- Em todo caso, não sei se ele tem o crânio - acrescentou ela -, mas o seu modo de se vestir, que aliás é bem chique, não tem muito o jeito daquele país.
Um dia em que, de Josselin, onde eu estava em casa dos Rohan, tínhamos saído em peregrinação, vieram camponeses, um pouco de todas as partes da Bretanha. Um grandalhão leonês olhava assombrado para as calças beges do cunhado de Robert.
- Que tem você que tanto me olha? Aposto que não sabe quem sou eu -, disse Léon. E, como o camponês dissesse que não: - Pois bem, sou o teu príncipe.
- Ah! - respondeu o camponês se descobrindo e pedindo desculpas -, pensei que o senhor fosse um englische. -
E, se, aproveitando esse ponto de partida, eu estimulava a Sra. de Guermantes a falar dos Rohan (a quem sua família muitas vezes se aliara), sua conversação se impregnava um pouco do encanto melancólico das romarias bretãs e, como diria aquele verdadeiro poeta que é Pampille, "do acre sabor dos crêpes de trigo preto cozidos num fogo de juncos"'.
[Pampille era pseudônimo da Sra. Léon Daudet, autora de um livro de receitas. (N. do T)]
Do marquês de Lau (de quem se conhece o triste fim, quando, surdo, fazia-se levar à casa da Sra.
H***, cega), ela contava os anos menos trágicos, quando, depois da caça, em Guermantes, punha chinelos para tomar o chá com o rei da Inglaterra, ao qual não se considerava inferior e com quem, como se vê, não fazia cerimônia. Ela assinalava este fato com tanta graciosidade que lhe acrescentava o penacho à mosqueteiro dos fidalgos um tanto gloriosos do Périgord.
Além disso, mesmo na simples qualificação de pessoas, ter o cuidado de diferenciar as províncias era na Sra. de Guermantes, fiel a si própria, um grande encanto que uma parisiense de origem nunca saberia possuir; e aqueles simples nomes de Anjou, de Poitou e do Périgord refaziam paisagens em sua conversação. Para voltar à pronúncia e ao vocabulário da Sra. de Guermantes, é por esse aspecto que a nobreza se mostra verdadeiramente conservadora, com tudo o que esse termo carreia, ao mesmo tempo, de um tanto pueril, um tanto perigoso, de refratário ao progresso, mas igualmente de divertido para o artista. Eu queria saber como se escrevia antigamente o nome Jean. Fiquei sabendo ao receber uma carta do sobrinho da Sra. de Villeparisis, que se assina-conforme foi batizado e figura no Gotha-Jehan de Villeparisis, com o mesmo e belo h inútil, heráldico, tal como é admirado, colorido de vermelhão ou de ultramar, num livro de horas ou num vitral.
Infelizmente, não dispunha de tempo para prolongar indefinidamente essas visitas, pois desejava na medida do possível não voltar para casa depois de minha amiga.
Ora, era sempre a conta-gotas que podia obter da Sra. de Guermantes as informações sobre suas toaletes, informações que eram úteis para mandar fazer toaletes do mesmo gênero para Albertine, na medida em que uma moça possa usá-las.
- Por exemplo, senhora, no dia em que devia jantar na casa da Sra. de Saint-Euverte antes de ir à casa da princesa de Guermantes, estava usando um vestido todo vermelho, com sapatos vermelhos; estava extraordinária, parecia uma grande flor de sangue, um rubi em chamas; como se chamaria isso? E
uma moça pode usar um vestido assim?
A duquesa, dando ao rosto fatigado a radiosa expressão que possuía a princesa des Laumes quando Swann lhe fazia cumprimentos outrora, olhou, rindo até as lágrimas, com ar zombeteiro, interrogativo e deslumbrado, para o Sr. de Bréauté, sempre presente àquela hora, e que fazia amornar sob o monóculo um sorriso indulgente para esse figura de intelectual por causa da exaltação física de rapaz que ele parecia ocultar. A duquesa dava a impressão de dizer: "Que terá ele, estará louco?"
Depois, virando-se para mim com ar carinhoso:
- Eu não sabia que parecia um rubi em chamas ou uma flor de sangue, mas lembro-me de fato que usei um vestido vermelho: era de cetim rubro como então costumava usar-se. Sim, uma moça pode, a rigor, usar isso, mas você me disse que ela não saía à noite. É um vestido de festa de gala, não pode ser usado apenas para fazer visitas.
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