Entre a maior parte dos assistentes e dos militares, diziam-se adeuses talvez eternos; mas todos os corações, mesmo os mais hostis ao imperador, dirigiam ao céu votos ardentes pela glória da pátria. Os homens mais fatigados pela luta iniciada entre a Europa e a França haviam, todos, abandonado seus ódios ao passarem sob o arco do triunfo, compreendendo que, na hora do perigo, Napoleão era a França inteira. O relógio do castelo soou meia hora. Nesse momento o burburinho da multidão cessou e o silêncio foi tão profundo que se teria ouvido a voz de uma criança. O velho e a filha, que pareciam viver só pelos olhos, distinguiram então um ruído de esporas e um tilintar de espadas que repercutiram sob o sonoro peristilo do castelo.

Um homem baixo, bastante gordo, vestindo um uniforme verde, culote branco e botas de cano alto, surgiu de repente tendo à cabeça um chapéu de três pontas tão prestigioso quanto ele próprio; a larga fita vermelha da Legião de honra flutuava em seu peito, uma pequena espada pendia-lhe da ilharga. O homem foi visto por todos os olhos, ao mesmo tempo e de todos os pontos da praça. Imediatamente, os tambores rufaram em continência, as duas orquestras iniciaram uma frase cuja expressão guerreira foi repetida por todos os instrumentos, da mais suave das flautas até o bumbo. A esse belicoso chamado, as almas estremeceram, as bandeiras saudaram, os soldados apresentaram armas num movimento unânime e regular que ergueu os fuzis da primeira à última fila no Carrossel. Ordens de comando propagaram-se de fila em fila como ecos. Gritos de “Viva o imperador!” foram lançados pela multidão entusiasmada. Tudo enfim vibrou, agitou-se, estremeceu. Napoleão estava montado a cavalo. Esse movimento imprimira vida às massas silenciosas, dera uma voz aos instrumentos, um impulso aos estandartes e às bandeiras, uma emoção a todas as figuras. Os muros das altas galerias do velho palácio pareciam também gritar: Viva o imperador! Não foi algo de humano, foi uma magia, um simulacro da potência divina, ou melhor, uma breve imagem desse reinado tão fugaz. O homem cercado de tanto amor, entusiasmo, devoção, desejos, para quem o sol havia afastado as nuvens do céu, permaneceu sobre seu cavalo, três passos à frente do pequeno esquadrão dourado que o seguia, tendo o grande marechal à sua esquerda, o marechal de serviço à sua direita. Entre tantas emoções por ele excitadas, nenhum traço de seu rosto pareceu se comover.

– Oh! meu Deus, sim. Em Wagram, no meio do combate, em Moscou, entre os mortos, ele está sempre tranquilo como Batista, ele!

Essa resposta a numerosas interrogações foi dada pelo granadeiro que se achava junto à jovem. Durante um momento, Júlia ficou absorta na contemplação daquela figura, cuja calma indicava tão grande segurança de poder. O imperador percebeu a senhorita de Chatillonest e, inclinando-se em direção a Duroc, disse-lhe uma frase curta que fez sorrir o grande marechal. As manobras começaram. Se até então a jovem dividira sua atenção entre a figura impassível de Napoleão e as fileiras azuis, verdes e vermelhas das tropas, neste momento ela ocupou-se quase exclusivamente, em meio aos movimentos rápidos e regulares executados pelos velhos soldados, de um jovem oficial que corria a cavalo entre as linhas móveis, e voltava com infatigável atividade para o grupo à frente do qual brilhava o singular Napoleão. Esse oficial montava um soberbo cavalo negro e fazia-se distinguir, no meio dessa multidão agaloada, pelo belo uniforme azul-celeste dos ajudantes de ordens do imperador. Suas insígnias faiscavam tão intensamente ao sol, e o penacho de seu barrete estreito e longo emitia cintilações tão fortes, que os espectadores poderiam compará-lo a um fogo-fátuo, a uma alma invisível encarregada pelo imperador de animar, de conduzir esses batalhões cujas armas ondulantes lançavam chamas, quando, a um simples sinal de seus olhos, dividiam-se, reuniam-se, rodopiavam como as águas de um sorvedouro, ou passavam diante dele como as ondas altas, longas e retas que o oceano furioso dirige a suas praias.

Quando as manobras terminaram, o ajudante de ordens correu a todo galope e deteve-se diante do imperador para aguardar suas ordens. Nesse momento ele estava a vinte passos de Júlia, defronte ao grupo imperial, numa atitude muito semelhante à que Gérard deu ao general Rapp[1] no quadro da batalha de Austerlitz. A jovem pôde então admirar seu namorado em todo o esplendor militar. O coronel Vítor d’Aiglemont, com apenas trinta anos de idade, era alto, bem-proporcionado, esbelto; e seu belo corpo sobressaía melhor que nunca quando empregava a força para governar um cavalo cujo dorso elegante e flexível parecia curvar-se abaixo dele. Seu rosto másculo e moreno possuía aquele encanto inexplicável que uma perfeita regularidade de traços comunica a rostos jovens. A testa era alta e larga, os olhos de fogo, protegidos por sobrancelhas espessas e com longos cílios, desenhavam-se como duas ovais brancas entre duas linhas negras. O nariz tinha a graciosa curvatura de um bico de águia. O púrpura dos lábios era realçado pelas sinuosidades do inevitável bigode preto.