Ou também teria sido bom se ele tivesse sido acometido por uma febre sozinho no hotel e ela tivesse cuidado dele, escrito à sua família, garantindo sua recuperação. Então eles estariam de posse de algo que sua situação real parecia carecer. De qualquer forma, essa se apresentava como boa demais para ser estragada. Assim eles ficaram reduzidos por mais alguns minutos a um questionamento infrutífero sobre por que – já que pareciam conhecer tantas pessoas em comum – seu encontro havia sido adiado por tanto tempo. Eles não usaram o termo, mas demora minuto a minuto para se juntar aos outros era como uma confissão de que eles não queriam que aquilo fosse um fracasso. Suas suposições acerca dos motivos de não terem se encontrado antes apenas demonstravam como sabiam pouco a respeito um do outro. Então de fato chegou um momento em que Marcher teve uma palpitação. Era inútil fingir que ela era uma velha amiga, pois faltavam elementos de comunhão, apesar de ser como uma velha amiga que ele julgava que ela lhe seria adequada. Possuía número suficiente de novos amigos, estava cercado deles, por exemplo, na outra casa; se fosse uma nova amiga ele não lhe teria dado tanta atenção. Ele teria gostado de inventar alguma coisa, fazê-la acreditar que alguma passagem do tipo romântica ou crítica ocorrera originalmente. Estava quase procurando na imaginação – como lutasse contra o tempo – por algo que servisse e dizendo a si mesmo que se nada surgisse esse esboço de recomeço se mostraria completamente arruinado. Eles se separariam, e agora não mais para uma segunda ou terceira oportunidade. Teriam tentado e sido malsucedidos.
Então aconteceu que, justo nessa hora, tudo mais tendo falhado, como mais tarde ele observou para si mesmo, ela decidiu por conta própria assumir o caso, e, por assim dizer, salvar a situação. Tão logo ela falou, ele sentiu que ela vinha guardando conscientemente o que disse, na esperança de não ser preciso dizer; um escrúpulo dela que o tocou fundamente, quando, ao fim de três ou quatro minutos, se sentiu capaz de avaliá-lo. O que ela revelou, de qualquer maneira, veio desanuviar inteiramente o ar e forneceu o elo – o elo que era estranho houvesse ele tão frivolamente conseguido perder:
– Sabe, você me disse uma coisa que nunca consegui esquecer. E que desde então me fez pensar em você muitas vezes. Foi naquele dia em que fazia um calor tremendo, quando atravessamos a baía de Sorrento, só para aproveitar a brisa. Eu me refiro ao que você me disse, na volta, quando estávamos sentados no barco, aproveitando a sombra fresca sob o toldo.Você esqueceu?
Ele havia esquecido, e ficou mais surpreso do que envergonhado. Mas o importante é que não viu naquilo nenhuma lembrança vulgar de alguma “conversa” que houvesse tentado. A vaidade das mulheres tem boa memória, mas ela não lhe estava cobrando um galanteio ou um equívoco. Com outra mulher, que fosse totalmente diferente, ele poderia temer a possível lembrança até mesmo de uma “proposta” idiota. Assim, sendo forçado a dizer que realmente havia esquecido, tinha consciência mais de uma perda que de um ganho; vislumbrou logo um interesse no assunto mencionado:
– Estou tentando me lembrar, mas desisto. No entanto, me lembro daquele dia de Sorrento.
– Não estou muito certa disso – May Bartram respondeu, depois de algum instante: – E não estou muito certa se devo querer que você se lembre. É terrível fazer alguém voltar ao que era dez anos atrás. Se você conseguiu escapar – ela sorriu –, tanto melhor.
– Se você não conseguiu, por que eu deveria conseguir? – ele perguntou.
– Escapar do que eu própria era, você quer dizer?
– Do que eu era. Eu devia ser um idiota – Marcher continuou. – Mas a não saber nada, preferiria saber de você exatamente que espécie de idiota eu era, já que você tem alguma coisa de que se lembra.
Ela, todavia, ainda hesitava:
– E se você deixou por completo de ser como era?
– Bem, então estarei em melhores condições de saber. Além do mais, talvez não tenha deixado.
– Talvez. Mas se não deixou – ela acrescentou –, acho que se lembraria. Não que eu de forma alguma relacione com a minha lembrança a expressão ofensiva que você usou.
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