A marquesa sentiu uma forte emoção ao ver as cabeças amontoadas às portas e todos os olhares fixos nela. Procurou o marido, lançou-lhe um olhar cheio de coqueteria e percebeu com prazer que nesse momento seu amor-próprio era extraordinariamente lisonjeado. Feliz por esse triunfo, encantou o auditório com a primeira parte de Al piu salice. Jamais a Malibran nem a Pasta tinham feito ouvir cantos com tal perfeição de sentimento e de entoação; porém, no momento da reprise, percebendo entre os ouvintes Arthur, cujo olhar fixo não a deixava, estremeceu vivamente e sua voz alterou-se. A sra. de Sérizy lançou-se de onde estava em direção à marquesa.
– O que houve, minha querida? Oh! pobrezinha, está tão doente! Eu temia vê-la empreender algo acima de suas forças...
A romança foi interrompida. Júlia, despeitada, não teve mais coragem de prosseguir e submeteu-se à compaixão pérfida da rival. Todas as mulheres cochicharam; depois, comentando esse incidente, adivinharam a luta iniciada entre a marquesa e a sra. de Sérizy, que não pouparam em suas maledicências. Os bizarros pressentimentos que haviam agitado Júlia viam-se subitamente realizados. Ao pensar em Arthur, ela comprazera-se em acreditar que um homem aparentemente tão doce, tão delicado, devia ter permanecido fiel a seu primeiro amor. Às vezes envaidecera-se de ser o objeto dessa bela paixão, a paixão pura e verdadeira de um homem jovem, cujos pensamentos pertencem todos à sua amada, cujos momentos lhe são todos dedicados, que cora com o que faz corar uma mulher, que pensa como uma mulher, que não lhe dá rivais e a ela entrega-se sem pensar na ambição, na glória ou na fortuna. Ela havia sonhado tudo isso de Arthur, por doidice, por distração; e de repente acreditou ver seu sonho realizado. Leu no rosto quase feminino do jovem inglês os pensamentos profundos, as melancolias doces, as resignações dolorosas de que ela mesma era vítima. Reconheceu-se nele. A infelicidade e a melancolia são os intérpretes mais eloquentes do amor, e comunicam-se entre dois seres sofredores com incrível rapidez. Neles, a visão íntima e a assimilação intuitiva das coisas ou das ideias são completas e justas. Assim, a violência do choque que a marquesa recebeu revelou-lhe todos os perigos do futuro. Feliz por achar um pretexto à sua perturbação em seu estado habitual de fraqueza, deixou-se de bom grado abater pela engenhosa piedade da sra. de Sérizy. A interrupção da romança era um acontecimento sobre o qual conversavam diversamente várias pessoas. Umas deploravam a sorte de Júlia, e lamentavam que uma mulher tão notável estivesse perdida para a vida social; outras queriam saber a causa de seus sofrimentos e da solidão na qual vivia.
– Então! meu caro Ronquerolles, dizia o marquês ao irmão da sra. de Sérizy, invejavas minha felicidade ao ver a sra. d’Aiglemont e me censuravas por ser-lhe infiel, não é mesmo? Pois acharias minha sorte muito pouco desejável se ficasses, como eu, em presença de uma bela mulher, durante um ou dois anos, sem ousar beijar-lhe a mão, por receio de machucá-la. Nunca te envolvas com essas flores delicadas, boas somente para pôr em redoma, e cuja fragilidade, cujo alto valor nos obrigam a sempre respeitar. Não é a isso que te obriga teu belo cavalo, para o qual receais, segundo me disseram, a chuva e a neve? Eis aí minha história. É verdade que estou seguro da virtude de minha esposa, mas meu casamento é um artigo de luxo; e, se me julgas casado, te enganas. Assim minhas infidelidades são de certo modo legítimas. Vocês riem, mas gostaria muito de saber o que fariam em meu lugar. Poucos homens têm tantas deferências para sua esposa quanto eu.
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