roteando cantava, e dicea: «Quali
son le mie note a te, che non le ’ntendi,
tal è il giudicio etterno a voi mortali».
Volteando cantou; depois dizia:
“As notas não comprendes do meu canto,
Como os mortais de Deus sabedoria.” —
Poi si quetaro quei lucenti incendi
de lo Spirito Santo ancor nel segno
che fé i Romani al mondo reverendi,
As flamas quando já do Esp’rito Santo
Quedaram nessa imagem, que alcançara
Aos Romanos do mundo temor tanto,
esso ricominciò: «A questo regno
non salì mai chi non credette ’n Cristo,
né pria né poi ch’el si chiavasse al legno.
Prosseguiu: — “Este reino não depara
Jamais quem não acompanhou a Cristo
Nem antes, nem depois que à Cruz se alçara.
Ma vedi: molti gridan “Cristo, Cristo!”,
che saranno in giudicio assai men prope
a lui, che tal che non conosce Cristo;
“Dizem muitos em grita — Cristo! Cristo!
Menos perto, em juízo, do que o infido
Lhe hão de ser que jamais conheceu Cristo.
e tai Cristian dannerà l’Etïòpe,
quando si partiranno i due collegi,
l’uno in etterno ricco e l’altro inòpe.
“Há de os danar o Etíope descrido,
Quando em grei rica e pobre eternamente
For o gênero humano repartido.
Che poran dir li Perse a’ vostri regi,
come vedranno quel volume aperto
nel qual si scrivon tutti suoi dispregi?
“Dos reis cristãos o que dirão em frente
Os Persas, lendo no volume aberto,
Onde tanto flagício está patente?
Lì si vedrà, tra l’opere d’Alberto,
quella che tosto moverà la penna,
per che ’l regno di Praga fia diserto.
“Ali hão de se ver entre os de Alberto
Os que serão em breve registados:
De Praga o reino tornarão deserto.
Lì si vedrà il duol che sovra Senna
induce, falseggiando la moneta,
quel che morrà di colpo di cotenna.
Se hão de ver sobre o Sena acumulados
Os do Rei, que a moeda falsifica,
Da fera morto aos dentes afiados.
Lì si vedrà la superbia ch’asseta,
che fa lo Scotto e l’Inghilese folle,
sì che non può soffrir dentro a sua meta.
Se há de ver a soberba, atroce, inica
Quem me demência o Escocês e o Bretão lança:
Nenhum nos seus confins contente fica.
Vedrassi la lussuria e ’l viver molle
di quel di Spagna e di quel di Boemme,
che mai valor non conobbe né volle.
“E se há de ver quanto em luxúria avança
O Rei de Espanha e o que a Boêmia rege,
Que mostra ao seu dever tanta esquivança.
Vedrassi al Ciotto di Ierusalemme
segnata con un i la sua bontate,
quando ’l contrario segnerà un emme.
“Ninguém ao Coxo de Sião inveje:
Com I sua bondade se assinala,
Com M o que em contrário ama e protege
Vedrassi l’avarizia e la viltate
di quei che guarda l’isola del foco,
ove Anchise finì la lunga etate;
“Se há de ver que a avareza à ignávia iguala
No Rei da ilha, em que morreu Anquise,
E donde o fogo, a trovejar, se exala.
e a dare ad intender quanto è poco,
la sua scrittura fian lettere mozze,
che noteranno molto in parvo loco.
“Porque do seu valor mal se ajuíze,
Em cifra a história sua é resumida,
Que muito em pouco espaço localize,
E parranno a ciascun l’opere sozze
del barba e del fratel, che tanto egregia
nazione e due corone han fatte bozze.
“Será patente a vergonhosa vida
Do tio e desse irmão, que hão desonrado
Dois cetros e a ascendência enobrecida.
E quel di Portogallo e di Norvegia
lì si conosceranno, e quel di Rascia
che male ha visto il conio di Vinegia.
“O Rei de Portugal será notado
E o Rei de Noruega e mais aquele,
Que de Veneza os cunhos tem falsado.
Oh beata Ungheria, se non si lascia
più malmenare! e beata Navarra,
se s’armasse del monte che la fascia!
“Ditosa Hungria! que de si repele
O jugo da opressão! Feliz Navarra,
Quando em seus montes que defensa vele!
E creder de’ ciascun che già, per arra
di questo, Niccosïa e Famagosta
per la lor bestia si lamenti e garra,
“E creiam todos que já d’isto em arra
Nicósia e Famagusta se lamentam,
Bramindo de uma fera sob a garra:
che dal fianco de l’altre non si scosta».
Os exemplos dos mais não o escarmentam.” —
Canto XX
Canto XX, nel quale ancora suonano nel becco de l’Aquila certe parole per le quali apprende di conoscere alcuni di quelli spirti de li quali quella Aquila è composta.
A Águia louva alguns reis antigos que foram justos e virtuosos. Depois solve a Dante uma dúvida, como possam estar no Céu alguns espíritos que, na sua opinião, quando em vida não tinham tido fé cristã.
Quando colui che tutto ’l mondo alluma
de l’emisperio nostro sì discende,
che ’l giorno d’ogne parte si consuma,
Quando esse astro, que a todos alumia
Deste hemisfério nosso já descende
E se consome em toda parte o dia,
lo ciel, che sol di lui prima s’accende,
subitamente si rifà parvente
per molte luci, in che una risplende;
O céu, que dele só de antes se acende,
Cintilante se mostra de repente
Por mil luzeiros, em que um só resplende.
e questo atto del ciel mi venne a mente,
come ’l segno del mondo e de’ suoi duci
nel benedetto rostro fu tacente;
Do céu surgiu-me essa mudança à mente
Depois que o santo pássaro calou-se,
Dos reis, no mundo, insígnia refulgente;
però che tutte quelle vive luci,
vie più lucendo, cominciaron canti
da mia memoria labili e caduci.
Pois desses vivos lumes ateou-se
Inda mais o clarão, hino cantando,
Que na memória instável apagou-se.
O dolce amor che di riso t’ammanti,
quanto parevi ardente in que’ flailli,
ch’avieno spirto sol di pensier santi!
Ó doce amor! num riso te velando,
Quanto indicas arder nos esplendores,
Que estão santo pensar só respirando!.
Poscia che i cari e lucidi lapilli
ond’ io vidi ingemmato il sesto lume
puoser silenzio a li angelici squilli,
Quando as gemas sublimes nos fulgores,
De que o sexto planeta se adornava
Findaram seus angélicos dulçores,
udir mi parve un mormorar di fiume
che scende chiaro giù di pietra in pietra,
mostrando l’ubertà del suo cacume.
De rio o murmurar ouvir julgava,
Que, em claras espadanas debruçado
Com sua veia abundante as rochas lava.
E come suono al collo de la cetra
prende sua forma, e sì com’ al pertugio
de la sampogna vento che penètra,
Da cít’ra em braço como o som formado,
Como o sopro na avena penetrando
Em melódicas notas modulado,
così, rimosso d’aspettare indugio,
quel mormorar de l’aguglia salissi
su per lo collo, come fosse bugio.
Assim formou-se um murmúrio brando,
Que subiu, logo após, da ave formosa,
Pelo canal do colo, se exalando.
Fecesi voce quivi, e quindi uscissi
per lo suo becco in forma di parole,
quali aspettava il core ov’ io le scrissi.
Então em voz tornou-se harmoniosa,
Que do bico em palavras irrompia:
Em minha alma insculpiram-se ansiosa.
«La parte in me che vede e pate il sole
ne l’aguglie mortali», incominciommi,
«or fisamente riguardar si vole,
— “Na parte atenta, que em mim vê” — dizia —
“Que até na águia mortal afronta ousada
O sol, quando rutila ao meio-dia;
perché d’i fuochi ond’ io figura fommi,
quelli onde l’occhio in testa mi scintilla,
e’ di tutti lor gradi son li sommi.
“Porque dos fogos, de que sou formada,
Aqueles, com que a vista me cintila,
No céu graduação tem sublimada,
Colui che luce in mezzo per pupilla,
fu il cantor de lo Spirito Santo,
che l’arca traslatò di villa in villa:
“Esse, que brilha em meio por poupila,
Foi o régio cantor do Esp’rito Santo,
Que a Arca trasladou de vila em vila.
ora conosce il merto del suo canto,
in quanto effetto fu del suo consiglio,
per lo remunerar ch’è altrettanto.
“Conhece ora a valia de seu canto,
Qual foi o efeito desse ardente zelo,
Galardão recebendo tal e tanto.
Dei cinque che mi fan cerchio per ciglio,
colui che più al becco mi s’accosta,
la vedovella consolò del figlio:
“Dos cinco, que o sobrolho me ornam belo,
Consolou o que ao bico está mais perto
Viúva em dó do filho, seu desvelo.
ora conosce quanto caro costa
non seguir Cristo, per l’esperïenza
di questa dolce vita e de l’opposta.
“Quanto custa lhe está bem descoberto
A Cristo não seguir, pela exp’riência
Do céu e do penar pungente e certo.
E quel che segue in la circunferenza
di che ragiono, per l’arco superno,
morte indugiò per vera penitenza:
“E o que está logo após na circunf’rência
Do sobrolho, onde vês arco superno,
Morte adiou por vera penitência.
ora conosce che ’l giudicio etterno
non si trasmuta, quando degno preco
fa crastino là giù de l’odïerno.
“Conhece agora que o juízo eterno
Não muda, se o rogar do arrependido
Em crástino tornar fato hodierno.
L’altro che segue, con le leggi e meco,
sotto buona intenzion che fé mal frutto,
per cedere al pastor si fece greco:
“A mim e às leis esse outro há transferido
À Grécia, do Pontífice em proveito:
Boa intenção mau fruto há produzido.
ora conosce come il mal dedutto
dal suo bene operar non li è nocivo,
avvegna che sia ’l mondo indi distrutto.
“Conhece agora que o maligno efeito
Dessa obra pia lhe não é nocivo,
Posto haja o mundo horrendo desproveito.
E quel che vedi ne l’arco declivo,
Guiglielmo fu, cui quella terra plora
che piagne Carlo e Federigo vivo:
“O que vês do sobrolho no declive
Guilherme é, por quem chora o reino opresso
De Frederico e Carlo ao mando esquivo.
ora conosce come s’innamora
lo ciel del giusto rege, e al sembiante
del suo fulgore il fa vedere ancora.
“Conhece agora bem com quanto excesso
Ao Rei justo ama o céu: do seu semblante
Ainda no fulgor se mostra expresso.
Chi crederebbe giù nel mondo errante
che Rifëo Troiano in questo tondo
fosse la quinta de le luci sante?
“Quem crer pudera em vosso mundo errante
Que entre estas luzes santas quinta seja
Rifeu Troiano, da justiça amante?
Ora conosce assai di quel che ’l mondo
veder non può de la divina grazia,
ben che sua vista non discerna il fondo».
“Conhece agora que mistério esteja
Na Graça — aquilo, que inda o mundo ignora —
Bem que o fundo inefável não lhe veja.” —
Quale allodetta che ’n aere si spazia
prima cantando, e poi tace contenta
de l’ultima dolcezza che la sazia,
Qual codorniz que os vôos seu demora,
Paira cantando e cala-se, enlevada
Nas doçuras finais da voz sonora:
tal mi sembiò l’imago de la ’mprenta
de l’etterno piacere, al cui disio
ciascuna cosa qual ell’ è diventa.
Tal parece-me a imagem sinalada
Pelo eterno prazer, que, a seu desejo,
Faz que seja quanto é cousa criada.
E avvegna ch’io fossi al dubbiar mio
lì quasi vetro a lo color ch’el veste,
tempo aspettar tacendo non patio,
Posto a dúvida minha neste ensejo,
Como no vidro a cor, fosse patente,
Não mais espero a solução, que almejo.
ma de la bocca, «Che cose son queste?»,
mi pinse con la forza del suo peso:
per ch’io di coruscar vidi gran feste.
Cedendo à força do seu peso urgente.
Prorrompo logo: — Que mistério imenso! —
Da águia o júbilo fez-se mais fulgente.
Poi appresso, con l’occhio più acceso,
lo benedetto segno mi rispuose
per non tenermi in ammirar sospeso:
Brilho tendo nos olhos mais intenso
A sacrossanta forma respondia
Por não mais ter-me atônito e suspenso:
«Io veggio che tu credi queste cose
perch’ io le dico, ma non vedi come;
sì che, se son credute, sono ascose.
— “Bem vejo que tu crês” — assim dizia —
“Não porque entendas, mas porque assevero:
Ocultas cousas são, mas fé te guia.
Fai come quei che la cosa per nome
apprende ben, ma la sua quiditate
veder non può se altri non la prome.
“És como quem da cousa o nome vero
Aprende; mas inota fica a essência,
Se não a explica espírito sincero.
Regnum celorum vïolenza pate
da caldo amore e da viva speranza,
che vince la divina volontate:
“Dos céus o reino sofre um violência
Do ardente amor e da esperança viva,
Que triunfam da própria Onipotência.
non a guisa che l’omo a l’om sobranza,
ma vince lei perché vuole esser vinta,
e, vinta, vince con sua beninanza.
“Mas não é, qual vitória humana, esquiva:
Vencido é Deus por ser assim servido;
Tem, vencido, vitória decisiva.
La prima vita del ciglio e la quinta
ti fa maravigliar, perché ne vedi
la regïon de li angeli dipinta.
“Maravilhado, ao veres, te hás sentido,
Do meu sobrolho a luz quinta e primeira
Neste império aos eleitos concedido.
D’i corpi suoi non uscir, come credi,
Gentili, ma Cristiani, in ferma fede
quel d’i passuri e quel d’i passi piedi.
“Não morreram gentios: crença inteira
No Redentor futuro ou no já vindo
Tinham antes da hora derradeira.
Ché l’una de lo ’nferno, u’ non si riede
già mai a buon voler, tornò a l’ossa;
e ciò di viva spene fu mercede:
“À vida um, lá do inferno ressurgindo,
Onde não se corrige o condenado,
A mercê recebeu anelo infindo,
di viva spene, che mise la possa
ne’ prieghi fatti a Dio per suscitarla,
sì che potesse sua voglia esser mossa.
“Vivo anelo, que ardor tanto empenhado
Em suplicar a Deus tal graça havia,
Que pôde o seu querer ser abalado.
L’anima glorïosa onde si parla,
tornata ne la carne, in che fu poco,
credette in lui che potëa aiutarla;
“Quando voltou à carne e à luz do dia,
Em que não fez detença a alma ditosa,
Naquele há crido que a salvar podia;
e credendo s’accese in tanto foco
di vero amor, ch’a la morte seconda
fu degna di venire a questo gioco.
“E foi na fé, no amor tão fervorosa,
Que ao passar nova morte há merecido
Sublimar-se à existência gloriosa.
L’altra, per grazia che da sì profonda
fontana stilla, che mai creatura
non pinse l’occhio infino a la prima onda,
“E do outro, pela Graça protegido,
Que provém de uma origem tão profunda,
Que a nascente olho algum não lhe há sabido,
tutto suo amor là giù pose a drittura:
per che, di grazia in grazia, Dio li aperse
l’occhio a la nostra redenzion futura;
“Foi no amor à justiça sem segunda:
De graça em graça a Redenção futura
Mostrou-lhe Deus revelação jucunda.
ond’ ei credette in quella, e non sofferse
da indi il puzzo più del paganesmo;
e riprendiene le genti perverse.
“À fé se entrega; e a sua mente pura
A perversão gentílica rejeita,
Do mundo repreendendo a vida impura
Quelle tre donne li fur per battesmo
che tu vedesti da la destra rota,
dinanzi al battezzar più d’un millesmo.
“As damas três que achavam-se à direita,
Do carro, o seu batismo efetuaram,
Anos mil precedendo a lei perfeita.
O predestinazion, quanto remota
è la radice tua da quelli aspetti
che la prima cagion non veggion tota!
“Ó predestinação! Não te alcançaram
A raiz esses olhos, que a primeira
Cousa jamais ao todo interpretaram.
E voi, mortali, tenetevi stretti
a giudicar: ché noi, che Dio vedemo,
non conosciamo ancor tutti li eletti;
“Mortais! Oh! não julgueis tão de carreira!
Porque nós que Deus vemos não sabemos
Dos preferidos seus a grei inteira.
ed ènne dolce così fatto scemo,
perché il ben nostro in questo ben s’affina,
che quel che vole Iddio, e noi volemo».
“Esta ignorância por ditosa havemos;
Que o nosso bem por este bem se afina,
De ser quanto Deus quer o que queremos.” —
Così da quella imagine divina,
per farmi chiara la mia corta vista,
data mi fu soave medicina.
Por essa imagem de feição divina
Assim, para aclarar-me a curta vista,
Dada me foi suave medicina:
E come a buon cantor buon citarista
fa seguitar lo guizzo de la corda,
in che più di piacer lo canto acquista,
E como a um bom cantor bom citarista
Acompanha, vibrar fazendo a corda,
E desta arte mais graça o canto aquista,
sì, mentre ch’e’ parlò, sì mi ricorda
ch’io vidi le due luci benedette,
pur come batter d’occhi si concorda,
Assim a fala (a mente me recorda)
Da ave santa os luzeiros dois seguiam
Como dos olhos o bater concorda,
con le parole mover le fiammette.
Com sua voz igualmente se moviam.
Canto XXI
Canto XXI, nel quale si monta ne la stella di Saturno, che è il settimo pianeto; e qui comincia la settima parte, e come Pietro Dammiano solve alcune questioni.
Dante sobe do céu de Júpiter ao de Saturno, no qual encontra as almas dos que se dedicaram na vida à celeste contemplação, onde vê uma escada altíssima pela qual vai subindo o descendo uma multidão de almas resplendentes. S. Pedro Damião vai ao encontro do poeta e lhe fala do dogma da predestinação.
Già eran li occhi miei rifissi al volto
de la mia donna, e l’animo con essi,
e da ogne altro intento s’era tolto.
De Beatriz no gesto o entendimento,
Acompanhando os olhos, embebia;
De ai não cuidava absorto o pensamento
E quella non ridea; ma «S’io ridessi»,
mi cominciò, «tu ti faresti quale
fu Semelè quando di cener fessi:
Beatriz, sem sorrir-se, me dizia:
— “O sorriso contenho; de outra sorte,
Como Semele, em cinzas te veria.
ché la bellezza mia, che per le scale
de l’etterno palazzo più s’accende,
com’ hai veduto, quanto più si sale,
“Minha beleza, viste já, mais forte
Refulge, quanto mais se eleva a escada,
Por onde ascende para a eterna corte.
se non si temperasse, tanto splende,
che ’l tuo mortal podere, al suo fulgore,
sarebbe fronda che trono scoscende.
“Teu vigor, se não fora moderada,
Ao seu fulgor, de todo fenecera,
Qual fronde, pelo raio espedaçada.
Noi sem levati al settimo splendore,
che sotto ’l petto del Leone ardente
raggia mo misto giù del suo valore.
“À sétima chegamos clara esfera,
Que sob o peito do Leão ardente
Da luz mais viva do que de antes era.
Ficca di retro a li occhi tuoi la mente,
e fa di quelli specchi a la figura
che ’n questo specchio ti sarà parvente».
“Teus olhos acompanhe pronta a mente;
Sejam-te espelho a quanto este astro belo,
Que um espelho é também, fará patente.” —
Qual savesse qual era la pastura
del viso mio ne l’aspetto beato
quand’ io mi trasmutai ad altra cura,
Quem bem coubesse a força do desvelo,
Com que a vista em seu gesto se pascia,
Quando voltei-me a impulso de outro anelo,
conoscerebbe quanto m’era a grato
ubidire a la mia celeste scorta,
contrapesando l’un con l’altro lato.
Quanto contente fui conheceria,
Minha guia celeste obedecendo,
Após uma gozando outra alegria.
Dentro al cristallo che ’l vocabol porta,
cerchiando il mondo, del suo caro duce
sotto cui giacque ogne malizia morta,
No cristal, que, em seu giro se movendo,
O nome do Monarca tem querido,
Que a todo vício foi flagelo horrendo,
di color d’oro in che raggio traluce
vid’ io uno scaleo eretto in suso
tanto, che nol seguiva la mia luce.
De áurea cor, em que o sol é refletido,
Escada vi de tão sublime altura,
Que o topo aos olhos stava-me escondido.
Vidi anche per li gradi scender giuso
tanti splendor, ch’io pensai ch’ogne lume
che par nel ciel, quindi fosse diffuso.
Pelos degraus brilhando com luz pura
Descia soma tanta de esplendores,
Que os clarões todos ver se me afigura.
E come, per lo natural costume,
le pole insieme, al cominciar del giorno,
si movono a scaldar le fredde piume;
Como, ao seu modo, aos matinais albores,
As gralhas, pelos ares se movendo,
Aquecem-se, do frio nos rigores,
poi altre vanno via sanza ritorno,
altre rivolgon sé onde son mosse,
e altre roteando fan soggiorno;
Umas se vão não mais voltar querendo,
Tornam outras, buscando o pouso amado,
Rodam outras, os vôos seus contendo:
tal modo parve me che quivi fosse
in quello sfavillar che ’nsieme venne,
sì come in certo grado si percosse.
Tal dos lumes o bando sublimado
Pela escada formosa parecia,
Até certo degrau terem tocado.
E quel che presso più ci si ritenne,
si fé sì chiaro, ch’io dicea pensando:
’Io veggio ben l’amor che tu m’accenne.
E o que parou mais perto resplendia
Tão claro, que eu pensei: — Luz, que eu venero
Em ti, amor, em que ardes, denuncia.
Ma quella ond’ io aspetto il come e ’l quando
del dire e del tacer, si sta; ond’ io,
contra ’l disio, fo ben ch’io non dimando’.
Mas Beatriz de quem sinal espero
Pra dizer ou calar, grave emudece:
Eu pois o anelo meu, reprimir quero.
Per ch’ella, che vedëa il tacer mio
nel veder di colui che tutto vede,
mi disse: «Solvi il tuo caldo disio».
Ela, que o meu pensar então conhece,
Pois quem tudo prevê lho manifesta,
— “Cumpre” — disse — “o que a mente ora apetece.” —
E io incominciai: «La mia mercede
non mi fa degno de la tua risposta;
ma per colei che ’l chieder mi concede,
E comecei: — “Direito não me presta
A resposta o meu mérito apoucado:
Mas por aquela, que o valor me empresta,
vita beata che ti stai nascosta
dentro a la tua letizia, fammi nota
la cagion che sì presso mi t’ha posta;
“Espírito ditoso, que velado
Stás por tua alegria, me declara
Por que tão perto a mim te hás colocado;
e dì perché si tace in questa rota
la dolce sinfonia di paradiso,
che giù per l’altre suona sì divota».
“E por que muda está na esfera clara
Do paraíso a doce sinfonia,
Que tão devota noutras escutara.” —
«Tu hai l’udir mortal sì come il viso»,
rispuose a me; «onde qui non si canta
per quel che Bëatrice non ha riso.
— “Como os olhos o ouvido” — respondia —
“Tens mortal: nesta esfera não se canta,
Nem Beatriz sorri, como soía.
Giù per li gradi de la scala santa
discesi tanto sol per farti festa
col dire e con la luce che mi ammanta;
“Tantos degraus desci da escala santa
De prazer por te dar mostra evidente
Em vozes e na luz que me abrilhanta.
né più amor mi fece esser più presta,
ché più e tanto amor quinci sù ferve,
sì come il fiammeggiar ti manifesta.
“Não que me apresse o afeto mais ardente,
Pois lá por cima igual ou mais se acende,
Como te prova o flamejar ingente.
Ma l’alta carità, che ci fa serve
pronte al consiglio che ’l mondo governa,
sorteggia qui sì come tu osserve».
“Mas alta caridade, que nos prende
A quem por seu querer tudo governa,
Quais vês, marca os lugares como entende.” —
«Io veggio ben», diss’ io, «sacra lucerna,
come libero amore in questa corte
basta a seguir la provedenza etterna;
— “Bem conheço” — tornei — “sacra luzerna,
Como o livre amor do céu na corte
Basta para cumprir vontade eterna;
ma questo è quel ch’a cerner mi par forte,
perché predestinata fosti sola
a questo officio tra le tue consorte».
“Mas como, entre a dos teus santa coorte,
Tu só chamado a este cargo hás sido,
Por discernir não hei mente assaz forte.” —
Né venni prima a l’ultima parola,
che del suo mezzo fece il lume centro,
girando sé come veloce mola;
A voz final não tendo proferido,
Qual veloz roda, sobre si girando,
Volveu-se o lume, súbito movido.
poi rispuose l’amor che v’era dentro:
«Luce divina sopra me s’appunta,
penetrando per questa in ch’io m’inventro,
O amor, que encerrava, então falando
— “Em mim dardeja” — disse — “a luz divina,
Esta, que me circunda, penetrando.
la cui virtù, col mio veder congiunta,
mi leva sopra me tanto, ch’i’ veggio
la somma essenza de la quale è munta.
“Com meu ver, sua ação, que assim combina,
Tanto me alteia, que a Suprema Essência,
Donde ela emana, a mim se descortina.
Quinci vien l’allegrezza ond’ io fiammeggio;
per ch’a la vista mia, quant’ ella è chiara,
la chiarità de la fiamma pareggio.
“Daí vem do meu júbilo esta ardência;
Pois a minha visão quanto é mais clara,
Da claridade em mim sobe a eminência.
Ma quell’ alma nel ciel che più si schiara,
quel serafin che ’n Dio più l’occhio ha fisso,
a la dimanda tua non satisfara,
“Alma, porém, que mais no céu se aclara,
O serafim, que em Deus mais se embevece,
Resposta ao teu dizer não deparara.
però che sì s’innoltra ne lo abisso
de l’etterno statuto quel che chiedi,
che da ogne creata vista è scisso.
“Tanto o que me perguntas desparece
Dos eternos conselhos no infinito,
Que a vista a todos pávida esmorece.
E al mondo mortal, quando tu riedi,
questo rapporta, sì che non presumma
a tanto segno più mover li piedi.
“Ao mundo isto por ti deve ser dito,
Que da verdade saiba quanto aberra,
Os pés movendo ao transcedente fito.
La mente, che qui luce, in terra fumma;
onde riguarda come può là giùe
quel che non pote perché ’l ciel l’assumma».
“Alma, que é flama aqui, fumo é na terra:
O que no céu jamais saber alcança,
Como ver pode, quando a cinza a encerra?” —
Sì mi prescrisser le parole sue,
ch’io lasciai la quistione e mi ritrassi
a dimandarla umilmente chi fue.
Em tanto enleio o seu dizer me lança,
Que humilde, outras perguntas evitando,
Em lhe saber o nome pus a esp’rança.
«Tra ’ due liti d’Italia surgon sassi,
e non molto distanti a la tua patria,
tanto che ’ troni assai suonan più bassi,
— “De mares dois no meio demorando,
De Florenca não longe, estão rochedos,
Aos trovões sobranceiros se empinando.
e fanno un gibbo che si chiama Catria,
di sotto al quale è consecrato un ermo,
che suole esser disposto a sola latria».
“Catria chama-se a giba dos penedos:
Ao pé se vê um claustro consagrado
Da alma com Deus aos místicos segredos.” —
Così ricominciommi il terzo sermo;
e poi, continüando, disse: «Quivi
al servigio di Dio mi fe’ sì fermo,
Terceira vez o santo me há tornado.
E disse, prosseguindo: — “Nessa ermida
Somente a Deus servir me hei dedicado.
che pur con cibi di liquor d’ulivi
lievemente passava caldi e geli,
contento ne’ pensier contemplativi.
“Com suco de oliveira por comida,
Contente a calma e frio suportava,
Passando ali contemplativo a vida.
Render solea quel chiostro a questi cieli
fertilemente; e ora è fatto vano,
sì che tosto convien che si riveli.
“Nesse retiro ao céu se aparelhava
Ampla seara; estéril tanto agora,
Que o véu já cai que o mal dissimulava.
In quel loco fu' io Pietro Damiano,
e Pietro Peccator fu' ne la casa
di Nostra Donna in sul lito adriano.
“Fui Pedro Damiano; um Pedro outrora
Dito Pecador junto ao Ádria esteve
Na casa em que invocou Nossa Senhora.
Poca vita mortal m’era rimasa,
quando fui chiesto e tratto a quel cappello,
che pur di male in peggio si travasa.
“Da vida me restava espaço breve,
Quando ao claustro arrancado, me cingiram
Chapéu, que a indignas fontes já se deve.
Venne Cefàs e venne il gran vasello
de lo Spirito Santo, magri e scalzi,
prendendo il cibo da qualunque ostello.
“Magros descalços a missão cumpriram,
O Vaso de Eleição e Cefas, tendo
O pão de cada dia, que pediram.
Or voglion quinci e quindi chi rincalzi
li moderni pastori e chi li meni,
tanto son gravi, e chi di rietro li alzi.
“Hoje o pastor, a custo se movendo,
Anda de um lado ao do outro carregado,
Quem o sustente por de trás querendo.
Cuopron d’i manti loro i palafreni,
sì che due bestie van sott’ una pelle:
oh pazïenza che tanto sostieni!».
“Seu manto, o palafrém tendo embuçado,
Dois brutos numa pele está fingindo:
Ó paciência, quanto hás suportado!” —
A questa voce vid’ io più fiammelle
di grado in grado scendere e girarsi,
e ogne giro le facea più belle.
Calou-se.
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