Os malignos marcianos são eliminados. Assim como a lição de humildade de Wells.

Havia outras razões além do ensaio de Malthus para que um intelectual do tempo de Wells se tornasse um pouco pessimista. Também havia, por exemplo, a observação de William Thomson, ou Lord Kelvin, sobre a entropia: “Dentro de um período finito de tempo no passado, a Terra deve ter sido, e dentro de um período finito de tempo no futuro a Terra deverá ser, mais uma vez, imprópria para a ocupação humana como atualmente estabelecida”.

Wells já havia relatado esse sombrio final da raça humana em A máquina do tempo. Agora comentava outras teorias, como a de Laplace e sua hipótese nebular, segundo a qual Marte era mais antigo do que a Terra.

Num artigo para uma revista publicado em 1896, Wells discute a possibilidade de vida inteligente em Marte e declara: “Não há dúvida de que Marte é muito parecido com a Terra”. A afirmação era plausível antes que vários voos da Nasa mostrassem que Marte é uma rocha árida e inóspita, destituída de vida e certamente desprovida de qualquer coisa parecida com bípedes inteligentes ou com o público portador de guarda-chuvas dos tempos de Wells.

Wells escrevia sob uma ilusão partilhada por muitos que se interessavam por astronomia na época. Hoje sabemos que Marte não é um planeta senil, apenas inclemente. Mas a visão de Wells sobre a vida marciana está ligada a outra grande descoberta do século XIX que preocupava Wells e outros (e continua nos preocupando neste século) — a teoria da evolução de Darwin.

Wells posterga uma descrição detalhada da anatomia dos marcianos até o Livro II, capítulo 2. Só então ele nos brinda com três páginas de explicações, precedidas pela frase de abertura: “Via agora que eram as criaturas mais extraterrenas que se podia conceber”. Quando já estamos tomados por uma total e científica repugnância, ele afirma com frieza: “Para mim é perfeitamente plausível que os marcianos tenham descendido de seres parecidos com os humanos”. Afinal, quem sabe o que podemos nos tornar? Como diz Wells: “Nós, homens, [...] estamos apenas no começo da evolução que os marcianos já conquistaram”.

Além disso, outro aspecto repulsivo dos invasores marcianos revelado mais adiante no livro talvez derive de uma afirmação de Darwin em A origem das espécies. No capítulo intitulado “A luta pela existência”, Darwin declara: “A ação do clima parece à primeira vista totalmente independente da luta pela existência; mas, como age principalmente na redução dos alimentos, o clima causa a mais violenta luta entre os indivíduos [...] que dependem do mesmo tipo de alimento para subsistir”. Sem dúvida, o clima mais frio do Planeta Vermelho teria intensificado essa luta, como compreendeu Wells.

Podemos ver que A guerra dos mundos é um compêndio de muitos interesses do século XIX. É claro que não se limita a isso, pois esses interesses estão urdidos numa trama extraordinária e fascinante. É a pedra fundamental de todas as histórias sobre invasões alienígenas, impressas ou filmadas. Seguindo o exemplo de Wells, surgiriam muitas outras histórias em que o mundo, ou pelo menos a Inglaterra, é devastado. Entre elas estão A nuvem da morte, de Conan Doyle, The Day of the Triffids [O dia das trífides], de John Wyndham, The Death of Grass [A morte do pasto], de John Christopher, The Wind from Nowhere [O vento de lugar nenhum], de J. G. Ballard, O macaco e a essência, de Aldous Huxley, e Herdeiros da Terra, de minha autoria. O perigo e o interesse de escrever sobre esses temas é, ao desafiar o “senso comum”, não cair na tolice comum. Wells é hábil nesse aspecto.

Mas, no subgênero catástrofe, são os insensíveis marcianos que levam a coroa de louros.

Costuma-se pensar que romances científicos e de ficção científica estão distantes da experiência do autor. Esse nunca é o caso; o que somos percorre nossas ficções, muitas vezes sem que o percebamos. Aquilo que está oculto na mente revela-se claramente no papel. Como escreveu Mary Shelley em sua introdução a Frankenstein ou o Prometeu Moderno (1818): “A inventividade, é preciso admitir humildemente, não consiste em criar do vazio, e sim do caos; a matéria-prima deve, primeiro, estar à disposição: a inventividade pode dar forma a substâncias disformes e obscuras, mas não é capaz de criar substância em si”. Era o caso de Wells; ele detinha um amplo estoque de substâncias disformes e obscuras.

Isso se torna claro em dois momentos. Quando o narrador fica aprisionado com o padre na casa em ruínas, descobrimos que se trata de uma armadilha imunda e semissubterrânea. Eles estão confinados à área de serviço da casa parcialmente destruída. Temos aqui uma reconstrução da área de serviço da Casa Atlas onde, na infância de Wells, sua mãe mourejou durante anos. A esqualidez e o desconforto daquele lugar acompanharam Wells por toda a vida. Como Orwell depois dele, Wells sabia que a sujeira tem significado político. Essa área de serviço volta a ser descrita — com pesar — no romance Os dias do cometa, na Seção III, capítulo 4.

Ele a retrata em parte como “uma região úmida, repugnante, quase toda subterrânea [...] tornada mais do que tipicamente suja em nosso caso porque o depósito de carvão, uma negra e imunda boca escancarada, dava para o recinto e espalhava pequenas partículas mastigáveis sobre o irregular chão de tijolos”.