Alma Inquieta

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Universidade da Amazônia

Alma Inquieta

de Olavo Bilac

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Alma Inquieta

de Olavo Bilac

A Avenida das Lágrimas

A um Poeta morto.

Quando a primeira vez a harmonia secreta

De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,

— Dentro do coração do primeiro poeta

Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;

Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:

Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,

Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,

Ia a roxa corola espalhando as sementes:

De modo que, a brilhar, pelo solo ficava

Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,

A avenida ensombrada e triste da Saudade,

Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa

Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,

Tu conheceste bem essa longa avenida,

— Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,

Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;

Também por este solo arrastaste o teu manto...

E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,

Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.

Mas tua alma ficou, livre da desventura,

Docemente sonhando, as delícias da lua:

Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura,

Guardando na corola uma lembrança tua...

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,

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Se imortalizará, pelas almas disperso:

- Porque purificou a torpeza da terra

Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.

Inania Verba

Ah! Quem há de exprimir, alma impotente e escrava,

O que a boca não diz, o que a mão não escreve?

— Ardes, sangras, pregada a' tua cruz, e, em breve,

Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:

A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...

E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,

Que, perfume e dano, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?

Ai! Quem há de dizer as ânsias infinitas

Do sonho? E o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo?

E as palavras de fé que nunca foram ditas?

E as confissões de amor que morrem na garganta?!

Midsummer's Night's Dream

Quem o encanto dirá destas noites de estão?

Corre de estrela a estrela um leve calafrio,

Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só,

Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pé,

Para purificar o coração manchado,

Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...

Que esquisita saudade! — Uma lembrança estranha

De ter vivido já no alto de uma montanha,

Tão alta, que tocava o céu... Belo país,

Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,

Livre da ingratidão, livre da indiferença,

No seio maternal da Ilusão e da Crença!

Que inexorável mão, sem piedade, cativo,

Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo?

Louco, em vão, do profundo horror deste atascal,

Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal!

Por que, para uma ignora e longínqua paragem,

Astros, não me levais nessa eterna viagem?

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Ah! Quem pode saber de que outras vidas veio?...

Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio

Todo o mistério ver aberto ao meu olhar!

Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar

Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida,

— O cadáver de alguém de quem carrego a vida...

Mater

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,

Para teus filhos és, no caminho da vida,

Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava

À longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.

Pois, para batizar essas almas em flor,

Deixas cascatear desse olhar carinhoso

Todo o Jordão do teu amor.

E espalham tanto brilho as asas infinitas

Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,

Que o seu grande dano sobe, quando as agitas,

E vai perder-se entre as estrelas.

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,

Fogem da humana dor, fogem do humano pé,

E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,

Que é como a escada de Jacó.

Incontentado

Paixão sem grita, amor sem agonia,

Que não oprime nem magoa o peito,

Que nada mais do que possui queria,

E com tão pouco vive satisfeito.

Amor, que os exageros repudia,

Misturado de estima e de respeito,

E, tirando das mágoas alegria,

Fica farto, ficando sem proveito.

Viva sempre a paixão que me consome,

Sem uma queixa, sem um só lamento!

Arda sempre este amor que desanimas!

Eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,

O coração, malgrado o sofrimento,

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Como uma rosal Desabrochado em rimas.

Sonho

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade

Solto para onde estás, e fico de ti perto!

Como, depois do sonho, é triste a realidade!

Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho...