Dalloway para Mr. Dalloway, e de novo de Mr. Dalloway para a esposa. Clarissa era realmente um espetáculo fascinante. Usava um vestido branco e um longo colar cintilante. Com suas roupas, seu rosto travesso e delicado que mostrava um rosado muito bonito debaixo dos cabelos que começavam a ficar grisalhos, era espantosamente parecida com uma obra-prima do século XVIII – um Reynolds ou um Romney. Ela fazia Helen e os outros parecerem toscos e desleixados. Sentada levemente ereta, parecia estar lidando com o mundo à sua própria maneira; o enorme globo sólido girava para um lado e outro debaixo de seus dedos. E seu marido! Mr. Dalloway soltando aquela voz opulenta e cadenciada era mais impressionante ainda. Parecia vir do centro oleoso e ruidoso da engrenagem onde hastes polidas giram, deslizam, e pistões batem; agarrava as coisas tão firme mas tão livremente; fazia os outros parecerem solteironas barganhando restos. Rachel seguiu no cortejo de matronas,quase em transe; um curioso aroma de violetas vinha de Mrs. Dalloway, misturando-se com o macio farfalhar de suas saias e o tilintar de suas correntes.
Seguindo atrás, Rachel pensou com suprema autohumilhação, lembrando todo o curso de sua vida e das vidas de todas as suas amigas: “Ela disse que vivemosnum mundo nosso. É verdade. Somos perfeitamenteabsurdas”.
– Nós nos sentamos aqui – disse Helen abrindo a porta do salão.
– A senhora toca? – disse Mrs. Dalloway a Mrs. Ambrose, pegando a partitura de Tristão que estava sobre a mesa.
– Minha sobrinha toca – disse Helen botando a mão no ombro de Rachel.
– Ah, mas como a invejo! – Clarissa dirigia-se a Rachel pela primeira vez. – Lembra-se disso? Não é divino? – Ela tocou um compasso ou dois com dedos cheios de anéis sobre a página.
– E depois Tristão vai assim, e Isolda... ah, é tudo emocionante demais! Você já esteve em Bayreuth?
Não, não estive – disse Rachel.
Então isso ainda vai acontecer. Nunca esquecerei o meu primeiro Parsifal... um dia quente de agosto,aquelas alemãs gordas nas suas roupas abafadas, e depois o teatro escuro, a música começando, não se podiaevitar os soluços. Lembro-me de que um homem bondoso foi apanhar água para mim: eu só chorava noombro dele. Aquilo me tocava aqui (ela tocou a garganta). Não há nada parecido no mundo! Mas ondeestá o seu piano?
– Em outro quarto – explicou Rachel.
– Mas vai tocar para nós? – suplicou Clarissa. – Não consigo imaginar nada melhor do que sentar ao luar lá fora e ouvir música... só que isso parece coisa de colegial!
– Sabe – disse ela virando-se para Helen –, acho que música não faz bem às pessoas... – receio que não.
– Tensão demais? – perguntou Helen.
– De alguma forma, acho emocional demais – disse Clarissa. – A gente nota imediatamente quando um rapaz ou uma mocinha assume a música como profissão. Sir William Broadley me disse a mesma coisa. Você não odeia as atitudes que as pessoas assumem ouvindo Wagner...
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