Encarregado pelo imperador de levar ordens ao marechal Soult, que devia defender a França da invasão inglesa no Béarn, o coronel d’Aiglemont aproveitava a missão para afastar a esposa dos perigos que ameaçavam então Paris, e a conduzia à casa de uma velha parenta em Tours. Em breve a carruagem rodava pelo calçamento de Tours, pela ponte, pela rua principal, até chegar à antiga mansão onde morava a ex-condessa de Listomère-Landon.
A condessa de Listomère-Landon era uma dessas belas senhoras idosas de tez pálida, de cabelos brancos, que têm um sorriso fino, que parecem carregar cestos e usam uma touca cuja moda é desconhecida. Retratos septuagenários do século de Luís XV, essas mulheres são quase sempre carinhosas, como se ainda amassem; menos piedosas do que devotas, e menos devotas do que parecem ser; sempre exalando a pó de arroz, boas contadoras de histórias, melhores conversadoras ainda, e rindo mais de uma lembrança que de um gracejo. A atualidade desagrada-lhes. Quando uma velha criada veio anunciar à condessa (pois em breve ela haveria de retomar seu título) a visita de um sobrinho que não via desde o começo da guerra da Espanha, ela tirou vivamente os óculos, fechou a galeria da antiga corte, seu livro favorito, e recobrou uma certa agilidade para chegar até o patamar da escada no momento em que os dois esposos subiam os degraus.
A tia e a sobrinha trocaram um rápido olhar.
– Bom dia, querida tia, exclamou o coronel agarrando e abraçando a velha com precipitação. Trago-lhe uma jovem para cuidar. Venho confiar-lhe meu tesouro. Minha Júlia não é vaidosa nem ciumenta; tem a doçura de um anjo... E espero que não vá estragar-se aqui, disse ele, interrompendo-se.
– Engraçadinho!, respondeu a condessa lançando-lhe um olhar brincalhão.
Com uma graça amável, tomou a iniciativa de beijar Júlia, que permanecia pensativa e parecia mais embaraçada que curiosa.
– Então vamos nos conhecer, minha querida?, retomou a condessa. Não se assuste comigo, procuro jamais ser velha na companhia dos moços.
Antes de chegar ao salão, a condessa, segundo o hábito da província, já havia mandado preparar o almoço para os dois hóspedes; mas o conde interrompeu a eloquência da tia dizendo-lhe num tom sério que dispunha apenas do tempo que levaria para a troca dos cavalos da carruagem. Assim, os três parentes entraram sem demora no salão e o coronel mal teve tempo de contar à sua tia-avó os acontecimentos políticos e militares que o obrigavam a pedir-lhe asilo para sua jovem esposa. Durante o relato, a tia olhava alternadamente para o sobrinho, que falava sem ser interrompido, e para a sobrinha, cuja palidez e a tristeza pareceram-lhe causadas por essa separação forçada. Tinha o ar de quem diz a si mesma: “Ah! estou vendo que esses dois se amam”.
Nesse instante, estalos de chicote ressoaram no velho pátio silencioso cujo piso era desenhado por trechos de grama. Vítor abraçou mais uma vez a condessa e saiu rapidamente.
– Adeus, querida, disse ele beijando a mulher que o seguira até a carruagem.
– Oh!, Vítor, deixa-me acompanhar-te um pouco mais, ela disse com voz carinhosa, não gostaria de te deixar...
– Pensas nisso?
– Pois bem!, então adeus, replicou Júlia, já que queres assim.
A carruagem partiu.
– Ama muito meu pobre Vítor?, perguntou a condessa à sobrinha, interrogando-a com um desses olhares sabidos que as velhas lançam aos jovens.
– Infelizmente, senhora!, respondeu Júlia. Não se deve amar um homem para desposá-lo?
Essa última frase foi acentuada por um tom de ingenuidade que traía ao mesmo tempo um coração puro ou profundos mistérios. Ora, seria bem difícil a uma mulher amiga de Duclos e do marechal de Richelieu[2] não procurar adivinhar o segredo do jovem casal. Tia e sobrinha estavam nesse momento no limiar do portão da garagem, ocupadas em olhar a caleche que se afastava. Os olhos de Júlia não exprimiam o amor como sua tia o compreendia. A velha senhora era da Provença e suas paixões tinham sido fortes.
– Deixou-se então prender pelo patife do meu sobrinho?, ela perguntou à sobrinha.
A condessa estremeceu involuntariamente, pois o acento e o olhar dessa velha elegante pareceram anunciar-lhe um conhecimento do caráter de Vítor mais profundo talvez que o dela. A senhora d’Aiglemont, inquieta, envolveu-se numa desajeitada dissimulação, primeiro refúgio dos corações ingênuos e sofredores. A senhora de Listomère contentou-se com as respostas de Júlia; mas pensou com satisfação que sua solidão ia ser alegrada por algum segredo de amor, pois sua sobrinha pareceu-lhe ter alguma intriga interessante a contar. Quando a senhora d’Aiglemont viu-se no grande salão, forrado de tapeçarias com molduras douradas, e sentou-se diante de uma grande lareira, protegida dos ventos da janela por um biombo chinês, sua tristeza não pôde mais se dissipar. Era difícil brotar a alegria sob velhos lambris, entre móveis seculares. Todavia, a jovem parisiense sentiu um certo prazer em entrar nessa solidão profunda e no silêncio solene da província. Após trocar algumas palavras com a tia, a quem escrevera anteriormente uma carta de recém-casada, permaneceu silenciosa como se escutasse música de ópera. Foi somente após duas horas de um recolhimento digno da Trapa que percebeu sua impolidez para com a tia, notou que lhe dera apenas respostas frias. A velha senhora respeitara o capricho da sobrinha por aquele instinto cheio de bondade que caracteriza as pessoas de antigamente. Nesse momento ela fazia tricô. Na verdade, ausentara-se várias vezes para ocupar-se de um certo quarto verde que seria o dormitório da condessa e onde os criados da casa colocavam as bagagens; mas agora voltara a instalar-se numa grande poltrona e observava furtivamente a jovem. Envergonhada por ter-se entregue à sua irresistível meditação, Júlia tentou desculpar-se zombando de si mesma.
– Minha querida, conhecemos a dor das viúvas, respondeu a tia.
Seria preciso ter quarenta anos para adivinhar a ironia que os lábios da velha senhora exprimiram.
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