Seu coração sentia-se aquecido pelo sol de sua própria grandeza, porque, à sua maneira, até ele estava “se exibindo”. Faltava somente uma coisa para tornar completo o êxtase do sr. Walters, e esta era a oportunidade de entregar um prêmio bíblico a um dos alunos e aproveitar a chance de exibir mais um prodígio. Diversos alunos tinham alguns cartões amarelos, mas nenhum tinha o suficiente – de fato, ele já tinha feito “a revista em suas tropas” e interrogara ansiosamente os alunos mais aplicados. Ele teria dado qualquer coisa, dentro do razoável, para ter aquele menino alemão de volta à Escola Dominical, de preferência com a mente em perfeito estado.

Foi neste momento em que todas as esperanças pareciam perdidas, que Tom Sawyer avançou com nove cartões amarelos, nove cartões vermelhos e dez azuis e exigiu receber uma Bíblia! Isto foi como um raio saído do azul de um céu sem nuvens, um relâmpago sem trovão, um corisco sem o menor sinal de tempestade! O sr. Walters não esperava uma solicitação desta fonte pelo menos durante os próximos dez anos. Mas não havia como contornar a situação – era como se ele tivesse apresentado cartas de crédito certificadas pelo mais sério dos bancos e ninguém pudesse se recusar a aceitá-las. Tom foi, portanto, elevado a um lugar junto ao juiz e aos outros eleitos e a grande notícia foi anunciada a todos os presentes. Foi a surpresa mais espantosa de toda uma década! A sensação foi tão profunda que o novo herói foi erguido à mesma altitude que o homem das leis e a escola tinha agora duas maravilhas para contemplar em lugar de uma. Todos os meninos sentiram seus corações devorados de inveja, mas os que sofreram as maiores agonias foram justamente aqueles que perceberam tarde demais que eles mesmos haviam contribuído para este odiado esplendor, vendendo cartões a Tom em troca de parte da riqueza que ele tinha entesourado ao alugar o duvidoso privilégio de pintar uma cerca de branco. Os coitados sentiram o maior desprezo por si próprios, os otários de uma fraude ardilosa cometida por aquela serpente que surgira do meio do gramado da igreja e os havia ludibriado a todos.

O prêmio foi entregue a Tom com o máximo de efusão que o Superintendente conseguiu reunir dentro das circunstâncias; mas ficou realmente faltando um pouco do verdadeiro entusiasmo, porque a intuição do pobre homem lhe insinuava que havia um profundo mistério por trás desta realização, alguma coisa que não poderia ser examinada cuidadosamente à clara luz do sol; talvez simplesmente parecesse impossível que justamente este menino fosse aquele que havia armazenado dois mil trechos da Sabedoria das Escrituras dentro dos acanhados limites de seu espírito – sem a menor dúvida, uma dúzia de versículos ocuparia todo o espaço disponível e ainda ficaria apertado. Amy Lawrence, entretanto, ficou feliz e orgulhosa e fez o possível para que Tom percebesse toda a carinhosa vaidade que transparecia em seu rostinho; mas, por alguma razão, ele nem olhava para ela. Primeiro, ela ficou surpresa; depois, um tantinho perturbada; a seguir, uma leve suspeita perpassou-lhe a alma, entrou, saiu, entrou de novo – ela observou com o maior cuidado e um olhar furtivo comunicou-lhe um mundo de informações – depois, seu coraçãozinho se partiu e ela ficou enciumada, cheia de raiva, as lágrimas brotando de seus olhos, odiando o mundo inteiro, mas Tom acima de tudo, pelo menos naquele momento.

Tom foi apresentado ao juiz, mas sua língua estava travada, sua respiração mal saía, pelo seu coração passava um terremoto – em parte, devido à espantosa grandeza do homem, mas principalmente porque este era o pai dela. Se não estivessem todos olhando, ou pelo menos, se estivesse um pouco mais escuro, ele se jogaria no chão diante dele, para adorá-lo. O juiz pôs sua mão sobre a cabeça de Tom e declarou que ele era um excelente jovem; depois, perguntou-lhe o nome. O menino gaguejou, engoliu em seco e, finalmente, conseguiu emitir um som abafado:

– Tom…

– Oh, não, não pode ser Tom. Deve ser…

– Thomas.

– Ah, melhorou. Achei que não podia ser somente Tom, devia haver alguma coisa mais. Pois muito bem, meu rapaz. Mas você deve possuir um outro nome, acredito. E vai me dizer qual é, não vai?

– Diga ao cavalheiro seu outro nome, Thomas – disse Walters. – E diga “senhor”. Não esqueça de suas boas maneiras.

– Thomas Sawyer… senhor.

– Ah, agora sim! Este é um bom menino. Um ótimo menino. Um ótimo rapazinho, muito corajoso e empreendedor. Dois mil versículos decorados são uma coisa impressionante. Realmente, uma coisa muito, muito importante. E você nunca se arrependerá do esforço que dispendeu para memorizá-los; porque o conhecimento vale mais do que qualquer outra coisa neste mundo. É o conhecimento que torna os homens grandes e bondosos. Garanto que você mesmo será um grande homem cheio de bondade. No futuro, naturalmente, Thomas.

Após uma pequena pausa para efeito, ele prosseguiu:

– E então, ao olhar para trás, você lembrará de sua infância e dirá: tudo o que sou, eu devo aos preciosos privilégios adquiridos na Escola Dominical durante minha juventude; tudo o que sou, eu devo a meus queridos professores que me ensinaram a estudar; tudo o que sou, eu devo ao bom Superintendente, que me encorajou e me amparou e me deu uma linda Bíblia, uma Bíblia esplêndida e elegante, que eu vou guardar comigo e conservar durante toda a minha vida; tudo o que sou, eu devo à bela educação que recebi! É isso que você dirá, Thomas.