E Deus, na altura infinita,

Abre a mão profunda e calma,

Em cuja profunda palma

Todo o Universo palpita.

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Mas um barulho se eleva...

E, no páramo celeste,

A horda dos astros investe

Contra a muralha da treva.

As estrelas, salmodiando

O Peã sacro, a voar,

Enchem de cânticos o ar...

E vão passando... passando...

Agora, maior tristeza,

Silêncio agora mais fundo;

Dorme, num sono profundo,

Sem sonhos, a natureza.

A flor-da-noite abre o cálix...

E, soltos, os pirilampos

Cobrem a face dos campos,

Enchem o seio dos vales:

Trêfegos e alvoroçados,

Saltam, fantásticos Djins,

De entre as moitas de jasmins,

De entre os rosais perfumados.

Um deles pela janela

Entra do teu aposento,

E pára, plácido e atento

Vendo-te, pálida e bela.

Chega ao teu cabelo fino,

Mete-se nele: e fulgura,

E arde nessa noite escura,

Como um astro pequenino.

E fica. Os outros lá fora

Deliram. Dormes... Feliz,

Não ouves o que ele diz,

Não ouves como ele chora...

Diz ele: "O poeta encerra

Uma noite, em si, mais triste

Que essa que, quando dormiste,

Velava a face da terra...

Os outros saem do meio

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Das moitas cheias de flores:

Mas eu saí de entre as dores

Que ele tem dentro do seio.

Os outros a toda parte

Levam o vivo clarão,

E eu vim do seu coração

Só para ver-te e beijar-te.

Mandou-me sua alma louca,

Que a dor da ausência consome,

Saber se em sonho o seu nome

Brilha agora em tua boca!

Mandou-me ficar suspenso

Sobre o teu peito deserto,

Por contemplar de mais perto

Todo esse deserto imenso!"

Isso diz o pirilampo...

Anda lá fora um rumor

De asas rufladas... A flor

Desperta, desperta o campo...

Todos os outros, prevendo

Que vinha o dia, partiram,

Todos os outros fugiram...

Só ele fica gemendo.

Fica, ansioso e sozinho,

Sobre o teu sono pairando...

E apenas, a luz fechando,

Volve de novo ao seu ninho,

Quando vê, inda não farto

De te ver e de te amar,

Que o sol descerras do olhar,

E o dia nasce em teu quarto...

Virgens Mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,

Nova, no velho engaste azul do firmamento:

E a alma da que morreu, de momento em momento,

Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Õ vós, que, no silêncio e no recolhimento

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Do campo, conversais a sós, quando anoitece,

Cuidado! — o que dizeis, como um rumor de prece,

Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando

De beijos, perturbando o campo sossegado

E o casto coração das flores inflamando,

— Piedade! Elas vêem tudo entre as moitas escuras... Piedade! Esse impudor

ofende o olhar gelado

Das que viveram sós, das que morreram puras!

O Cavaleiro Pobre

(Pouchkine)

Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre,

Que viveu solitário, e morreu sem falar:

Era simples e sóbrio, era valente e nobre,

E pálido como o luar.

Antes de se entregar às fadigas da guerra,

Dizem que um dia viu qualquer cousa do céu:

E achou tudo vazão...