Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.

Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:

De cada estrela de ouro um anjo se debruça,

E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.

Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.

E, como sobre um leito um alvo cortinado,

Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta

Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta

E, sorrindo, serena, apareces à porta,

Como numa moldura a imagem de uma Santa...

Primavera

Ah! Quem nos dera que isto, como outrora,

Inda nos comovesse! Ah! Quem nos dera

Que inda juntos pudéssemos agora

Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.

E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,

Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:

"Beijemo-nos! Amemo-nos! Espera!"

E esse corpo de rosa recendia,

E aos meus beijos de fogo palpitava,

Alquebrado de amor e de cansaço. .

A alma da terra gorjeava e ria...

Nascia a primavera... E eu te levava,

Primavera de carne, pelo braço!

Dormindo

De qual de vós desceu para o exílio do mundo

A alma desta mulher, astros do céu profundo?

5

www.nead.unama.br

Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas,

Cruzam-se numa prece as suas mãos pequenas.

Para a respiração suavíssima lhe ouvir,

A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir,

Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,

Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.

Versos! podeis voar em torno desse leito,

E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,

Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar...

Dorme... Rimas febris, podeis febris voar...

Como ela, num livor de névoas misteriosas,

Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;

E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,

Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos...

Dorme... Estrelas, velai, inundando-a de luz!

Caravana, que Deus pelo espaço conduz!

Todo o vosso dano nesta pequena alcova

Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova:

E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça

Como a da Virgem Mie repouse e resplandeça!

Noturno

Já toda a terra adormece.

Sai um soluço da flor.

Rompe de tudo um rumor,

Leve como o de uma prece.

A tarde cai. Misterioso,

Geme entre os ramos e o vento,

E há por todo o firmamento

Um anseio doloroso.

Áureo turíbulo imenso,

O ocaso em púrpuras arde,

E para a oração da tarde

Desfaz-se em rolos de incenso.

Moribundos e suaves,

O vento na asa conduz

O último raio da luz

E o último canto das aves.