Não perdera seu eu interior a faculdade de apreciar as impressões daquela novidade deliciosa que dá tanta alegria à vida? No futuro, a maior parte dessas sensações apagar-se-iam logo ao chegar, e muitas das que outrora a comoviam tornar-se-iam indiferentes. Depois da infância da criatura vem a infância do coração. Ora, seu amado havia levado para o túmulo essa segunda infância. Jovem ainda por seus desejos, não possuía mais aquela inteira juventude de alma que dá valor e sabor a tudo na vida. Não conservaria dentro dela um princípio de tristeza, de desconfiança, que arrebataria de suas emoções um súbito verdor, uma exaltação? Pois nada mais podia devolver-lhe a felicidade que havia esperado, que havia sonhado tanto. Suas primeiras lágrimas verdadeiras extinguiam o fogo celeste que ilumina as primeiras emoções do coração, ela sofreria sempre por não ser o que poderia ter sido. Dessa crença deve provir a amarga aversão que faz desviar a cabeça quando o prazer de novo se apresenta. Ela julgava então a vida como um velho prestes a deixá-la. Mesmo sentindo-se jovem, a quantidade de seus dias sem alegria pesava-lhe sobre a alma, esmagava-a e envelhecia-a precocemente. Perguntava ao mundo, com um grito de desespero, o que lhe daria em troca do amor que a ajudara a viver e que ela perdera. Perguntava a si mesma se, em seus amores perdidos, tão castos e puros, o pensamento não fora mais criminoso que a ação. Fazia-se culpada sem motivo para insultar o mundo e para consolar-se de não ter tido com aquele por quem chorava a comunhão perfeita que, sobrepondo as almas uma à outra, diminui a dor da que fica pela certeza de ter usufruído inteiramente a felicidade, de ter sabido dá-la plenamente, e de conservar em si a marca da que não existe mais. Sentia-se descontente como uma atriz que desempenhou mal seu papel, pois essa dor atacava-lhe todas as fibras, o coração e a cabeça. Se a natureza fora machucada em seus desejos mais íntimos, a vaidade não estava menos ferida que a bondade que leva a mulher a sacrificar-se. Depois, tendo levantado todas as questões, revolvido todos os impulsos das diferentes existências que nos dão as naturezas social, moral e física, ela relaxava tanto as forças da alma que, no meio das reflexões mais contraditórias, nada podia compreender. Assim, às vezes, quando descia o nevoeiro, ela abria a janela e ficava ali sem pensar, ocupada em respirar maquinalmente o cheiro úmido e terroso espalhado nos ares, de pé, imóvel, como um idiota, pois o zumbido de sua dor tornava-a igualmente surda às harmonias da natureza e aos encantos do pensamento.

Um dia, por volta do meio-dia, no momento em que o sol clareava o tempo, a criada entrou sem ser chamada e disse-lhe:

– O senhor cura está aí pela quarta vez para ver a senhora marquesa; e hoje insiste tão decididamente que não sabemos mais o que lhe responder.

– Certamente quer dinheiro para os pobres da comuna; pegue vinte e cinco luíses e dê a ele em meu nome.

– Senhora, disse a criada voltando pouco depois, o senhor cura recusa receber o dinheiro e deseja lhe falar.

– Que venha então!, respondeu a marquesa deixando escapar um gesto que prognosticava uma triste recepção ao padre, cujas importunações ela certamente queria evitar por uma explicação curta e franca.

A marquesa perdera a mãe quando criança, e sua educação fora naturalmente influenciada pelo abandono, durante a Revolução, dos laços religiosos na França. A piedade é uma virtude feminina que somente as mulheres transmitem bem, e a marquesa era uma filha do século XVIII cujas crenças filosóficas foram as de seu pai. Não seguia nenhuma prática religiosa. Para ela, um padre era um funcionário público cuja utilidade parecia-lhe contestável. Na situação em que se encontrava, a voz da religião só podia envenenar seus males; além disso, não acreditava muito nos curas de aldeia nem em suas luzes; resolveu portanto deixar as coisas bem claras, sem acrimônia, e desembaraçar-se à maneira dos ricos, por um donativo. O cura entrou e seu aspecto não modificou as ideias da marquesa. Viu um homenzinho gordo de ventre saliente, de rosto avermelhado, mas velho e enrugado, que fingia sorrir e sorria mal; o crânio calvo e transversalmente sulcado por muitas rugas caía em quarto de círculo sobre a face e diminuía-lhe o tamanho; alguns cabelos brancos guarneciam a base da cabeça acima da nuca e avançavam até as orelhas. Contudo, a fisionomia desse padre era a de um homem naturalmente alegre. Os lábios grossos, o nariz ligeiramente arrebitado, o queixo, que desaparecia numa dupla dobra de pregas, testemunhavam um caráter feliz. A princípio a marquesa percebeu apenas esses traços principais; mas, às primeiras palavras que ouviu do padre, ficou impressionada com a doçura daquela voz; observou-o mais atentamente e reparou em seus olhos, sob as sobrancelhas grisalhas, que haviam chorado; e o contorno da face, visto de perfil, dava à cabeça uma expressão tão augusta de dor, que a marquesa reconheceu um homem naquele cura.

– Senhora marquesa, os ricos só nos pertencem quando sofrem; e os sofrimentos de uma mulher casada, jovem, bela, rica, que não perdeu nem filhos nem pais, adivinham-se e são causados por feridas cujas dores só podem ser suavizadas pela religião. Sua alma está em perigo, senhora. Não lhe falo neste momento da outra vida que nos espera! Não, não estou no confessionário. Mas não faz parte de meu dever esclarecê-la sobre o futuro de sua existência social? A senhora perdoará assim a um velho uma importunidade cujo objeto é a sua felicidade.

– A felicidade, senhor, não existe mais para mim. Em breve pertencer-lhe-ei, como diz, mas para sempre.

– Não, a senhora não morrerá da dor que a oprime e manifesta-se em seu rosto. Se tivesse que ter morrido, não estaria em Saint-Lange.