de Sérizy era a mulher que lhe roubara o coração do marido. Entregou-se a um devaneio de desespero e pareceu muito ocupada em observar o fogo. Vítor girava entre os dedos o guarda-fogo com o ar entediado de um homem que, após ter sido feliz alhures, traz para casa o cansaço da felicidade. Após bocejar várias vezes, pegou um candelabro com uma das mãos e com a outra procurou languidamente o pescoço de sua mulher, querendo beijá-lo; mas Júlia baixou a cabeça, apresentou-lhe a testa e recebeu o beijo da noite, aquele beijo maquinal, sem amor, espécie de esgar que lhe pareceu então odioso. Quando Vítor fechou a porta, a marquesa caiu sobre um assento; suas pernas vacilaram e ela desatou a chorar. É preciso ter sofrido o suplício de uma cena análoga para compreender tudo o que esta encerra de dores, para adivinhar os longos e terríveis dramas que ela enseja. Aquelas palavras simples e insignificantes, aqueles silêncios entre os dois esposos, os gestos, os olhares, a maneira como o marquês havia sentado diante da lareira, sua atitude ao querer beijar o pescoço da mulher, tudo servira para fazer dessa hora um trágico desfecho da vida solitária e sofredora de Júlia. Em sua loucura, ela ajoelhou-se diante do divã, nele afundou o rosto para não ver nada, e rezou, dando às palavras habituais de sua oração um acento íntimo, uma significação nova que teriam dilacerado o coração do marido, se ele as escutasse. Durante oito dias permaneceu preocupada com seu futuro, atormentada por sua infelicidade, que ela examinava buscando os meios de não mentir a seu coração, de reconquistar sua ascendência sobre o marquês e de viver o tempo suficiente para zelar pela felicidade da filha. Resolveu então lutar com sua rival, reaparecer na sociedade, nela brilhar; fingir pelo marido um amor que ela não podia mais sentir, seduzi-lo; depois, quando por artifícios o tivesse subjugado a seu poder, ser coquete com ele como o são as mulheres caprichosas que sentem prazer em atormentar seus amantes. Essa artimanha odiosa era o único remédio possível a seus males. Assim, ela seria dona de seus sofrimentos, os ordenaria a seu bel-prazer e os tornaria mais raros ao mesmo tempo que subjugava o marido, domando-o sob um despotismo terrível. Não sentiu mais nenhum remorso de impor-lhe uma vida difícil. De um salto, lançou-se aos cálculos frios da indiferença. Para salvar a filha, adivinhou de repente as perfídias, as mentiras das criaturas que não amam, os embustes da coqueteria e os ardis atrozes que fazem odiar profundamente a mulher em quem os homens supõem corrupções inatas. Sem que Júlia percebesse, sua vaidade feminina, seu interesse e um vago desejo de vingança conciliaram-se com seu amor materno para lançá-la por um caminho onde novas dores a esperavam. Porém, tinha a alma bela demais, o espírito delicado demais e sobretudo franqueza demais para continuar sendo cúmplice dessas fraudes. Habituada a ler em si mesma, ao primeiro passo no vício – pois era de vício que se tratava – o grito de sua consciência haveria de abafar o das paixões e do egoísmo. De fato, numa jovem mulher cujo coração é ainda puro, e no qual o amor permaneceu virgem, o sentimento mesmo da maternidade submete-se à voz do pudor. E não é o pudor a mulher inteira? Mas Júlia não quis perceber nenhum perigo, nenhum erro em sua nova vida. Compareceu à casa da sra. de Sérizy. Sua rival esperava ver uma mulher pálida, enfraquecida; a marquesa enfeitou-se com ruge e apresentou-se em todo o brilho de um vestuário que realçava ainda mais sua beleza.

A condessa de Sérizy era uma dessas mulheres que pretendem exercer em Paris uma espécie de domínio sobre a moda e sobre a sociedade; ditava sentenças que, aceitas no círculo onde reinava, pareciam-lhe universalmente adotadas; tinha a pretensão de criar frases lapidares; era soberanamente julgadora. Literatura, política, homens e mulheres, nada escapava à sua censura; e a sra. de Sérizy parecia desafiar a dos outros. Sua casa era em tudo um modelo de bom gosto. No meio desses salões repletos de mulheres elegantes e belas, Júlia triunfou da condessa. Espirituosa, viva, esperta, teve a seu redor os homens mais distintos da noite. Para o desespero das mulheres, sua apresentação era impecável, e todas invejaram-lhe o corte do vestido, a forma de um corpete cujo efeito foi atribuído ao gênio de uma costureira desconhecida, pois as mulheres preferem acreditar na ciência dos vestidos do que na graça e na perfeição daquelas que sabem usá-los. Quando Júlia levantou-se para ir ao piano cantar a romança de Desdêmona, os homens acorreram de todos os salões para ouvir aquela célebre voz, muda há tanto tempo, e fez-se um silêncio profundo.