Minha atitude durante o momento solene que consagrava um vínculo cuja extensão me era oculta não foi isenta de reproches. Mais de uma vez meu pai procurou reprimir meu comportamento, pois eu manifestava alegrias julgadas inconvenientes, e minhas palavras revelavam malícia justamente por não terem malícia. Fiz mil puerilidades com o véu nupcial, com o vestido e as flores. Ao ficar sozinha, à noite, no quarto para onde fora conduzida com pompa, imaginei alguma travessura para intrigar Vítor; e, ao esperar que ele viesse, sentia o coração palpitar como outrora nas noites solenes de 31 de dezembro, quando, sem ser notada, introduzia-me no salão onde os presentes estavam amontoados. Quando meu marido entrou, quando me procurou, meu riso abafado sob as musselinas que me envolviam foi o último cintilar daquela doce alegria que animava as brincadeiras de nossa infância...

Quando a velha senhora acabou de ler essa carta que, começando assim, devia conter observações muito tristes, ela pôs lentamente os óculos sobre a mesa, devolveu em seguida a carta e pousou na sobrinha dois olhos verdes cujo brilho claro ainda não diminuíra com a idade.

– Minha filha, disse, uma mulher casada não poderia escrever assim a uma amiga sem faltar às conveniências...

– É o que eu pensava, respondeu Júlia interrompendo a tia, e sentia vergonha de mim enquanto a senhora lia...

– Se à mesa um prato não nos parece bom, não devemos tirar o apetite alheio, prosseguiu a velha com bonomia, sobretudo quando, desde Eva até os nossos dias, o casamento parece algo tão excelente... Já não tens mãe?, perguntou.

A condessa estremeceu; depois ergueu suavemente a cabeça e disse: “Mais de uma vez, de um ano para cá, senti a falta de minha mãe; mas cometi o erro de não ter escutado meu pai, que não queria Vítor como genro.

Olhou a tia e um tremor de alegria secou suas lágrimas ao perceber o ar de bondade que animava aquele velho rosto. Estendeu-lhe a mão, que ela parecia solicitar e, quando seus dedos se estreitaram, as duas mulheres acabaram de se compreender.

– Pobre órfã!, disse a tia.

Essas palavras foram um último raio de luz para Júlia. Ela acreditou ouvir ainda a voz profética do pai.

– Você tem as mãos quentes! São sempre assim?, perguntou a tia.

– A febre só me deixou há sete ou oito dias, ela respondeu.

– Tinha febre e não me contou!

– Há um ano a tenho tido, disse Júlia com uma espécie de ansiedade pudica.

– Então, meu anjo, retomou a tia, o casamento tem sido para você apenas um longo penar?

A jovem não ousou responder; mas fez um gesto afirmativo que traía todos os seus sofrimentos.

– Sente-se infeliz?

– Oh! não, minha tia. Vítor me ama com idolatria, e eu o adoro, ele é tão bom!

– Sim, você o ama; mas o evita, não é?

– Sim... às vezes... Ele procura-me com demasiada frequência.

– Não fica perturbada na solidão pelo temor de que ele não venha surpreendê-la?

– Infelizmente sim, minha tia. Mas o amo muito, asseguro-lhe.

– Será que não se acusa em segredo por não saber ou não poder partilhar seus prazeres? Não pensa às vezes que o amor legítimo é mais duro de suportar que uma paixão criminosa?

– Oh! é isso, disse ela chorando. A senhora adivinha tudo, quando tudo é enigma para mim. Meus sentidos estão embotados, não sei o que pensar; enfim, vivo com dificuldade. Minha alma é oprimida por uma apreensão indefinível que gela meus sentimentos e lança-me num torpor contínuo. Não tenho voz para queixar-me nem palavras para exprimir minha dor. Sofro, e envergonho-me de sofrer vendo Vítor feliz com aquilo que me mata.

– Criancices, bobagens!, exclamou a tia, cujo rosto seco animou-se de repente num sorriso jovial, reflexo das alegrias de sua mocidade.

– E a senhora ainda ri!, disse com desespero a jovem.

– Também fui assim, retomou prontamente a tia. Agora que Vítor a deixou sozinha, voltou a ser menina, tranquila; sem prazeres, mas sem sofrimentos, não é verdade?

Júlia arregalou os olhos com estupor.

– Enfim, meu anjo, você adora Vítor, não é? Mas preferiria ser sua irmã do que sua esposa, e o casamento a decepcionou.

– Sim, é verdade, minha tia. Mas por que sorrir?

– Oh! tem razão, minha pobre criança. Em tudo isso não há nada muito engraçado. Mais de uma infelicidade pesaria sobre seu futuro se eu não a tomasse sob minha proteção e se minha velha experiência não soubesse adivinhar a causa muito inocente de suas mágoas. O tolo do meu sobrinho não merece a felicidade que tem! No reinado de nosso bem-amado Luís XV, uma jovem esposa que estivesse na sua situação teria logo punido o marido por comportar-se como um verdadeiro mercenário. O egoísta! Os militares desse tirano imperial são todos reles ignorantes. Tomam a brutalidade como galanteria, não conhecem as mulheres nem sabem amá-las; pensam que enfrentar a morte no dia seguinte os dispensa, na véspera, de cuidados e atenções para conosco. Outrora, sabia-se o momento de amar e de morrer. Minha sobrinha, ensinarei isso a ele. Porei um fim à triste discordância, muito natural, que os levaria a odiar um ao outro, a desejar o divórcio, isto se você não tiver morrido antes de chegar ao desespero.

Júlia escutava sua tia com espanto e estupor, surpresa de ouvir palavras cuja sabedoria era mais pressentida do que compreendida por ela, e muito assustada de reencontrar na boca de uma parenta cheia de experiência, mas de uma forma mais suave, a opinião emitida por seu pai sobre Vítor. Deve ter tido uma forte intuição de seu futuro, e certamente sentiu o peso dos infortúnios que haveriam de acabrunhá-la, pois desatou a chorar e lançou-se nos braços da velha senhora, dizendo-lhe: “Seja minha mãe!”. A tia não chorou, pois a Revolução deixou às mulheres da antiga monarquia poucas lágrimas nos olhos. Outrora o amor e mais tarde o Terror as familiarizaram com as mais pungentes peripécias, de modo que elas conservam em meio aos perigos da vida uma dignidade fria, uma afeição sincera, mas sem efusão, que lhes permite serem sempre fiéis à etiqueta e a uma nobreza de atitude que os novos costumes cometeram o grande erro de repudiar.