Estou vendo uma meninazinha que está olhando para fora da janela – quem sabe ela acha que eu estou parado lá fora em algum lugar –, talvez eu tenha trepado em uma das árvores e esteja pregando um sermão aos passarinhos. (Ouviu-se uma série de risinhos, que representavam algum tipo de aplauso.) Eu gostaria de dizer a vocês todos como eu me sinto feliz ao ver tantos rostinhos limpos e alegres reunidos em um lugar como este, aprendendo a fazer as coisas certas e a serem pessoas de bem.
E continuou neste tom, repetindo coisas parecidas. Não é necessário registrar o restante da palestra. Estava enquadrada em um padrão que nunca varia e com o qual todos estamos perfeitamente familiarizados.
Mas o último terço do discurso foi perturbado pelo recomeço de brigas e outras brincadeiras entre alguns dos meninos mais malcomportados, além de murmúrios e demonstrações de desconforto que se espalharam como as ondas que se esbatem nas praias, afetando toda a assembleia, recobrindo não somente as dunas, mas estendendo-se até mesmo às bases dos rochedos mais isolados e incorruptíveis, como Sid e Mary. Porém todos os sons cessaram subitamente quando a voz do sr. Walters se interrompeu, e a conclusão do discurso foi recebida com um suspiro coletivo de gratidão silenciosa.
Uma boa parte dos cochichos tinha sido provocada por um evento que era mais ou menos raro – a entrada de visitantes. Neste caso, o grupo era formado pelo advogado Thatcher, que estava acompanhado por um homem muito velho e de aparência frágil, por um cavalheiro de meia-idade, robusto e digno, cujos cabelos grisalhos tinham uma tonalidade cinza-aço, e por uma dama cheia de dignidade que era, sem dúvida, a esposa deste último. A senhora trazia uma criança pela mão. Tom tinha estado inquieto o tempo todo, não parava de se esfregar, trocar de posição, repuxar a roupa e se coçar, afetado por um sério problema de consciência – ele não podia enfrentar os olhares de Amy Lawrence, nem sequer suportava suas expressões amorosas. Mas quando ele viu esta pequena recém-chegada, sua alma explodiu em uma felicidade instantânea. No momento seguinte, ele estava “se exibindo” o máximo que podia – dando socos nos outros meninos, puxando cabelos, fazendo caretas; em poucas palavras, apelando para todos os truques que conhecia e acreditava terem uma possibilidade de fascinar a garota e receber seus aplausos. Sua exultação tinha somente uma pequena mácula – a lembrança de sua humilhação no jardim daquele anjo; mas até isso era como um recado escrito na areia da praia, que estava sendo rapidamente apagado pelas ondas de felicidade que o recobriam. Os visitantes receberam os lugares principais, e assim que o sr. Walters terminou seu discurso, ele os apresentou a toda a escola. O homem de meia-idade demonstrou ser uma personalidade prodigiosa: era o poderoso juiz da Comarca – sem a menor dúvida a mais augusta obra divina que estas crianças jamais haviam contemplado. Todas ficaram imaginando de que tipo de material ele era formado e, por alguma razão, chegaram à conclusão de que ele era capaz de rugir, e ao mesmo tempo em que queriam escutá-lo, tinham medo de que ele soltasse um poderoso rugido dentro da igreja. Ele morava na cidade de Constantinople, que ficava a vinte quilômetros de distância. Um homem viajado, que conhecia o mundo. Seus olhos tinham contemplado o Fórum Municipal, que diziam ser recoberto por um telhado de chapas de estanho fundido. A admiração que estas reflexões inspiravam foi atestada pelo impressionante silêncio e por fileira após fileira de olhares fixos e admirados. Este era o grande juiz Thatcher, irmão do advogado, cujo filho, Jeff Thatcher, imediatamente se levantou de seu lugar e foi reunir-se a eles, para demonstrar sua familiaridade com o grande homem e ser invejado por toda a escola. Os murmúrios que escutou pareciam música a seus ouvidos.
– Olhe para ele, Jim! Ele está indo até lá. Espia só! Ele vai apertar a mão dele! Está… está apertando a mão dele agora! Puxa vida, você não gostaria de estar no lugar de Jeff?
A essa altura, foi o sr. Walters que começou a “se exibir”, mostrando todo o tipo de atitudes oficiais e demonstrações de autoridade, dando ordens sem parar, apresentando opiniões, espalhando instruções a torto e a direito, lançando olhares reprovadores para qualquer alvo que conseguisse encontrar. O bibliotecário também começou a “se mostrar”, correndo para cá e para lá com os braços cheios de livros, gaguejando, falando depressa, com todo o estardalhaço, alvoroço, lufa-lufa e espalhafato adotados por qualquer subordinado que receba um tiquinho de autoridade. Até mesmo as jovens professoras começaram “a atuar”, curvando-se docemente sobre os alunos que até esse momento estavam recebendo ocasionais cascudos e beliscões, erguendo delicadamente os dedinhos como um aviso aos maus meninos e acariciando amorosamente os favoritos, ou seja, os que se comportavam geralmente bem. Os jovens professores começaram também “a representar”, administrando curtas repreensões bem-humoradas e outras pequenas demonstrações de domínio de classe e de sua preocupação com a disciplina. Na verdade, a maior parte dos professores, de ambos os sexos, descobriu importantes ocupações no armário da pequena biblioteca que ficava junto ao púlpito; de fato, encontrou necessidades tão inadiáveis que tinham de ser realizadas duas ou três vezes (com muitas mesuras e desculpas). As meninas começaram igualmente a “se exibir” de maneiras variadas e os meninos logo principiaram a “se mostrar” também – com tanta diligência que logo o ar ficou cheio de bolas de papel amassado e do ruído de pés arrastados, acompanhados dos consequentes arranhões e puxões. Acima de tudo isto, o grande homem permanecia sentado, transpirando bondade em um majestoso sorriso judicial que abrangia toda a assistência.
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