Se eu o achasse idiota – ela explicou –, a coisa de que estou falando não teria ficado na minha cabeça. Era sobre você próprio.
Ela esperou que ele fosse lembrar; mas como, limitando-se a olhá-la, intrigado, ele não desse sinal disso, queimou as etapas:
– Já aconteceu?
Foi então que, ainda a olhá-la fixamente, ele viu uma luz diante de si e o sangue subiu-lhe lentamente ao rosto, afogueado pela lembrança:
– Quer dizer que eu contei a você? – mas ele vacilou, não fosse exatamente aquilo que havia lembrado, fosse ele apenas se entregar.
– Era alguma coisa sobre você, que naturalmente a gente não esqueceria, a menos que não se lembrasse mais de você. Foi por isso que eu perguntei – ela sorriu – se aquilo que você falou já aconteceu.
Ah, somente agora ele via, mas estava completamente atônito, e se sentiu constrangido. Viu também que isso fez com que ela sentisse pena dele, como se a alusão tivesse sido um erro. Levou algum tempo, todavia, para sentir que não fora um erro, por mais que tivesse sido uma surpresa. Depois daquele pequeno choque, o fato de ela saber, ao contrário, e ainda que fosse estranho, começou a lhe parecer agradável. Era a única outra pessoa no mundo a saber, e ela soubera durante todos aqueles anos, enquanto, para ele, se apagara inexplicavelmente a lembrança de lhe haver transmitido o seu segredo. Não era de se espantar que eles não pudessem se encontrar como se nada houvesse acontecido.
– Acho que sei a que você se refere – ele falou finalmente. – Só me parece estranho é que eu não tenha a menor lembrança de me ter aberto tanto com você.
– Será por que você se abriu também com muitos outros?
– Com ninguém. Absolutamente ninguém, desde então.
– Quer dizer que eu sou a única pessoa a saber?
– A única no mundo.
– Bem – ela respondeu rapidamente. – Eu própria não falei com ninguém. Nunca, mas nunca repeti o que você me disse. – Ela o olhou de maneira a que ele acreditasse no que dizia. Os olhos de ambos se encontraram de tal forma que ele não teve a menor dúvida: – E jamais direi.
Era tamanha a sinceridade dela que, embora quase excessiva, deixou-o à vontade sobre uma possível ironia. De certa maneira o caso todo era uma nova atração para ele – isto é, desde que aquilo era do conhecimento dela. Não tendo assumido uma atitude irônica, ela claramente assumiu uma de simpatia, algo que ele, durante todo esse tempo, jamais tivera de quem quer que fosse. O que sentia era que não estaria em condições de contar-lhe agora, mas poderia se beneficiar, talvez de forma requintada, com o acaso que o levara a fazê-lo anteriormente.
– Então por favor não diga mesmo. Estamos bem, assim como está.
– Oh, eu estou – ela riu –, já que você está! – E acrescentou: – Quer dizer que você ainda se sente da mesma maneira?
Era impossível não concluir que ela estava de fato interessada, embora tudo continuasse a representar para ele uma completa surpresa. Durante tanto tempo se considerara abominavelmente só, e eis que não estava mais nem um pouco sozinho. Não esteve, como se via, por uma hora sequer – desde aquele dia no barco de Sorrento. Ela é que esteve sozinha – era o que ele parecia ver, ao olhá-la –, ela é que assim ficou, em consequência da imperdoável infidelidade dele. Dizer-lhe o que lhe havia dito – o que fizera, senão lhe pedir alguma coisa? Alguma coisa que ela havia dado, na sua compaixão, sem que ele tivesse agradecido através de uma recordação sequer, ao menos um sentimento de retribuição, já que não houvera outro encontro. O que lhe havia pedido a princípio fora simplesmente que não risse dele. Ela o atendera lindamente durante dez anos, assim como o atendia agora. Deveria, pois, manifestar-lhe uma infinita gratidão. Só que para isso, precisava saber exatamente que impressão lhe causara:
– Como foi, exatamente, que eu lhe contei?
– Sobre o que você sentia? Bem, foi muito simples. Contou que sempre teve, desde os primeiros tempos, como a coisa mais profunda dentro de você, a sensação de estar sendo poupado para algo raro e estranho, talvez prodigioso e terrível, que mais cedo ou mais tarde acabaria acontecendo. Que tinha este pressentimento, esta convicção, e que isto seria capaz de esmagá-lo.
– E você chama isso de muito simples? – John Marcher perguntou.
Ela pensou um momento:
– Talvez fosse porque quando você falou eu achei que havia entendido.
– Você entende mesmo? – ele perguntou com intensidade.
De novo ela pousou nele seus olhos suaves:
– Você ainda acredita?
– Oh! – exclamou ele, desamparado. Havia tanta coisa a dizer.
– O que quer que seja, – ela declarou com firmeza – ainda não veio.
Ele balançou a cabeça, agora completamente rendido:
– Ainda não veio. Só que, você sabe, não é nada que eu deva fazer, realizar neste mundo, que me torne famoso ou admirado.
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