Se uma mulher jovem perde um recém-nascido, o amor conjugal em breve lhe dará um sucessor. Essa aflição também é passageira. Enfim, esses e muitos outros sofrimentos semelhantes são, de certo modo, golpes, feridas; mas nenhum afeta a vitalidade em sua essência, e é preciso que eles se sucedam estranhamente para matar o sentimento que nos leva a buscar a felicidade. A grande, a verdadeira dor seria portanto um mal suficientemente mortífero para extinguir ao mesmo tempo o passado, o presente e o futuro, não deixar nenhuma parte da vida em sua integridade, desnaturar para sempre o pensamento, gravar-se inalteravelmente nos lábios e na fronte, cortar ou debilitar os impulsos do prazer, instilando na alma um princípio de aversão por todas as coisas deste mundo. Além disso, para ser imenso, para assim pesar sobre a alma e sobre o corpo, esse mal deveria acontecer num momento da vida em que todas as forças da alma e do corpo são jovens, e fulminar um coração vigoroso. Então o mal produz uma enorme ferida; grande é o sofrimento, e ninguém pode livrar-se dessa doença sem uma mudança poética: ou ele toma o caminho do céu, ou, se continua vivendo, retorna ao mundo para mentir ao mundo, para nele desempenhar um papel; e assim conhece os bastidores onde as pessoas se retiram para calcular, chorar, gracejar. Após essa crise solene, não existem mais mistérios na vida social, a partir de então irrevogavelmente julgada. Entre as mulheres jovens que têm a idade da marquesa, essa primeira, essa mais pungente de todas as dores é sempre causada pelo mesmo fato. A mulher, e sobretudo a mulher jovem, tão grande pela alma quanto pela beleza, jamais deixa de pôr sua vida ali onde a natureza, o sentimento e a sociedade impelem-na a lançar-se inteiramente. Se essa vida fracassa e não se recupera, ela experimenta os mais cruéis sofrimentos, em razão do que faz o primeiro amor ser o mais belo de todos os sentimentos. Por que essa infelicidade jamais encontrou um pintor ou um poeta? Mas poderá ela ser pintada, poderá ser cantada? Não, a natureza das dores que ela engendra recusa-se à análise e às cores da arte. Aliás, esses sofrimentos jamais são confiados: para consolá-los numa mulher, é preciso saber adivinhá-los; pois, sempre amargamente abraçados e religiosamente sentidos, eles permanecem na alma como uma avalanche que, ao cair num vale, destrói tudo antes de nele se acomodar.
A marquesa estava então exposta a esses sofrimentos que permanecerão por muito tempo desconhecidos, porque tudo no mundo os condena, muito embora o sentimento os afague e a consciência de uma mulher verdadeira os justifique sempre. Essas dores são como aquelas crianças infalivelmente deserdadas da vida, e que se conservam no coração das mães por vínculos mais fortes que os dos filhos bem-dotados. Talvez jamais essa espantosa catástrofe que destrói tudo o que há de vida fora de nós tenha sido tão intensa, tão completa, tão cruelmente agravada pelas circunstâncias, quanto acabava de ser para a marquesa. Um homem amado, jovem e generoso, a quem ela nunca satisfizera os desejos a fim de obedecer às leis do mundo, estava morto para salvar-lhe o que a sociedade chama a honra de uma mulher. A quem ela podia dizer: “estou sofrendo!”? Suas lágrimas teriam ofendido o marido, causa primeira da catástrofe. As leis, os costumes proscreviam seus lamentos; uma amiga teria se deliciado com eles, um homem teria se aproveitado deles. Não, essa pobre mulher aflita só podia chorar à vontade num deserto, nele devorar seu sofrimento ou ser devorada por ele, morrer ou matar alguma coisa dentro de si, sua consciência, talvez. Há vários dias ela permanecia com olhos fixos num horizonte plano no qual, como em sua vida por vir, nada havia a buscar, nada a esperar, no qual tudo era visto num único relance, e no qual encontrava as imagens da fria desolação que lhe dilacerava incessantemente o coração. As manhãs de neblina, um céu de pálida claridade, nuvens baixas passando sob uma abóbada cinzenta correspondiam às fases de sua doença moral. Seu coração não se comprimia, não estava minguando aos poucos; não, sua natureza viçosa e florida petrificava-se pela lenta ação de uma dor intolerável porque sem-fim. Ela sofria por ela e para ela. Sofrer assim não é pôr o pé no egoísmo? Assim, pensamentos horríveis atravessavam-lhe a consciência ferindo-a. Interrogava-se com boa-fé e descobria-se dupla. Havia dentro dela uma mulher que raciocinava e uma mulher que sentia, uma mulher que sofria e uma mulher que não queria mais sofrer. Reportava-se às alegrias da infância, transcorrida sem que tivesse percebido sua felicidade, e cujas límpidas imagens voltavam em bando como para acusar-lhe as decepções de um casamento conveniente aos olhos da sociedade, mas na realidade horrível. De que lhe haviam servido os belos pudores da juventude, os prazeres reprimidos e os sacrifícios feitos ao mundo? Embora tudo nela exprimisse e aguardasse o amor, perguntava qual a razão, agora, da harmonia de seus movimentos, de seu sorriso e de sua graça. Assim como cansa ouvir um som infindavelmente repetido, ela não gostava mais de sentir-se viçosa e voluptuosa. Até mesmo sua beleza era-lhe insuportável, como algo inútil. Entrevia com horror que dali por diante não podia mais ser uma criatura completa.
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