Seus Rubens também são do meu gosto, bem como o seu pequeno Watteau. No salão da direita, observo o aparador Luís XIII, as tapeçarias de Beauvais, a mesinha de canto do Império assinada por Jacob e o baú do Renascimento. No da esquerda, toda a vitrine de joias e miniaturas.
Desta vez me contentarei com esses objetos que, acredito, serão facilmente vendidos. Assim lhe peço para fazê-los embalar convenientemente e despachá-los em meu nome (frete pago), para a estação des Batignolles, antes de oito dias. Caso contrário eu mesmo terei de proceder ao transporte na noite de quarta-feira, 27, a quinta-feira, 28 de setembro. E, como é devido, não me contentarei com objetos que não os indicados.
Queira escusar o pequeno incômodo que lhe causo e aceitar a expressão de meus sentimentos de respeitosa consideração.
Arsène Lupin.
P.S. – Sobretudo não me envie o maior dos Watteau. Embora tenha pago por ele trinta mil francos em leilão, não passa de uma cópia, o original tendo sido queimado, na época do Diretório, por Barras, numa noite de orgia. Consultar as Memórias inéditas de Garat.
Não me interesso tampouco pela joia de cintura Luís XV, cuja autenticidade me parece duvidosa.
Essa carta deixou o barão desnorteado. Assinada por qualquer outro, já o teria alarmado consideravelmente, mas assinada por Arsène Lupin!...
Leitor assíduo dos jornais, a par de tudo o que se passava no mundo em matéria de roubo e de crime, ele não ignorava as façanhas do infernal ladrão. Sem dúvida sabia que Lupin, detido na América por seu inimigo Ganimard, estava de fato encarcerado, que seu processo estava sendo instruído – com que dificuldade! Mas sabia também que se podia esperar tudo da parte dele. Aliás, esse conhecimento exato do castelo, da disposição dos quadros e dos móveis, era um sinal dos mais temíveis. Quem o havia informado sobre coisas que ninguém viu?
O barão levantou os olhos e contemplou o perfil rude do Malaquis, seu pedestal abrupto, a água profunda que o cerca, e alçou os ombros. Não, decididamente não havia perigo algum. Ninguém no mundo poderia penetrar no santuário inviolável das suas coleções.
“Ninguém” é certo, mas Arsène Lupin? Será que para ele existem portas, pontes levadiças, muralhas? De que servem os obstáculos melhor imaginados, as precauções mais hábeis, se Arsène Lupin decidiu atingir o objetivo?
Na mesma noite ele escreveu ao procurador da república de Rouen, enviando a carta ameaçadora e reclamando ajuda e proteção.
A resposta não tardou. Estando o dito Arsène Lupin atualmente preso na Santé, vigiado de perto e na impossibilidade de escrever, a carta só podia ser obra de um mistificador. Tudo o demonstrava, a lógica e o bom-senso, bem como a realidade dos fatos. Mesmo assim, e por excesso de prudência, o exame da escrita fora encarregado a um perito, e esse declarou que, apesar de certas analogias, essa escrita não era a do detido.
“Apesar de certas analogias”: o barão reteve apenas essas palavras preocupantes, nas quais via a confissão de uma dúvida que por si só devia ser suficiente para exigir a intervenção da justiça. Seus temores se exasperaram. Ele não parava de reler a carta. “Eu mesmo terei de proceder ao transporte.” E também essa data precisa, a noite entre quarta-feira, 27, e quinta-feira, 28 de setembro!
Desconfiado e taciturno, não ousara contar a seus empregados, cuja lealdade lhe parecia acima de qualquer suspeita. No entanto, pela primeira vez depois de anos, sentia a necessidade de falar, de pedir conselho. Abandonado pela justiça da região, não lhe restava senão defender-se com os próprios recursos, e esteve a ponto de ir a Paris e implorar o auxílio de algum ex-policial.
Dois dias se passaram. No terceiro, ao ler os jornais, teve um sobressalto de alegria. Le Réveil de Caudebec publicava esta nota:
Temos o prazer de contar em nossa cidade, já há três semanas, com a presença do inspetor Ganimard, um dos veteranos da polícia. O sr. Ganimard, a quem a detenção de Arsène Lupin, sua última façanha, valeu uma reputação europeia, repousa de suas longas tarefas, distraindo-se em pescarias.
Ganimard! Eis aí o auxiliar que o barão Cahorn buscava! Para frustrar os projetos de Lupin, quem melhor do que o astuto e paciente Ganimard?
O barão não hesitou. Seis quilômetros separavam o castelo da pequena cidade de Caudebec. Ele os percorreu com um passo alegre, como um homem que a esperança de salvação anima.
Após várias tentativas infrutíferas para saber o endereço do inspetor, dirigiu-se até a redação do Réveil, na praça principal. Lá encontrou o redator da nota que, aproximando-se da janela, lhe falou:
– Certamente encontrará Ganimard na beira do cais, pescando.
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