Mas os judeus nunca irão admitir que um de seus concidadãos seja traidor, embora saibam perfeitamente que o é, e preocupam-se muito pouco com as terríveis repercussões (o duque naturalmente pensava na maldita eleição de Chaussepierre) que o crime de um dos seus pode acarretar até... Vejamos, Oriane, você não vai pretender que não é deprimente para os judeus o fato de que eles apóiam um traidor. Não vai me dizer que não é porque são judeus.

- Meu Deus, claro que não - respondeu Oriane (sentindo com irritação um certo desejo de resistir ao Júpiter tonante, e também de colocar um pouco de "inteligência" acima do Caso Dreyfus). - Mas talvez seja exatamente porque, sendo judeus e conhecendo-se a si próprios, sabem que é possível ser judeu sem ser forçosamente traidor ou antifrancês, como dizem que afirma o Sr. Drumont. Certamente se Dreyfus fosse cristão, os judeus não se interessariam por ele, mas interessam-se porque vêem perfeitamente que, se ele não fosse judeu, não o julgariam com tanta facilidade traidora priori, como diria o meu sobrinho Robert.

- As mulheres não entendem nada de política - exclamou o duque encarando a duquesa. - Pois esse crime horrível não é simplesmente uma causa judia, mas bel et bien um imenso caso nacional que pode ter as mais tremendas conseqüências para a França, de onde deveriam ser expulsos todos os judeus, embora eu reconheça que as sanções decretadas até agora o foram (de um modo ignóbil que deveria ser revisto) não contra eles, mas contra seus adversários mais eminentes, contra homens de primeira categoria, postos de lado para desgraça do nosso pobre país.

Senti que as coisas se azedavam e, precipitadamente, voltei a falar nos vestidos.

- A senhora se lembra - disse eu - da primeira vez que foi gentil comigo?

- A primeira vez que fui gentil com ele - repetiu ela, olhando risonha para o Sr. de Bréauté, cuja ponta do nariz se afilava, cujo sorriso se enternecia por polidez para com a Sra. de Guermantes, e cuja voz de faca ao ser amolada deixou ouvir alguns sons vagos e roucos.

- A senhora trajava um vestido amarelo com grandes flores negras.

- Mas, meu filho, é a mesma coisa, são vestidos de festa.

- E seu chapéu de bleuets que tanto apreciei! Mas enfim, tudo isso pertence ao passado. Gostaria de mandar fazer para a moça em questão um casaco de pele como o que a senhora usava ontem de manhã. Seria possível que eu o visse?

- Por ora, não. Hannibal vai ser obrigado a sair dentro de um instante. Porém volte aqui, e minha camareira lhe mostrará tudo isso. Apenas, meu filho, tenho muito gosto em lhe emprestar tudo o que desejar, mas, se mandar fazer os vestidos de Callot, de Doucet e de Paquin por costureirinhas, nunca sairá a mesma coisa.

- Mas de modo algum pretendo ir à loja de uma costureirinha, sei perfeitamente que vai ser coisa bem diversa; mas a mim interessaria compreender por que seria diferente.

- Mas você sabe que não consigo explicar nada, pois sou uma tola, falo como uma camponesa. É

uma questão de ter boa mão, de feitio; quanto às peles, pelo menos posso lhe dar um bilhete para o meu fornecedor, que desse modo não há de roubá-lo. Mas saiba que mesmo assim isso lhe custará oito ou nove mil francos.

- E aquele chambre que cheira tão mal, que a senhora usava outra noite e que é sombrio, felpudo, mosqueado, estriado de ouro com uma asa de borboleta?

- Ah, aquilo é de Fortuny. A sua jovem poderia perfeitamente usá-lo em casa. Tenho muitos deles, vou lhe mostrar; posso até lhe dar alguns, se lhe agrada. Mas gostaria principalmente que visse o da minha prima Talleyrand. Preciso escrever-lhe para que me empreste.