Não sentindo nem o desejo de rever a paisagem nem a curiosidade de saber quem era o cavaleiro cujo cavalo galopava tão furiosamente, reacomodou-se no fundo da caleche e seus olhos fixaram-se na garupa dos cavalos sem manifestar nenhuma espécie de sentimento. Tinha um ar tão estúpido quanto o de um camponês bretão ouvindo o sermão de um padre. Um jovem, montado num cavalo de raça, surgiu de repente de um bosque de álamos e espinheiros floridos.
– É um inglês, disse o coronel.
– Oh, meu Deus! Sim, meu general, replicou o postilhão. Ele é da raça dos rapazes que querem, dizem, comer a França.
O desconhecido era um desses viajantes que se achavam no continente quando Napoleão deteve todos os ingleses em represália ao atentado cometido contra o direito dos povos pelo gabinete de Saint-James, por ocasião da ruptura do tratado de Amiens. Submetidos ao capricho do poder imperial, nem todos esses prisioneiros permaneceram nas residências onde foram detidos, nem naquelas que a princípio tiveram a liberdade de escolher. A maior parte dos que habitavam nesse momento a Touraine foram para lá transferidos de diversos pontos do império, onde sua presença parecera comprometer os interesses da política continental. O jovem cativo que nesse momento espairecia o tédio matinal era uma vítima do poder burocrático. Havia dois anos, uma ordem do ministério das Relações Exteriores o arrancara ao clima de Montpellier, onde a ruptura da paz o surpreendeu outrora quando buscava curar-se de uma doença pulmonar. No momento em que esse jovem reconheceu um militar na pessoa do conde d’Aiglemont, apressou-se em evitar seus olhares e virou bruscamente a cabeça em direção aos prados do Cise.
– Todos esses ingleses são insolentes como se o mundo lhes pertencesse, disse o coronel resmungando. Mas Soult vai dar-lhes uma lição.
Ao passar diante da caleche, o prisioneiro voltou os olhos para ela. Apesar da brevidade de seu olhar, pôde então admirar a expressão de melancolia que dava ao rosto pensativo da condessa um certo encanto indefinível. Há muitos homens cujo coração é fortemente comovido pela simples aparência do sofrimento numa mulher: para eles a dor parece ser uma promessa de constância ou de amor. Inteiramente absorta na contemplação de uma almofada da caleche, Júlia não deu atenção nem ao cavalo nem ao cavaleiro. O tirante fora sólida e prontamente consertado. O postilhão procurou recuperar o tempo perdido e conduziu rapidamente os dois viajantes pela pista que costeia os rochedos suspensos no seio dos quais amadurecem os vinhos de Vouvray, de onde sobressaem tão belas casas, onde se veem ao longe as ruínas da célebre abadia de Marmoutiers, o retiro de São Martinho.
– Que quer afinal esse diáfano milorde?, exclamou o coronel, voltando a cabeça para certificar-se de que o cavaleiro que desde a ponte do Cise seguia a carruagem era o jovem inglês.
Como o desconhecido não violava nenhuma norma de conveniência ao seguir pela beira da pista, o coronel recolheu-se no canto da caleche após ter lançado um olhar ameaçador ao inglês. Mas não pôde, apesar da involuntária inimizade, deixar de observar a beleza do cavalo e a graça do cavaleiro. O jovem tinha um desses rostos britânicos cuja tez é tão fina, a pele tão suave e branca, que às vezes levam a pensar que pertencem ao corpo delicado de uma moça. Era louro, magro e alto. Sua roupa tinha o requinte e a limpeza que distingue os elegantes da recatada Inglaterra. Dir-se-ia que ele corava mais por pudor que por prazer à visão da condessa. Uma única vez Júlia ergueu os olhos para o estrangeiro; mas o fez de certo modo obrigada pelo marido, que queria fazê-la admirar as pernas de um cavalo puro-sangue. Os olhos de Júlia encontraram então os do tímido inglês. A partir desse momento, o fidalgo, em vez de conduzir seu cavalo próximo à caleche, passou a acompanhá-la a uma maior distância. A condessa mal observou o desconhecido. Não notou nenhuma das perfeições humanas e equestres que lhe eram assinaladas, e recolheu-se no fundo da carruagem após esboçar um leve movimento de sobrancelhas em sinal de aprovação ao marido. O coronel voltou a dormir, e os dois chegaram a Tours sem trocar uma única palavra e sem que as deslumbrantes paisagens do cenário variado por onde viajavam atraíssem uma só vez a atenção de Júlia. Quando o marido adormeceu, a senhora d’Aiglemont o contemplou várias vezes. No último olhar que lhe dirigiu, um solavanco fez cair sobre os joelhos da jovem esposa um medalhão preso ao pescoço por uma corrente de luto, e o retrato do pai apareceu-lhe de repente. A essa visão, lágrimas até então reprimidas escorreram-lhe dos olhos. O inglês talvez tenha visto os vestígios úmidos e brilhantes que essas lágrimas deixaram por um momento nas faces pálidas da condessa, mas que logo secaram.
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