A Pedra da Lua



APRESENTAÇÃO
(ORELHAS E ENCARTE)
A PEDRA DA LUA é um dos mais importantes romances ingleses do século XIX. Nele, Wilkie Collins fez, pela primeira vez, a ponte entre a literatura folhetinesca de aventura e um novo gênero que, sem saber, começava a inventar: o romance policial. Um grande livro de mistério que leva os leitores de exóticos templos indianos aos mais elegantes salões ingleses na pista de um preciosíssimo diamante, sobre o qual repousa uma grande maldição.
A PEDRA DA LUA nasceu como folhetim, publicado na revista de Charles Dickens All Year Round entre 4 de janeiro e 8 de agosto de 1868. O sucesso foi imediato, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos e no resto da Europa, a partir de sua publicação em livro no mesmo ano. Collins, um respeitado escritor, consagrava-se junto ao público. Já as benesses da crítica em relação a sua obra demoraram. Só há algumas décadas reconheceu-se em seu romance o valor de clássico atemporal dado àqueles livros que não apenas influenciaram as gerações posteriores, mas que continuam encantando e mostrando um retrato vívido da sociedade que os inspirou.
Inconsciente do que fazia, Collins criou elementos fundamentais do policial: há um detetive, que reúne pistas para solucionar um crime misterioso, que pode ter sido cometido por qualquer um dos inúmeros suspeitos. A PEDRA DA LUA não é, porém, um exemplo pronto de ficção detetivesca. Collins escrevia mistérios e thrillers e não chegou a explorar todas as possibilidades do novo gênero em romances posteriores, o que foi feito por autores que, com certeza, leram suas obras, como Arthur Conan Doyle, o verdadeiro inventor da estrutura clássica das aventuras de detetive.
A PEDRA DA LUA continua surpreendendo. É um romance muito bem escrito, que transporta os leitores a um mundo fantástico onde místicos indianos, bandidos baratos, dandies com enormes dívidas e o melhor da sociedade inglesa usam todos os métodos imagináveis para se apossar de uma gema que vale milhares de libras. Um dos mais populares clássicos ingleses do século XIX.
Capa: Porto+Martinez
Ilustrações: Marcello Gaú
Biografia rápida
Wilkie Collins nasceu em Londres em 1824, filho de um pintor especializado em paisagens. Na juventude, ingressa na faculdade de direito, onde conhece Charles Dickens. Os dois tornam-se grandes amigos e chegam a escrever um livro juntos, O Abismo, lançado em 1867. A influência de Collins na obra de Dickens é perceptível, principalmente na caracterização de personagens à margem da sociedade dos salões vitorianos, coisa que a literatura daquela época não conseguia fazer sem escândalo.
Wilkie Collins morreu na Inglaterra, em 1889, aos 65 anos.
A PEDRA DA LUA
PROLÓGO
A Invasão de Seringapatam (1799)
EXTRAÍDO DE UM REGISTRO FAMILIAR
I
Destino estas linhas — escritas na Índia — a meus parentes na Inglaterra.
Meu intuito é explicar o motivo que me induziu a recusar o aperto de mão que meu primo, John Herncastle, ofereceu-me em sinal de amizade. A reserva que até então mantive em relação a esse assunto foi mal interpretada por membros da minha família de cuja boa opinião não posso prescindir. Insto-os a suspender sua decisão até que tenham lido minha narrativa. E declaro, sob minha palavra de honra, que o que estou prestes a escrever é, estrita e literalmente, a verdade.
A diferença pessoal entre mim e meu primo surgiu em um grande acontecimento público no qual ambos estávamos implicados — a invasão de Seringapatam, sob o comando do General Baird, no dia 4 de maio de 1799.
Para que as circunstâncias possam ser compreendidas com clareza, devo voltar por um instante para o período anterior à invasão e para as histórias que corriam em nosso acampamento sobre o tesouro de joias e ouro guardado no palácio de Seringapatam.
II
Uma das mais impressionantes dessas histórias dizia respeito a um Diamante Amarelo — uma gema famosa nos anais da índia.
As mais antigas tradições conhecidas relatam que a pedra havia sido incrustada na testa do deus hindu de quatro mãos que representa a lua. Seja por sua cor peculiar, seja por uma superstição segundo a qual sofria a influência da divindade que adornava, ganhando e perdendo o brilho de acordo com as fases da lua, a pedra ganhou o nome pelo qual até hoje continua a ser conhecida na Índia — Pedra da Lua. Ouvi dizer que uma superstição similar já existia na Grécia e Roma antigas; sem se referir, no entanto (como na índia), a um diamante dedicado ao serviço de um deus, mas sim a uma pedra semitransparente da ordem inferior das gemas, também supostamente afetada por influências lunares, que até hoje é conhecida, da mesma forma, por esse nome.
As aventuras do Diamante Amarelo começam no décimo primeiro século da era cristã.
Nessa data, o conquistador muçulmano Mahmoud de Ghizni atravessou a índia, apoderou-se da cidade sagrada de Somnauth e roubou os tesouros do famoso templo, erguido séculos antes, santuário da peregrinação hindu e maravilha do mundo oriental.
De todas as divindades veneradas no templo, apenas o deus da lua escapou da ganância dos conquistadores muçulmanos. Protegida por três brâmanes, a imagem inviolada, com a testa adornada pelo Diamante Amarelo, foi removida durante a noite e transportada para a segunda cidade sagrada da Índia — a cidade de Benares.
Ali, em um novo santuário — incrustado de pedras preciosas, sob um teto sustentado por pilares de ouro —, o deus da lua foi colocado e venerado. Nesse local, na noite em que o santuário terminou de ser construído, Vishnu, o Preservador, apareceu diante dos três brâmanes em sonho.
A divindade soprou seu hálito divino sobre o Diamante na testa do deus. E os brâmanes se ajoelharam e esconderam seus rostos em suas túnicas. A divindade ordenou que a Pedra da Lua fosse guardada, a partir de então, por três sacerdotes, que se revezariam noite e dia até o fim das dinastias dos homens. E os brâmanes escutaram e se inclinaram diante de sua vontade. A divindade previu desgraça certa para o presunçoso mortal que pusesse as mãos na gema sagrada e para todos os de sua casa e de seu nome que a recebessem depois dele. E os brâmanes fizeram com que a profecia fosse escrita nos portões do santuário em letras de ouro.
Uma era seguia-se a outra e, ainda assim, geração após geração, os sucessores dos três brâmanes guardavam sua valiosa Pedra da Lua, noite e dia. Uma era seguia-se a outra, até que os primeiros anos do décimo oitavo século cristão viram o reinado de Aurungzebe, imperador dos mongóis. Sob seu comando, a desordem e a pilhagem mais uma vez varreram os templos de veneração de Brahma. O santuário do deus de quatro mãos foi conspurcado pela matança de animais sagrados, as imagens das divindades foram feitas em pedaços e a Pedra da Lua foi levada por um alto oficial do exército de Aurungzebe.
Impotentes para recuperar pela força seu tesouro perdido, os três sacerdotes guardiães a seguiram e vigiaram em segredo. As gerações se sucediam; o guerreiro que havia cometido o sacrilégio morreu miserável; a Pedra da Lua (levando consigo sua maldição) passou de uma ímpia mão muçulmana a outra; e, ainda assim, em meio a todos os imprevistos e mudanças, os sucessores dos três sacerdotes guardiães mantiveram seu posto, à espera do dia em que a vontade de Vishnu, o Preservador, lhes devolveria a gema sagrada.
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