Só você sabe, que a forma e a maneira no seu caso eram para ter sido… Bem, alguma coisa de muito excepcional e, pode-se dizer, muito particularmente sua.

Algo naquilo fez com que ele a olhasse, intrigado:

– Você diz era para ter sido como se no íntimo tivesse começado a duvidar.

– Oh! – ela protestou vagamente.

– Como se acreditasse – continuou ele – que nada vai acontecer.

Ela balançou a cabeça lentamente mas de modo inescrutável:

– Você está longe do que estou pensando.

Ele continuou a olhá-la:

– Então o que é que há com você?

– Bem – ela disse ao fim de mais um instante. – O que há comigo é simplesmente que estou mais certa que nunca de que minha curiosidade, como diz você, será muito bem recompensada.

Ambos estavam francamente graves agora; ele havia se erguido da cadeira, e andava mais uma vez pela pequena sala de estar para onde, ano após ano, ele trazia seu assunto inevitável; onde, poder-se-ia dizer, havia participado com ela de uma intensa convivência em todas as suas variantes; onde cada objeto lhe era tão familiar como as coisas de sua própria casa, e os tapetes até já estavam gastos com suas impetuosas passadas, como a mesa das repartições se gasta com o cotovelo de gerações de funcionários. Gerações de seus acessos de inquietação estiveram trabalhando ali, e o lugar era a história escrita de toda a sua meia-idade. Impressionado com o que a amiga acabara de dizer, viu-se, por alguma razão, mais consciente de tudo isso – o que o levou, ao fim de um momento, a deter-se diante dela:

– Será possível que você acabou com medo?

– Medo?

Enquanto ela repetia a palavra, ele achou que a pergunta a fizera mudar um pouco de cor; assim sendo, para o caso de haver tocado numa verdade, resolveu acrescentar, muito delicadamente:

– Lembra-se que foi isso que você perguntou a mim, há muito tempo. Naquele primeiro dia em Weatherend.

– Ah, sim, e você me disse que não sabia… Que eu ia descobrir por mim mesma. Falamos pouco a este respeito desde então, mesmo durante tão longo tempo.

– Exatamente – Marcher interpôs. – Exatamente como se fosse uma questão muito delicada para ser abordada à vontade. Exatamente como se pudéssemos descobrir, sob pressão, que eu estou com medo. Porque nesse caso – ele disse – nós ficaríamos sem saber absolutamente o que fazer, não ficaríamos?

Por ora ela não tinha resposta para esta pergunta:

– Houve ocasiões em que pensei que você estava. Somente, é claro – ela acrescentou, – houve ocasiões em que pensamos quase tudo.

– Em tudo. Oh! – Marcher gemeu brandamente como um meio suspiro, diante da face do segredo que sempre os acompanhava, e agora mais exposta do que nunca durante longo tempo. Sempre houvera imprevisíveis momentos em que esta face o encarava, como através dos olhos da própria Fera, e mesmo estando Marcher já habituado com eles, ainda podiam lhe arrancar um suspiro do mais profundo do seu ser. Tudo o que os dois haviam pensado, desde o princípio, se precipitou sobre ele; o passado parecia ter-se reduzido a mera especulação estéril. Era disto, na verdade, que o lugar acabava de lhe parecer tão cheio – a simplificação de tudo, exceto o estado de expectativa. Este permanecia, somente porque parecia pender no vazio que o circundava. Mesmo o seu medo inicial, se medo fosse, havia se perdido no deserto.

– No entanto – ele continuou, – acho que você pode ver que não estou com medo agora.

– O que vejo, pelo que posso concluir, é que você conseguiu alguma coisa sem precedentes em matéria de se acostumar com o perigo. Vivendo com ele tanto tempo e tão de perto, perdeu a noção dele. Sabe que está ali, mas fica indiferente, e deixou mesmo, como antigamente, de ter que assobiar no escuro. Considerando o que é o perigo – May Bartram concluiu – devo mesmo dizer que acho a sua atitude insuperável.

John Marcher sorriu levemente:

– Heroica?

– Claro. Pode chamá-la assim.

Assim, na verdade, ele gostaria de chamá-la:

– Então sou um homem de coragem?

– É o que você ia me mostrar.

Ele ainda refletia:

– Mas um homem de coragem não sabe do que tem medo e do que não tem? Isto eu não sei, como você vê. Eu não distingo. Não posso dar um nome. Só sei que estou exposto.

– Sim, mas exposto, como direi? Tão diretamente. Tão intimamente. Isto é indiscutível.

– Indiscutível o suficiente para fazer você achar que não estou com medo, como sendo o que poderíamos chamar de fim e desfecho de nossa vigia?

– Você não está com medo. Mas não é – ela disse – o fim de nossa vigia. Quer dizer, não é o fim da sua. Você ainda tem tudo a ver.

– Então por que você não teria? – ele perguntou. Havia tido naquele dia, durante todo o tempo, e ainda tinha, a sensação de que ela omitia alguma coisa. Sendo a primeira vez que observava isso, foi para ele um acontecimento.