Os campanários de sua velha catedral alteiam-se nos ares, onde confudiam-se então com as criações caprichosas de algumas nuvens brancas. Para além da ponte sobre a qual a carruagem se detivera, o viajante percebe à sua frente, acompanhando o Loire até Tours, uma cadeia de rochas que, por um capricho da natureza, parece ter sido colocada para conter o rio cujas águas escavam incessantemente a pedra, espetáculo que sempre causa espanto ao viajante. A aldeia de Vouvray está como que aninhada nas gargantas e nas erosões dessas rochas, que começam a descrever um ângulo diante da ponte do Cise. De Vouvray a Tours, as impressionantes anfractuosidades dessa colina dilacerada são habitadas por uma população de vinhateiros. Em mais de um local há três andares de casas, escavados na rocha e reunidos por perigosas escadas talhadas diretamente na pedra. No terraço de uma delas, uma menina de saia vermelha brinca em seu jardim. A fumaça de uma chaminé eleva-se entre os sarmentos e a parra nascente de uma vinha. Lavradores cultivam campos perpendiculares. Uma velha, tranquila sobre um trecho de rocha desmoronada, gira a roca sob as flores de uma amendoeira, e sorri ao ver passar a seus pés os viajantes assustados. Ela não se inquieta com as rachaduras no chão nem com as ruínas pendentes de um velho muro cuja base é retida apenas pelas tortuosas raízes de um manto de hera. O martelo dos tanoeiros faz ressoar as abóbadas de adegas aéreas. Enfim, em toda parte a terra é cultivada e em toda parte é fecunda, ali onde a natureza recusou terra à indústria humana. Assim nada se compara, no curso do Loire, ao rico panorama que a Touraine oferece aos olhos do viajante. O tríplice quadro dessa cena, cujos aspectos estão apenas indicados, proporciona à alma um daqueles espetáculos que ela guarda para sempre na lembrança; e, quando um poeta o contemplou, seus sonhos vêm com frequência reconstruir-lhe fabulosamente os efeitos românticos. No momento em que a carruagem chegou à ponte do Cise, várias velas brancas surgiram entre as ilhas do Loire e deram uma nova harmonia a esse lugar harmonioso. O cheiro dos salgueiros à beira do rio acrescentava perfumes penetrantes ao gosto da brisa úmida. Os pássaros faziam ouvir seus prolixos concertos; o canto monótono de um guardador de cabras juntava-lhes uma certa melancolia, enquanto os gritos dos barqueiros anunciavam uma agitação distante. Sonolentos vapores, caprichosamente parados em volta das árvores dispersas nessa vasta paisagem, nela imprimiam um último encanto. Era a Touraine em toda a sua glória, a primavera em todo o seu esplendor. Essa parte da França, a única que os exércitos estrangeiros não haveriam de perturbar, era nesse momento a única tranquila, e dir-se-ia que desafiava a Invasão.

Uma cabeça coberta por um casquete mostrou-se fora da caleche assim que ela parou de rodar; logo um militar impaciente abriu ele mesmo a portinhola e saltou na estrada como que disposto a repreender o postilhão. A inteligência com que este, natural da Touraine, consertava o tirante rompido tranquilizou o coronel conde d’Aiglemont, que voltou à portinhola estendendo os braços como para distender seus músculos adormecidos; bocejou, olhou a paisagem e pôs a mão no braço de uma jovem senhora cuidadosamente envolta num manto de peliça.

– Vamos, Júlia, disse ele com voz um pouco rouca, desperta para observar a paisagem! É magnífica.

Júlia pôs a cabeça fora da caleche. Um gorro de marta cobria-lhe a cabeça e as dobras do manto forrado no qual se envolvia dissimulavam tão bem suas formas que se via apenas sua face. Júlia d’Aiglemont já não se parecia mais com a moça que há um ano corria com alegria e felicidade à revista das tropas nas Tulherias. Seu rosto, ainda delicado, estava privado das cores róseas que outrora lhe davam um brilho tão intenso. Os tufos negros dos cabelos despenteados na umidade da noite faziam sobressair a brancura do rosto cuja vivacidade parecia entorpecida. Em seus olhos, porém, brilhava uma luz sobrenatural; mas abaixo das pálpebras viam-se manchas violetas em suas faces fatigadas. Ela examinou com olhar indiferente os campos do Cher, o Loire e suas ilhas, Tours e os longos rochedos de Vouvray; depois, sem querer olhar o deslumbrante vale do Cise, recolheu-se prontamente no fundo da caleche e disse com uma voz que ao ar livre parecia de extrema fraqueza: – Sim, é admirável.

Como se vê, ela havia, para a sua infelicidade, triunfado do pai.

– Júlia, não gostarias de viver aqui?

– Oh! aqui ou em qualquer lugar, disse ela com indiferença.

– Estás aborrecida? perguntou-lhe o coronel d’Aiglemont.

– Em absoluto, ela respondeu com uma vivacidade momentânea. Sorrindo, contemplou o marido e acrescentou: – Tenho vontade de dormir.

O galope de um cavalo ressoou repentinamente. Vítor d’Aiglemont soltou a mão da esposa e virou a cabeça para o ângulo que a estrada formava nesse local. No momento em que Júlia não foi mais vista pelo coronel, a expressão de alegria que ela dera a seu pálido rosto sumiu como se uma luz frouxa cessasse de iluminá-lo.