Juntas, as duas palavras indicam o conteúdo, ainda que de forma menos evidente e interessante do que o título final do romance. Em retrospecto, o próprio Wells criticava a “inaptidão desse título rococó para uma invenção da matemática”.

O ponto principal dessa primeira narrativa é, em essência, o mesmo do romance: acompanhamos um inventor excêntrico que cria uma máquina capaz de viajar no tempo. Todo o resto — desenvolvimento da história, ambientação e temas — é completamente diferente. Podemos começar citando o fato de que o protagonista original tinha um nome esdrúxulo, dr. Moses Nebogipfel. O prenome alude, obviamente, ao personagem bíblico que recebe de Deus as tábuas com os dez mandamentos, enquanto o sobrenome deriva de uma mistura das palavras para “céu”, em russo (nebo), e “cume”, em alemão (Gipfel). O enredo original, tingido de leve por uma atmosfera de horror gótico que era moda à época,7 girava em torno da chegada desse homem à antiquada vila de Llyddwdd, no País de Gales, onde ocupa uma casa deixada vaga após a morte de seus antigos moradores. Relembrando, de forma satírica, a própria experiência de Wells em Wrexham, a vila toda, formada por pessoas simples do meio rural, se volta contra o doutor, suspeitando que fosse um “necromante”, um “bruxo”, após uma série de ocorrências que eles acreditam ser obra de magia negra. Quando a vila se reúne para invadir a casa e queimar o “bruxo” — no melhor estilo de tochas e ancinhos em punho, como é o lugar-comum cinematográfico —, o doutor, no entanto, consegue escapar em sua máquina do tempo, levando consigo um companheiro, o Reverendo Cook. Ao leitor contemporâneo, fica inevitavelmente sugerida uma comparação com o célebre seriado Doctor Who, também britânico, no qual um viajante misterioso embarca em aventuras pelo tempo, sempre acompanhado de um companheiro ou companheira. Mas não se devem menosprezar as proximidades com o enredo do outro clássico de Wells, O homem invisível (também publicado na presente coleção).

Wells não foi o primeiro a conceber uma viagem no tempo. A literatura conta com alguns casos anteriores a 1888, quando ele começou a escrever. Além de certos mitos orientais — nos quais a viagem de um personagem a um lugar lendário, onde o tempo passa mais devagar, o faz encontrar em seu retorno um mundo completamente mudado —, temos alguns exemplos entre os séculos XVIII e XIX de viagens ao futuro através do artifício de um sono prolongado,8 como se observa nos romances L’An 2440, rêve s’il en fût jamais (1770), de Louis-Sébastien Mercier, e, o caso mais famoso, Rip Van Winkle (1819), de Washington Irving. O romance utópico Looking Backward, de Edward Bellamy, publicado no mesmo ano de “Argonautas”, é outro exemplo relevante. No caso de viagens para o passado (ou futuro, dependendo do ponto de vista), podemos citar Memoirs of the Twentieth Century (1733), formado por uma série de cartas datadas dos anos 1997 e 1998, que teriam sido recebidas e reveladas misticamente ao autor anônimo da obra. Esse romance, de natureza satírica, que, hoje se sabe, foi escrito pelo irlandês Samuel Madden, imaginava um futuro “catastrófico” dominado por católicos e jesuítas (Madden era anglicano).

É no século XIX que temos uma variedade de casos interessantes, como “Um conto de Natal” (1846), de Dickens, no qual ao protagonista é dado ver o passado e o futuro (embora isso não configure exatamente uma viagem real no tempo); Paris avant les hommes (1861), de Pierre Boitard, no qual o narrador viaja ao passado e encontra animais pré-históricos; Hands Off (1881), de Edward Everett Hale, no qual o protagonista volta no tempo e impede o acontecimento de uma história bíblica, alterando o futuro; e The Clock That Went Backward (1881), de Edward Page Mitchell, em que um relógio mágico, ao ter seus ponteiros girados na direção contrária, permite inverter o fluxo do tempo. Porém, tirando o exemplo de Dickens, até hoje um dos prosadores mais famosos do mundo inglês, e o caso de Bellamy, de que trataremos adiante, não é possível afirmar que Wells tenha lido qualquer uma dessas obras.

Convém observar ainda que em todos esses casos a viagem se dá por meios místicos, mágicos ou sobrenaturais. A grande inovação de Wells foi ter concebido, a sério, a ideia de um dispositivo que poderia ser construído pela engenhosidade da ciência humana. Uma vez compreendido o funcionamento do tempo, uma mente suficientemente brilhante poderia dominá-lo com a mesma facilidade com que se dominam outros fenômenos, usando a mecânica, a termodinâmica e a eletricidade, como se via em máquinas, motores a vapor e lâmpadas elétricas, que cada vez mais moldavam o mundo moderno em torno de Wells. Como explica o dr. Nebogipfel ao Reverendo Cook: “Não alego qualquer envolvimento com coisas espirituais. Trata-se, em toda a boa-fé, de um aparelho mecânico, uma coisa enfaticamente deste mundo sórdido mesmo.” Até hoje, inclusive, designamos essa engenhoca hipotética da ficção científica nos termos de Wells: a máquina do tempo.

A única exceção entre os seus antecessores, e grande coincidência, foi o romance El anacronópete, do autor espanhol Enrique Gaspar y Rimbau (1842-1902), publicado um ano antes dos “Argonautas”, em Barcelona. Nele, Gaspar concebeu uma máquina para viajar no tempo feita a partir da tecnologia humana. O “anacronópete” do título refere-se a um imenso caixote de metal voador, que funciona à base de eletricidade. No entanto — e por isso acrescentamos a expressão “a sério” no parágrafo anterior —, o teor da obra é diferente. Wells, ainda que tenda ao satírico, produz um conto e um romance essencialmente sérios, ao passo que Gaspar havia a princípio concebido seu romance como uma opereta cômica e mantém um tom leve e picaresco, com situações burlescas envolvendo soldados espanhóis e prostitutas francesas a bordo da sua máquina miraculosa. Também há diferenças de concepção quanto ao funcionamento da viagem no tempo. Wells, como cientista, se aproxima bastante do modelo da física real, enquanto em Gaspar o tempo está ligado à atmosfera e sua máquina opera revertendo o fluxo temporal, de modo que quem não estiver coberto com um “fluido de inalterabilidade” deixa de existir ao voltar ao passado. Não se pode falar em influências, no entanto, porque El anacronópete infelizmente não teve grande sucesso, e Wells nunca o leu.