Mas render-se, mesmo estando no erro e tendo toda a sociedade contra si, não era do feitio de John, o Ilustre. Ele havia ficado com o Diamante na Índia, desafiando abertamente a acusação de assassinato. E ficou com o Diamante na Inglaterra, desafiando abertamente a opinião pública. Eis aqui o retrato do homem, como num quadro: um sujeito que desafiava tudo e um rosto que, mesmo sendo belo, parecia possuído pelo demônio.
Escutamos diversos rumores a seu respeito, de tempos em tempos. Algumas vezes dizia-se que ele havia adquirido o hábito de fumar ópio e colecionar livros antigos; às vezes contava-se que ele estava fazendo estranhas experiências químicas; em outras ele foi visto farreando e divertindo-se com os piores elementos nos bairros mais miseráveis de Londres. De qualquer modo, a vida que o Coronel levava era uma vida solitária, viciada e marginal. Uma vez, e uma única vez, depois de sua volta à Inglaterra, eu próprio o vi, cara a cara.
Cerca de dois anos antes da época sobre a qual agora escrevo, e cerca de um ano e meio antes de sua morte, o Coronel foi inesperadamente à casa de minha senhora em Londres. Era a noite do aniversário da Srta. Rachel, 21 de junho, e havia uma festa em sua homenagem, como de hábito. Recebi uma mensagem do lacaio dizendo que um cavalheiro desejava ver-me. Subindo para o vestíbulo, ali encontrei o Coronel, em frangalhos, maltrapilho, velho e sujo, mais selvagem e mau do que nunca.
— Suba — disse ele — e diga à minha irmã que passei para desejar muitos anos de vida à minha sobrinha.
Ele havia tentado se reconciliar com minha senhora por carta mais de uma vez, por nenhum outro motivo, tenho certeza, que não o de importuná-la. Mas essa era a primeira vez que realmente vinha até a casa. Dizer que minha senhora tinha uma festa naquela noite estava na ponta da minha língua. Mas seu ar demoníaco me assustou. Subi as escadas com o recado e deixei-o, conforme sua própria vontade, esperando no vestíbulo. Os criados o ficaram olhando de longe, como se ele fosse uma máquina de destruição ambulante, carregada de pólvora e balas, capaz de disparar em sua direção de um momento para o outro.
Minha senhora possuía um toque — não mais — do temperamento da família.
— Diga ao Coronel Herncastle — disse ela — que a Srta. Verinder está ocupada, e que eu não quero vê-lo.
Tentei persuadi-la a dar uma resposta mais cordial do que essa, conhecendo a superioridade constitucional do Coronel em relação às regras que governam os cavalheiros em geral. Inútil! O temperamento da família me atingiu diretamente.
— Quando eu quero o seu conselho — disse minha senhora —, você sabe que eu sempre o peço. Não estou pedindo agora.
Desci as escadas com o recado, do qual tomei a liberdade de apresentar uma versão nova e corrigida de minha própria lavra, que se segue: Minha senhora e a Srta. Rachel sentem muito estarem ocupadas, Coronel, e pedem para ser poupadas da honra de vê-lo.
Esperava que ele se zangasse, mesmo tendo colocado as coisas desse modo educado. Para minha surpresa ele não fez nada nesse estilo; intrigou-me por tomar a coisa de maneira estranhamente calma. Seus olhos, de um cinza com um brilho cintilante, fixaram-se em mim por um momento; e ele riu, não para fora de si, como as outras pessoas, mas para dentro de si, de uma maneira suave, sincopada, horrivelmente má.
— Obrigado, Betteredge — disse ele. — Vou me lembrar do aniversário de minha sobrinha.
Com isso, virou-se e saiu da casa.
Veio o aniversário seguinte, e ouvimos dizer que ele estava de cama, doente. Seis meses depois — ou seja, seis meses antes da época sobre a qual agora escrevo — chegou para minha senhora uma carta de um respeitável clérigo. Ela continha duas maravilhosas notícias familiares. Primeiro, que o Coronel havia perdoado sua irmã em seu leito de morte. Segundo, que havia perdoado todos os outros, tendo um fim deveras edificante. Eu mesmo (a despeito dos bispos e dos clérigos) tenho um respeito sincero pela Igreja. Mas, ao mesmo tempo, acredito firmemente que o demônio continuava a possuir John, o Ilustre, e que o último ato abominável da vida daquele homem abominável (com todo o respeito) foi enganar o clérigo!
Esse é o resumo do que contei ao Sr. Franklin.
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