Estou certo, acrescentou em voz baixa, que a sra. d’Aiglemont não suspeita de nada. Assim, seria um grande erro queixar-me: sou muito feliz... Só que nada é mais aborrecido para um homem sensível do que ver sofrer uma pobre criatura à qual é afeiçoado...

– És tão sensível que raramente estás em casa, respondeu o sr. de Ronquerolles.

Esse epigrama amistoso fez rir os circunstantes, entre os quais se achava Arthur. Mas este permaneceu frio e imperturbável, como um gentleman que adotou a gravidade como base de seu caráter. As estranhas palavras desse marido certamente despertaram algumas esperanças no jovem inglês, que aguardou com paciência o momento em que pudesse estar a sós com o sr. d’Aiglemont, e a ocasião apresentou-se em seguida.

– Senhor, disse-lhe Arthur, observo com infinito pesar o estado da senhora marquesa. Se soubesse que, por falta de um regime adequado, ela pode morrer miseravelmente, penso que não gracejaria sobre seus sofrimentos. Se lhe falo assim, é por sentir-me de algum modo autorizado pela certeza de poder salvar a sra. d’Aiglemont e de restituir-lhe a vida e a felicidade. É pouco comum que um homem da minha condição seja médico; todavia, o acaso quis que eu estudasse medicina. Ora, aborreço-me bastante, disse ele fingindo um frio egoísmo que servia a seus propósitos, para que me seja indiferente despender meu tempo e minhas viagens em proveito de um ser sofredor, em vez de satisfazer tolas fantasias. A cura desse tipo de doença é rara porque requer muitos cuidados, tempo e paciência; sobretudo é preciso ter dinheiro, viajar, seguir escrupulosamente prescrições que variam todo dia e nada têm de desagradável. Somos dois cavalheiros, disse ele, dando a essa palavra a acepção do termo inglês gentleman, e podemos nos entender. Asseguro-lhe que, se aceitar minha proposta, o senhor será a todo momento o juiz de minha conduta. Nada empreenderei sem seu conselho, sua vigilância, e respondo pelo sucesso se consentir em obedecer-me. Sim, se consentir em não ser por algum tempo o marido da sra. d’Aiglemont, disse-lhe ao ouvido.

– Não resta dúvida, milorde, disse o marquês rindo, que só um inglês poderia fazer-me uma proposta tão estranha. Permita-me não recusá-la nem aceitá-la, pensarei no assunto. Além disso, devo primeiro consultar minha esposa.

Nesse momento, Júlia havia voltado ao piano. Ela cantou a ária de Semiramis [Rossini], Son regina, son guerriera. Aplausos unânimes, mas aplausos surdos, por assim dizer, as aclamações polidas do bairro Saint-Germain mostraram o entusiasmo que ela provocou.

Quando d’Aiglemont regressou à sua mansão com a esposa, Júlia viu com certo prazer inquieto o rápido êxito de suas tentativas. Seu marido, despertado pelo papel que ela acabava de representar, quis honrá-la com um desejo momentâneo e a cortejou como teria feito com uma atriz. Júlia achou engraçado que ela, virtuosa e casada, fosse tratada assim; procurou jogar com seu poder e, nessa primeira luta, sua bondade a fez sucumbir mais uma vez; mas essa foi a mais terrível de todas as lições que o destino lhe reservava. Por volta de duas ou três horas da madrugada, Júlia estava sentada no leito conjugal, sombria e pensativa; a luz incerta de uma lamparina iluminava fracamente o quarto, o silêncio mais profundo ali reinava; já fazia cerca de uma hora que a marquesa, entregue a pungentes remorsos, vertia lágrimas cuja amargura só pode ser compreendida pelas mulheres que viveram a mesma situação. Era preciso ter a alma de Júlia para sentir como ela o horror de uma carícia calculada, para melindrar-se por um beijo frio; apostasia do coração agravada ainda mais por uma dolorosa prostituição. Ela menosprezava-se, maldizia o casamento, queria estar morta; e, não fosse um grito dado pela filha, talvez tivesse se precipitado pela janela. O sr. d’Aiglemont dormia tranquilamente a seu lado, sem ser despertado pelas lágrimas quentes que a esposa deixava cair sobre ele.