Betteredge, depois de tudo por que passei. Sinto-me mais sozinha estando com os outros criados, sabendo que não sou como eles, do que estando aqui. Minha senhora não sabe, a diretora do reformatório não sabe que terrível lembrança a existência de pessoas honestas representa para uma mulher como eu. Não se zangue, o senhor é um homem bom. Faço meu trabalho, não? Por favor, não diga a minha senhora que estou descontente: eu não estou. Algumas vezes minha mente fica inquieta, só isso.

Ela tirou a mão do meu ombro, e apontou de repente para a areia movediça.

— Não é maravilhoso? Não é terrível? Já olhei para ela dúzias de vezes, e é sempre tão novo para mim como se nunca a tivesse visto antes!

Olhei para onde ela apontava. A maré estava virando e a terrível areia começou se mover. Sua ampla superfície marrom levantou-se lentamente, depois tremeu em toda sua extensão.

— O senhor sabe o que isso me parece? — disse Rosanna, tomando-me novamente pelo ombro. — Parece que há ali debaixo centenas de pessoas sufocadas, lutando para vir à tona e afundando cada vez mais nas profundezas medonhas! Jogue uma pedra, Sr. Betteredge! Jogue uma pedra, para vermos a areia tragá-la!

Que conversa esquisita! Um estômago vazio alimentando-se de uma mente inquieta! Minha resposta — bastante áspera, para o próprio bem da garota, lhes asseguro! — estava na ponta da língua, quando repentinamente foi cortada por uma voz vinda das dunas gritando meu nome.

— Betteredge !— gritou a voz onde está você?

— Aqui! — gritei de volta, sem a menor ideia de quem fosse.

Rosanna levantou-se num pulo, e ficou parada olhando na direção da voz. Eu estava justamente pensando em me levantar também quando fui surpreendido por uma súbita mudança no rosto da garota.

Sua compleição tornou-se vermelha, coisa que eu nunca havia visto antes; ela iluminou-se com uma espécie de surpresa muda e sem fôlego.

— Quem é? — perguntei.

Rosanna devolveu-me a pergunta:

— Oh! Quem é? — disse mansamente, mais para si mesma do que para mim.

Virei-me e olhei para trás. Ali, saindo das dunas e vindo em nossa direção, estava um jovem de olhos brilhantes, vestindo um belo terno castanho claro, com luvas e chapéu combinando, uma rosa na lapela e um sorriso no rosto capaz de fazer a própria Areia Trêmula sorrir de volta. Antes que eu pudesse me levantar, deixou-se cair ao meu lado na areia, envolveu-me o pescoço com seus braços, ao modo dos estrangeiros, e deu-me um abraço que quase me fez perder o ar.

— Meu caro Betteredge! — disse ele. — Devo-lhe sete libras e seis pence. Sabe quem eu sou?

Deus nos proteja e salve! Ali — quatro boas horas antes do esperado — estava o Sr. Franklin Blake!

Antes que eu pudesse dizer palavra, vi o Sr. Franklin, aparentemente algo surpreso, desviar seu olhar de mim para Rosanna. Seguindo-o, olhei eu também para a garota. Ela estava mais vermelha do que nunca, sem dúvida por ter chamado a atenção do Sr. Blake. De repente virou-se e nos deixou, demonstrando uma confusão deveras incompreensível para mim, sem cumprimentar o cavalheiro nem, tampouco, dizer-me uma só palavra. Muito atípico de sua pessoa: geralmente não se encontrava criada mais cordata e bem-comportada.

— Que garota estranha — disse o Sr. Franklin. — Pergunto-me o que viu em mim que a surpreende tanto?

— Suponho, senhor — respondi, deleitando-me com a educação do Continente de nosso Jovem cavalheiro que seja sua aparência estrangeira.

Transcrevo aqui a pergunta indelicada do Sr. Franklin e minha tola resposta, como consolo e incentivo a todos os estúpidos — já que, como pude observar, é motivo de grande satisfação para nossos semelhantes inferiores descobrir que, ocasionalmente, seus superiores não são mais inteligentes do que eles. Nem o Sr. Franklin, com sua estupenda educação estrangeira, nem eu próprio, com minha idade, experiência e natural zelo, tínhamos a mínima ideia do significado real do comportamento inexplicável de Rosanna Spearman. Quando saiu, logo foi esquecida por nós, pobre garota, antes de vermos o último movimento de seu casaco entre as dunas. “E daí?” Perguntarão os senhores, muito naturalmente. Continuem a ler, caros amigos, com quanta paciência puderem, e talvez sintam pena de Rosanna Spearman como eu senti, quando descobri a verdade.




CAPÍTULO 5




A primeira coisa que fiz, depois de ficarmos sozinhos novamente, foi tentar pela terceira vez levantar-me da areia.