Ele sentia que os intelectuais socialistas eram demasiadamente moderados, descolados da realidade e não desejavam mudanças radicais o suficiente. Por outro lado, ele próprio demonstrava profunda antipatia pela classe trabalhadora. Anos mais tarde, já em 1934, numa conversa com ninguém menos do que Josef Stálin, Wells teria argumentado que o proletariado até pode ser capaz de tomar o poder na luta de classes, mas sem o apoio de uma elite técnica intelectual ele não seria capaz de fazer nada com o poder conquistado. Segundo o pesquisador John Hammond, as raízes dessa desconfiança podem ter relação com as rivalidades entre os alunos de classe média da academia do sr. Morley e os alunos de classe trabalhadora da Escola Nacional, que culminavam em grandes batalhas juvenis enfrentadas à base de porretes e pauladas nas ruas de Bromley, e que marcaram a infância de Wells.

Essas tensões entre a desconfiança pelas classes baixas e a postura de ridicularizar certas características de intelectuais socialistas são parte da figura complexa e por vezes contraditória de Wells, podendo ser observadas já em A máquina do tempo. Ele mais tarde viria a abandonar a Sociedade Fabiana e, apesar de ter defendido uma sociedade centralizada na figura de um Estado Mundial socialista em seu ensaio de 1905 A Modern Utopia, suas ideias com o tempo viriam a se tornar cada vez mais alinhadas ao pensamento liberal.

Ao sair da Normal School, Wells passou um tempo no País de Gales, em Holt, condado de Wrexham, na fronteira com a Inglaterra, lecionando na Holt Academy. A experiência foi um fiasco, porém, pois a vila de Holt era um lugar esquálido, composto de casebres em meio a uma paisagem desolada, cujos habitantes desconfiavam de Wells, denunciado como inglês por seu sotaque. Numa das muitas partidas de futebol que os alunos jogavam para matar o tempo, ele acabou ferido no abdome, lesionando um rim. A experiência é recontada com profundo desgosto em sua autobiografia,4 porém foi uma das primeiras ocasiões em que ele sentiu vontade de escrever ficção, concluindo em Holt o primeiro esboço do conto que deu origem ao romance A máquina do tempo, intitulado “Os Argonautas Crônicos” e incluído nos anexos da presente edição. A lesão o levou a abandonar a vila e a retornar a Uppark. Depois, recuperado, ele partiu para Stoke-on-Trent, em Staffordshire, cujas paisagens industriais marcadas por imensas olarias inspiraram o conto macabro “The Cone” (1895), originalmente concebido como parte do que viria a ser uma obra maior ambientada na região.

Wells retorna a Londres no verão de 1888, como professor de biologia e vivendo de forma precária até conseguir um emprego na Henley House School. Em 1890 ele consegue seu diploma em zoologia e geologia e torna-se tutor de biologia na University Correspondence College. No ano seguinte, escreve seu primeiro ensaio filosófico, “The Rediscovery of the Unique”, e, buscando se aperfeiçoar como professor, torna-se membro do College of Preceptors, sociedade de professores preocupados com os padrões de ensino. Entre 1892 e 1893, compõe e publica uma série de apostilas de biologia, fisiografia e geografia. Uma hemorragia no pulmão, no entanto, põe fim à sua carreira como professor em 1893, obrigando-o a um tempo de repouso em Eastborne. Outras reviravoltas em sua vida acontecem nesse ínterim: a separação em 1894 de sua prima Isabel Mary Wells, com quem se casara três anos antes, o que afetou profundamente suas opiniões sobre sexualidade, e seu envolvimento, no mesmo ano, com uma ex-aluna, chamada Amy Catherine Robbins. O apoio de Robbins, com quem Wells permaneceria casado até a morte os separar em 1927, foi crucial para ele ter desenvolvido uma carreira literária. Diz o biógrafo John Hammond:

Por muitos anos ela foi sua secretária, gerente de negócios e ajudante constante. Datilografava seus romances, administrava suas questões financeiras, supervisionava o lar e o protegia de muitos dos aborrecimentos mesquinhos que afligem a vida de um romancista de sucesso. ... Ela foi uma força estabilizadora para o seu temperamento naturalmente anárquico e rebelde. Disciplinava sua indisciplina e dava à sua vida uma estabilidade e dignidade que, do contrário, faltariam. Ela organizava seus negócios com competência e discernimento, e há dúvidas se ele teria escrito de forma tão consistente ou com tal padrão de qualidade sem o seu apoio resoluto.5

Por fim, incapaz de lecionar, Wells começa a escrever para jornais, publicando na Pall Mall Gazette um textinho de tom humorístico chamado “On the art of staying at the seaside”, no dia 7 de agosto de 1893. Foi o primeiro de muitos. Sua sorte estava prestes a mudar.

Começo de carreira

Enquanto esteve em Stoke-on-Trent, Wells concebeu o primeiro esboço do que viria a ser A máquina do tempo. O conto original, consideravelmente mais curto (cerca de 8 mil palavras apenas, divididas em quatro capítulos), foi publicado em formato seriado, entre abril e junho de 1888, no Science Schools Journal. O título “Os Argonautas Crônicos” é facilmente explicável: os argonautas, na mitologia grega, formavam o grupo de heróis tripulantes do navio Argo, companheiros de Jasão em sua busca pelo velocino de ouro, antes da Guerra de Troia. O termo, portanto, traz consigo esse sentido de viajante, de alguém envolvido numa jornada. Já o adjetivo “crônico” está ligado ao Tempo — o deus Chronos,6 em grego.