A revolução dos Bichos


Copyright © 2007 | by espólio de Sonia Brownell Orwell
Copyright do posfácio © 2006 | by Christopher Hitchens
Copyright da tradução © 2000 | by Heitor Aquino Ferreira / Editora Globo S/A
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Título original | Animal Farm: a Fairy Story
Tradução dos posfácios | Sergio Flaksman
Projeto gráfico e capa | Kiko Farkas/Máquina Estúdio
Elisa Cardoso/Máquina Estúdio
Foto da capa | Fred Marley/Getty Images
Preparação | Denise Pessoa
Revisão | Carmen S. da Costa
Arlete Sousa
Atualização ortográfica | Página Viva
ISBN | 978-85-8086-192-1
Todos os direitos desta edição reservados à
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Sumário
A revolução dos bichos
Posfácio: Repensando A revolução
dos bichos | Christopher Hitchens (2006)
Apêndices
I. A liberdade de imprensa (prefácio proposto
pelo autor à primeira edição inglesa, de 1945)
II. Prefácio do autor à edição ucraniana (1947)
1.
O sr. Jones, dono da Granja do Solar, fechou o galinheiro para a noite, mas estava bêbado demais para lembrar-se de fechar também as vigias. Com o facho de luz da lanterna balançando de um lado para o outro, atravessou cambaleante o pátio, tirou as botas na porta dos fundos, tomou um último copo de cerveja do barril da copa e foi para a cama, onde sua mulher já ressonava.
Tão logo apagou-se a luz do quarto, houve um silencioso movimento em todos os galpões da granja. Correra, durante o dia, o boato de que o velho Major, um porco que já fora premiado numa exposição, tivera um sonho muito estranho na noite anterior e desejava contá-lo aos outros animais. Haviam combinado encontrar-se no celeiro, assim que Jones se deitasse. O velho Major (chamavam-no assim, muito embora ele houvesse concorrido na exposição com o nome de “Belo de Willingdon”) gozava de tão alto conceito na granja que todos estavam dispostos a perder uma hora de sono só para ouvi-lo.
Ao fundo do grande celeiro, sobre uma espécie de estrado, estava o Major refestelado em sua cama de palha, sob um lampião que pendia da viga. Com doze anos de idade, já bem corpulento, era ainda um porco de porte majestoso, com ar sábio e benevolente, a despeito de suas presas jamais terem sido cortadas. Os outros animais chegavam e punham-se a cômodo, cada qual a seu modo. Os primeiros foram os três cachorros, Branca, Lulu e Cata-Vento, depois os porcos, que se sentaram sobre a palha, em frente ao estrado. As galinhas empoleiraram-se nas janelas, as pombas voaram para os caibros do telhado, as ovelhas e as vacas deitaram-se atrás dos porcos e ali ficaram a ruminar. Os dois cavalos de tração, Sansão e Quitéria, chegaram juntos, andando lentamente e pousando no chão os enormes cascos peludos, com grande cuidado para não machucar qualquer animalzinho porventura oculto na palha. Quitéria era uma égua volumosa, matronal, já chegada à meia-idade, cuja silhueta não mais se recompusera após o nascimento do quarto potrinho. Sansão era um bicho enorme, de quase um metro e noventa de altura, forte como dois cavalos. A mancha branca do focinho dava-lhe certo ar de estupidez, e realmente ele não tinha lá uma inteligência de primeira ordem, embora fosse grandemente respeitado pela retidão de caráter e pela tremenda capacidade de trabalho. Depois dos cavalos chegaram Maricota, a cabra branca, e Benjamim, o burro. Benjamim era o animal mais idoso da fazenda, e o mais moderado. Raras vezes falava, e em geral quando o fazia era para emitir uma observação cínica — para dizer, por exemplo, que Deus lhe dera uma cauda para espantar as moscas, e no entanto seria mais do seu agrado não ter nem a cauda nem as moscas. Era o único dos animais que nunca ria. Quando lhe perguntavam por quê, respondia não ver motivo para riso. Não obstante, sem que admitisse abertamente, tinha certa afeição por Sansão; com frequência passavam os domingos juntos no pequeno potreiro existente atrás do pomar, pastando lado a lado em silêncio.
Mal se haviam acomodado os dois cavalos quando uma ninhada de patinhos órfãos desfilou celeiro adentro, piando baixinho e procurando um lugar onde não fossem pisoteados. Quitéria protegeu-os com a pata dianteira, e os patinhos ali se aconchegaram, caindo no sono. No último instante, Mimosa, a égua branca, vaidosa e fútil, que puxava a charrete do sr. Jones, entrou, requebrando-se graciosamente e mastigando um torrão de açúcar. Tomou lugar bem à frente e ficou meneando a crina branca, na esperança de chamar atenção para as fitas vermelhas que a adornavam. Por fim, chegou a gata, que buscou, como sempre, o lugar mais morno, enfiando-se entre Sansão e Quitéria; ronronou satisfeita durante toda a fala do Major, sem ouvir uma só palavra.
Todos os animais estavam presentes, exceto Moisés, o corvo domesticado, que dormia fora, num poleiro junto à porta dos fundos. Quando o Major os viu, bem acomodados e aguardando atentamente, limpou a garganta e começou:
“Camaradas, já ouvistes, por certo, algo a respeito do estranho sonho que tive a noite passada.
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