Chegaram os últimos anos do décimo oitavo século cristão. O Diamante caiu nas mãos de Tippoo, sultão de Seringapatam, que mandou incrustá-la como ornamento no cabo de uma adaga, e ordenou que fosse guardada entre os mais preciosos tesouros de seu arsenal. Mesmo então — no palácio do próprio sultão — os três sacerdotes guardiães ainda mantinham sua vigília secreta. Três empregados da casa de Tippoo, desconhecidos dos outros, haviam conquistado a confiança de seu amo ao adotarem, ou fingirem adotar, a fé muçulmana; e verificou-se mais tarde que estes três homens eram os três sacerdotes disfarçados.
III
Assim, em nosso acampamento, corria a curiosa história da Pedra da Lua. Não impressionava nenhum de nós seriamente, a não ser meu primo — cujo fascínio pelo maravilhoso o levava a acreditar no que ouvia. Na noite anterior à invasão de Seringapatam, ele zangou-se de modo absurdo comigo e com outros por considerarmos a história toda uma fábula. Seguiu-se uma discussão tola, e o temperamento infeliz de Herncastle levou a melhor. Ele declarou, ao seu modo arrogante, que haveríamos de ver o Diamante em seu dedo, se o exército inglês invadisse Seringapatam. A promessa foi recebida com muitas risadas e, pensávamos nós naquela noite, a coisa terminaria ali.
Deixem-me levá-los agora ao dia da invasão.
No começo, meu primo e eu nos separamos. Não o vi uma única vez ao atravessarmos o rio, ao plantarmos a bandeira inglesa na primeira brecha da barricada, ao atravessarmos o primeiro fosso e, lutando a cada centímetro do caminho, ao entrarmos na cidade. Foi apenas ao entardecer, quando o lugar era nosso e depois de o próprio General Baird ter achado o corpo de Tippoo sob um monte de cadáveres, que Herncastle e eu nos encontramos.
Cada um de nós fazia parte de um grupo destacado segundo ordens do general para evitar a pilhagem e a confusão depois da nossa conquista. Os homens que acompanhavam o exército cometeram excessos deploráveis; e, pior ainda, os soldados encontraram um caminho, através de uma porta desprotegida, para o tesouro do palácio e encheram-se de ouro e joias. Foi no pátio do lado de fora do tesouro que meu primo e eu nos encontramos, para impor as ordens da disciplina a nossos próprios soldados. Eu podia ver claramente que o temperamento explosivo de Herncastle havia atingido uma espécie de frenesi devido ao terrível massacre que ele havia presenciado. Em minha opinião, ele estava muito incapacitado para desempenhar a função que lhe havia sido confiada.
Havia motim e bastante confusão no tesouro, mas nenhuma violência, até onde pude ver. Os soldados (se é que posso usar tal expressão) se descompunham com bom humor. Podia-se ouvir entre eles todo tipo de piadas e motes grosseiros; e de repente a história do Diamante foi citada de novo, sob a forma de uma maldosa brincadeira, Quem pegou a Pedra da Lua? Era o grito de guerra que fazia com que a pilhagem, que mal havia acabado em um lugar, logo recomeçasse em outro. Enquanto eu ainda tentava em vão restabelecer a ordem, escutei gritos assustadores do outro lado do pátio, e corri imediatamente naquela direção, com medo de encontrar ali um novo foco de pilhagem.
Cheguei a uma porta aberta, e vi os corpos de dois indianos (oficiais do palácio, como pude adivinhar pelas roupas) caídos na entrada, mortos.
Um grito lá dentro me fez correr para um quarto, que parecia servir de arsenal. Um terceiro indiano, ferido mortalmente, estava caindo aos pés de um homem que tinha as costas voltadas para mim. O homem se virou no instante em que entrei, e vi que era John Herncastle, com uma tocha em uma das mãos e uma adaga pingando sangue na outra. Uma pedra, incrustada na extremidade do cabo da adaga, brilhou como uma labareda à luz da tocha quando ele se virou para mim. O indiano agonizante caiu de joelhos, apontou para a adaga na mão de Herncastle e disse em sua língua:
— A Pedra da Lua ainda se vingará de você e dos seus!
Disse essas palavras e caiu morto no chão.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, os homens que me haviam seguido pelo pátio entraram. Meu primo correu como um louco em direção a eles.
— Saia já daqui — gritou ele para mim — e coloque um guarda na porta!
Os homens recuaram quando ele avançou em sua direção com a tocha e a adaga. Coloquei na porta dois sentinelas de minha própria companhia, nos quais podia confiar. Depois, durante a noite, não vi mais meu primo.
De manhã cedo, enquanto a pilhagem continuava, o General Baird anunciou publicamente, com rufar de tambores, que qualquer ladrão pego em flagrante, fosse quem fosse, seria enforcado. O chefe da corte marcial estava presente para provar que o General falava sério. Na confusão que se seguiu à proclamação, Herncastle e eu tornamos a nos encontrar.
Ele me ofereceu sua mão, como de costume, e disse:
— Bom dia.
Esperei antes de estender minha mão.
— Antes me diga — disse eu — como o indiano na sala do tesouro encontrou a morte, e qual o significado de suas últimas palavras quando apontou para a adaga na sua mão.
— O indiano encontrou a morte devido a um ferimento mortal, presumo — disse Herncastle. — Sei tanto quanto você o que significam suas últimas palavras.
Olhei para ele atentamente. Seu frenesi da véspera havia passado. Dei-lhe mais uma chance.
— É tudo o que você tem para me contar?
— É tudo — respondeu ele.
Virei-lhe as costas e não nos falamos desde então.
IV
Peço que fique claro que o que escrevo aqui sobre meu primo (a menos que seja necessário torná-lo público) é apenas para informação da família.
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