Lá sua mãe, “uma alma abnegada”, labutava. “E, enquanto ela lavava a louça, eu saí para vender meu casaco e meu relógio para poder abandoná-la.”

Esse lugar triste é empregado em A guerra dos mundos como um símbolo, pois é na cozinha que os alimentos são preparados para o consumo. Como descobre o padre.

Os marcianos invadiram a Terra para comer bem. O narrador senta-se para fazer uma boa refeição antes de iniciar seu relato. Wells tinha obsessão por comida — pelo ato de comer e pelo de ser comido. Adaptando um velho ditado, pode-se tirar o homem da cozinha, mas não a cozinha do homem. Peter Kemp escreveu um livro inteiro sobre os apetites de Wells, intitulado Wells and the Culminating Ape [Wells e o macaco culminante]. As pessoas em A guerra dos mundos são apresentadas como parte da cadeia alimentar. Os moradores de Woking fogem do fogo marciano “tão cegamente como um bando de ovelhas” foge de uma panela!

O segundo momento em que o passado de Wells inspira sua escrita lança uma luz interessante sobre sua atitude em relação à sociedade. Wells, o socialista, seguia uma impecável linhagem radical. Como William Godwin, achava que a humanidade era perfectível; como Percy Bysshe Shelley, acreditava no Amor Livre. No entanto, esse socialista nunca esteve totalmente do lado do homem. Não acreditava muito na imutabilidade da ordem social. O artilheiro, um personagem desagradável, anseia pela derrocada da sociedade. “Não haverá mais belos concertos durante um milhão de anos”, diz ele. “Nada de Real Academia de Artes e nem de jantarezinhos saborosos em restaurantes.”

Na juventude, Wells conhecera um notável exemplo de mudança social ocorrida de forma pacífica. Sua mãe, Sarah Wells, deixou o pai dele e foi trabalhar como governanta em Uppark, “o casarão” em Sussex. Lady Fetherstonehaugh era a proprietária de Uppark. Começara a vida como leiteira na propriedade, com o nome bastante apropriado de Mary Ann Bullock [Mary Ann “Boi Castrado”]. O senhor das terras se encantou pela moça. Enviou-a para ser educada e refinada em Paris e então se casou com ela. Depois que ele morreu, Lady Fetherstonehaugh governou Uppark em solitário esplendor. Era um exemplo gritante da mobilidade social que o próprio Wells conquistara.

Apesar de frequentemente enfermo, Wells era um sujeito bem-humorado. Pelo menos, simulava bom humor. Enfeitava as cartas para a mãe e amigos com pequenos desenhos cômicos — “picshuas”, como os chamava. Mas, quanto ao aspecto intelectual da cultura, os vitorianos pensantes tinham motivos para sentir-se deprimidos. Lord Kelvin declarara que a massa rochosa sobre a qual todos viviam não duraria mais de 20 milhões de anos. Quando ainda não se compreendia a atividade nuclear, pensava-se que a morte do Sol estava desalentadoramente próxima.

Essas questões foram dramatizadas em A máquina do tempo, publicado em 1895, três anos antes de A guerra dos mundos.

Patrick Parrinder, um grande crítico de Wells, resolveu o mistério relativo ao ano de 802701, tão importante no primeiro livro. “O que falta a A máquina do tempo é a retórica narrativa abertamente profética exemplificada em A guerra dos mundos, onde [...] temos, sem o benefício de uma máquina do tempo, uma narrativa testemunhal de acontecimentos que se dão ‘no começo do século XX’ [...]”

Antes era hábito de muitos romancistas ingleses começar a narrativa com as palavras: “Foi no inverno do ano 18...” ou “No começo do reinado do rei Guilherme IV...”. Essas datas possivelmente indicavam uma época em que o autor era jovem, e supunha-se que as coisas não haviam mudado muito desde então.