Passou, então, a seguir Phileas Fogg de perto.

Mr. Fogg tomou uma carruagem, na qual Mrs. Aouda e Chavemestra não demoraram a subir. Fix correu atrás dela, a qual logo fez parada num dos cais da cidade.

Distante uma meia milha, o Rangoon achava-se ancorado, com o seu pavilhão de partida içado no alto do mastro. Batiam as onze horas. Mr. Fogg estava uma hora adiantado. Fix o viu descer da carruagem e embarcar-se num escaler com Mrs. Aouda e com seu pajem. O detetive espezinhou de raiva.

– Patife! – clamou – ele está se indo! Duas mil libras malgastas! Pródigo como um ladrão! Ah! eu o perseguirei até o fim do mundo se preciso for! Se bem que, nesse passo, até lá todo o dinheiro do roubo já terá acabado!

O inspetor de polícia tinha razões para pensar assim. De fato, desde que deixara Londres, tanto em despesas de viagem quanto em recompensas, em compra de elefante, em cauções e em multas, Phileas Fogg já distribuíra mais de cinco mil libras em seu caminho, e a porcentagem da soma recuperada, atribuída aos detetives, minguava sem cessar.

XVI

Como se Fix desconhecesse por completo

as coisas que lhe são ditas.

O Rangoon, um dos navios empregados pela Companhia Peninsular e Oriental nas rotas dos mares da China e do Japão, era um steamer de ferro, a hélice, com uma capacidade bruta de mil setecentos e setenta toneladas, e de uma força nominal de quatrocentos cavalos. Ele equiparava-se ao Mongólia em velocidade, mas não em conforto. Assim, Mrs. Aouda não ficou tão bem acomodada quanto o teria desejado Phileas Fogg. Mas, afinal, tratava-se de uma travessia de somente três mil e quinhentas milhas, de onze a doze dias, e a jovem não se mostrava uma passageira exigente.

Durante os primeiros dias dessa travessia, Mrs. Aouda conheceu mais amplamente Phileas Fogg. A cada ocasião, ela demonstrava-lhe a mais efusiva gratidão. O fleumático cavalheiro a ouvia – aparentemente, ao menos – com a mais extrema frialdade, sem que uma entonação ou um gesto nele revelassem a menor das emoções. Cuidava somente para que à jovem nada faltasse. Ele vinha regularmente em determinadas horas, não tanto para conversar, senão que para ouvi-la, e cumpria, em relação a ela, os deveres da mais estrita cortesia, mas com o charme e a naturalidade de um autômato cujos movimentos teriam sido programados para esse uso. Mrs. Aouda não sabia muito bem o que pensar, mas Chavemestra explicou-lhe por alto a excêntrica personalidade do seu amo. Ele a pôs ao fato da aposta que levava esse cavalheiro a rodar o mundo. Mrs. Aouda sorriu, mas, enfim, ela lhe devia a vida, e nada, aos olhos de sua gratidão, denegriria o seu salvador.

Mrs. Aouda confirmou o relato da sua tocante história feito pelo guia hindu. Ela pertencia, de fato, àquela que é a primeira das raças nativas. Muitos negociantes parses fizeram grandes fortunas nas Índias, atuando no comércio do algodão. Um deles, Sir James Jejeebhoy, foi nobilitado pelo governo inglês, e Mrs. Aouda era parente desse rico personagem que morava em Bombaim. Era, aliás, um primo de Sir Jejeebhoy, o respeitado Jejeeh, que ela esperava encontrar em Hong-Kong. Acharia ela, junto a ele, refúgio e assistência? Não podia afirmá-lo.