Ou melhor, o mesmo indivíduo do qual vinte espelhos me apresentaram imagens deformadas, cada uma com olhos particulares, um rosto especial, gestos próprios, uma silhueta e um caráter.

– Eu mesmo – ele me disse – não sei mais quem sou. Num espelho não me reconheço mais.

Tirada espirituosa e paradoxal, certamente, mas verdade em relação àqueles que o encontram e ignoram seus recursos infinitos, sua paciência, sua arte da maquiagem, sua prodigiosa capacidade de transformar até mesmo as proporções do rosto e de alterar a relação de seus traços entre si.

– Por que – diz ele ainda – eu teria uma aparência definida? Por que não evitar esse perigo de uma personalidade sempre idêntica? Meus atos me designam o suficiente.

E ele acrescenta, com uma ponta de orgulho:

– Tanto melhor se nunca puderem dizer com toda a certeza: este é Arsène Lupin. O essencial é que digam sem temor de erro: Arsène Lupin fez isso.

São alguns desses atos, algumas dessas aventuras que busco reconstituir, baseado em confidências que ele teve a bondade de me fazer, em algumas noites de inverno, no silêncio do meu gabinete de trabalho...

II

Arsène Lupin na prisão

Não há turista digno desse nome que não conheça as margens do Sena e que não tenha notado, indo das ruínas de Jumièges às ruínas de Saint-Wandrille, o estranho castelo feudal do Malaquis, tão orgulhosamente plantado na rocha, em pleno rio. O arco de uma ponte o liga à estrada. A base de seus torreões escuros se confunde com o granito que o suporta, bloco enorme desprendido de não se sabe que montanha e lançado ali por alguma formidável convulsão. Ao redor, a água calma do grande rio brinca entre os juncos, e alvéolas agitam sua cauda sobre a crista úmida dos seixos.

A história do Malaquis é rude como seu nome, áspera como seu perfil. Não é mais que uma sucessão de combates, cercos, assaltos, rapinas e massacres. Nos serões da região de Caux, as pessoas evocam, arrepiadas, os crimes que lá se cometeram, contam misteriosas lendas, falam do famoso túnel que conduzia outrora à abadia de Jumièges e ao solar de Agnès Sorel, a bela amante do rei Carlos VII.

Nesse antigo antro de heróis e de bandidos, mora o barão Nathan Cahorn, o barão Satã, como o chamavam outrora na Bolsa, onde enriqueceu de maneira um tanto abrupta. Os senhores do Malaquis, arruinados, devem ter lhe vendido, por uma bagatela, a moradia de seus antepassados. Lá ele instalou admiráveis coleções de móveis e de quadros, faianças e madeiras esculpidas. Lá vive sozinho com três velhos empregados. Ninguém mais tem acesso ao lugar. Ninguém nunca contemplou, nas paredes dessas salas antigas, os três Rubens que ele possui, os dois Watteau, o púlpito esculpido por Jean Goujon e tantas outras maravilhas arrancadas a golpes de dinheiro dos mais ricos frequentadores dos leilões públicos.

O barão Satã tem medo. Medo não por ele, mas pelos tesouros acumulados graças à paixão tenaz e à perspicácia de um colecionador que os marchands mais astutos não conseguiram induzir ao erro. Ele ama esses tesouros. Ama-os com avidez, como um avarento; com ciúmes, como um apaixonado.

Todo dia, ao pôr do sol, as quatro portas de ferro, que protegem as extremidades da ponte e a entrada do pátio principal, são fechadas e aferrolhadas. Ao menor toque, campainhas elétricas vibrariam no silêncio. Do lado do Sena, nada a temer: a rocha se ergue a pino.

Ora, numa sexta-feira de setembro, o carteiro se apresentou como de costume na cabeceira da ponte. E, segundo a regra cotidiana, foi o barão que entreabriu o pesado batente.

Ele examinou o homem tão minuciosamente como se não conhecesse, havia anos, aquele rosto faceiro e aqueles olhos maliciosos de camponês, e o carteiro lhe disse, rindo:

– Sou eu mesmo, sr. barão. Não sou um outro que teria posto meu casaco e meu boné.

– Nunca se sabe – murmurou Cahorn.

O carteiro lhe entregou uma pilha de jornais. Depois acrescentou:

– Hoje há novidades, sr. barão.

– Novidades?

– Uma carta... e registrada ainda por cima.

Isolado, sem amigos ou alguém que se interessasse por ele, nunca o barão recebia cartas, e isso logo lhe pareceu um acontecimento de mau agouro sobre o qual havia motivos para se inquietar. Quem era o misterioso correspondente que vinha procurá-lo no seu retiro?

– É preciso assinar, sr. barão.

Ele assinou, resmungando. Depois pegou a carta, esperou que o carteiro desaparecesse na curva da estrada e, após dar uns passos de um lado a outro, apoiou-se contra o parapeito da ponte e abriu o envelope. Numa folha de papel quadriculado, havia este cabeçalho manuscrito: Prisão de la Santé, Paris. Olhou a assinatura: Arsène Lupin. Estupefato, ele leu:

Senhor barão,

Na galeria que reúne seus dois salões, há um quadro de Philippe de Champaigne de execução magistral e que me agrada infinitamente.