Mas quando ela, cautelosamente, foi levantando o rosto de novo, descobriu um pêssego colocado na tábua à sua frente. Ela o empurrou com as costas da mão; Tom gentilmente empurrou-o de volta; ela o afastou mais uma vez, mas agora com menor animosidade. O garoto pacientemente recolocou a fruta em frente a ela; desta vez, ela deixou que ficasse ali. Tom rabiscou em sua lousa: “Por favor, fique com ele – eu tenho mais”.[5] A menina olhou para as palavras, mas não deu sinal de que havia entendido. Então, o garoto começou a fazer uma espécie de desenho em sua lousa, só que escondeu o resultado com as costas da mão esquerda. Por algum tempo, a menina recusou-se a demonstrar que tinha percebido, mas sua curiosidade feminina eventualmente começou a se manifestar, mesmo que os primeiros sinais fossem difíceis de perceber. O menino continuou a trabalhar, aparentemente sem ter consciência de seu interesse. A menina fez uma espécie de tentativa para espiar pelo canto dos olhos, mas sem se comprometer, só que o menino fingiu não ver que ela estava interessada. Finalmente, ela se entregou e murmurou com hesitação:

– Deixe ver o desenho.

Tom revelou uma caricatura muito malfeita de uma casa, com a frente e os fundos aparecendo nas duas pontas da parede lateral, no maior desprezo pelas leis da perspectiva, acompanhada de uma espécie de saca-rolhas que representava a fumaça subindo da chaminé. A partir daí, o interesse da menina pareceu centralizar-se naquela obra-prima e ela se esqueceu de tudo o mais. Quando o trabalho foi dado por acabado, ela olhou por um momento e então sussurrou:

– Está bonitinho. Agora, faça um homem.

O artista erigiu uma figura humana no jardim da frente, se bem que fosse mais parecida com uma torre de petróleo que com um homem. Era tão grande, que poderia dar um passo por cima da casa; mas como o senso crítico da menina não era muito desenvolvido, ela ficou satisfeita com o monstro e murmurou:

– O homem está bonito. Agora desenhe a mim chegando na casa.

Tom desenhou uma espécie de ampulheta, com uma lua cheia na parte de cima e uns riscos finos como varetas indicando os membros; depois equipou os dedos de uma das mãos com um enorme leque. A menina disse:

– Ai, como ficou bonito! Eu gostaria de saber desenhar também.

– É fácil – replicou Tom. – Eu ensino você.

– Me ensina mesmo? Quando?

– Ao meio-dia. Você vai almoçar em casa?

– Eu posso ficar, se você quiser.

– Bom. Então está combinado. Qual é o seu nome?

– Becky Thatcher. Qual é o seu? Ah, já sei! É Thomas Sawyer.

– Esse é o nome que eles usam quando querem me bater. Mas para meus amigos eu sou Tom. Você quer me chamar de Tom?

– Sim… Tom.

Depois disso, Tom começou a fazer novos rabiscos sobre a lousa, escondendo as palavras da vista da menina. Mas agora, ela tinha perdido a timidez. Pediu para ver. Tom disse:

– Ora, não é nada.

– Claro que é.

– Não é nada, não. Você não quer ver.

– Sim, eu quero. Eu quero mesmo! Por favor, deixe-me ver!

– Você vai contar aos outros.

– Não, não vou. Palavra de honra que não conto.

– Você não vai contar mesmo a nenhuma pessoa no mundo? Promete que não vai contar enquanto você viver?

– Não, eu nunca vou contar a ninguém. Agora, deixe eu ver.

– Ora, você não está com vontade de ver mesmo de verdade!… Está só falando por falar.

– Agora que você está me tratando assim, eu vou ver de qualquer jeito!

Ela pôs a mãozinha em cima da mão dele e seguiram-se alguns puxões e uma luta de faz de conta. Tom fingia estar, mas foi deixando sua mão escorregar aos pouquinhos, até revelar as seguintes palavras: “Eu amo você.

– Ai, como você é malvado!

Ela lhe deu um tapa forte nas costas da mão, mas ficou toda vermelhinha e pareceu estar bastante contente.

Foi justamente nesta conjuntura que o menino sentiu a mão lenta e pesada do “destino” fechar-se ao redor de sua orelha, seguida de um impulso firme que o obrigou a levantar.