Preso nesse torno, ele foi arrastado através da sala de aula e depositado em seu lugar costumeiro, sob a metralha estridente de um coro de risadas que explodiu espontaneamente dos lábios de toda a turma. Então, o professor ficou parado à sua frente durante alguns momentos terríveis, até que finalmente moveu-se para seu trono, sem proferir uma só palavra. Embora a orelha de Tom ardesse, seu coração estava cheio de júbilo.
A sala de aula foi serenando e Tom fez um esforço honesto para estudar, porém o torvelinho dentro de seu espírito era demasiado grande. Quando chegou a sua vez de demonstrar habilidade na classe de leitura, fez um tremendo fiasco; na aula de geografia, transformou lagos em montanhas, montes em rios e estes em continentes, até que o caos tomou conta da classe novamente; na aula de escrita, ele foi “derrotado” por uma porção de palavras que qualquer criança de colo saberia escrever, até que, finalmente, ele teve de marchar até o pé da plataforma e devolver ao mestre uma medalhinha de latão que tinha ostentado durante meses.
[1]. Alusão à fábula da Raposa e as Uvas, em que aquela salta muitas vezes em vão para apanhar os frutos de uma videira madura e depois desiste, resmungando: “Estão verdes, mesmo”. Com isto, o colega quer dizer ao menino que ele está com inveja. (N.T.)
[2]. No original, “Barley-corn, barley-corn, injun-meal shorts, / Spunk-water, spunk-water, swaller these warts”. (N.T.)
[3]. No original, “Down bean, off wart; come no more to bother me!” (N.T.)
[4]. No original, “Devil follow corpse, cat follow devil, warts follow cat, I’m done with ye!” (N.T.)
[5]. Nessa época, os escolares traziam placas de ardósia negra ou cinzenta, emolduradas em madeira, sobre as quais escreviam com lápis de ponta de chumbo; posteriormente, quando o giz se popularizou, passaram a empregá-lo. A lousa era fácil de apagar com um pedaço de esponja marinha ou um chumaço de algodão e só foi substituída pelos cadernos quando estes deixaram de ser artigos de luxo. (N.T.)
Capítulo 7
Quanto mais Tom tentava aplicar sua mente ao livro, tanto mais errantes se tornavam suas ideias. Finalmente, com um suspiro e um bocejo, ele desistiu. Tinha a impressão de que o intervalo do meio-dia não chegava nunca. O ar estava abafado e o vento parecia ter morrido completamente. Não soprava a menor brisa. Era o mais modorrento de todos os dias modorrentos. O murmúrio hipnótico das vozes dos vinte e cinco estudantes acalentava a alma como aquele encanto contido no zumbir das abelhas. Através da janela, ele podia ver bem longe, imersa no fulgor de um sol brilhante, a Colina de Cardiff, que erguia seus flancos verdes e macios através de um véu tremulante de ar quente, tingida de leve pelo tom púrpura da distância. Alguns passarinhos flutuavam com asas preguiçosas bem alto; nenhum outro ser vivo se achava visível, exceto algumas vacas, mas estas pareciam estar adormecidas.
O coração de Tom ansiava pela liberdade com um desejo tão forte que chegava a doer; ou, pelo menos, desejava que sucedesse alguma coisa que lhe despertasse o interesse a fim de ajudar a passar aquelas horas monótonas. Sua mão deslizou casualmente para o bolso e seu rosto se iluminou com um brilho de gratidão que era quase uma prece, embora, naturalmente, ele não soubesse disso. Então, muito furtivamente, a caixinha de espoletas surgiu à luz. Ele libertou o carrapato e colocou-o sobre a longa tábua chata que lhe servia como classe. A criatura, provavelmente, se iluminou com uma gratidão que também era quase uma prece, sentindo-se naquele momento devolvida ao mundo e à liberdade; mas sua felicidade demonstrou ser prematura, porque, no momento em que começou a viajar pelo tampo da classe, cheia de alegria, Tom interrompeu-lhe o caminho com um alfinete, virou-a para outro lado e obrigou-a a tomar uma nova direção.
O amigo do peito de Tom estava sentado a seu lado e sofria tanto quanto Tom sofrera, mas agora estava profunda e agradecidamente interessado nesta diversão momentânea. Este amigo do peito chamava-se Joe Harper. Os dois meninos juravam amizade durante toda a semana e se tornavam inimigos mortais nas batalhas de cada sábado. Joe tirou um distintivo de sua lapela e com a ponta do instrumento começou a assistir Tom na supervisão dos exercícios do prisioneiro. O esporte aumentou de interesse de minuto a minuto. Em determinado ponto, Tom disse que estavam interferindo um com o outro e assim, nenhum dos dois estava se beneficiando completamente das atividades desenvolvidas pelo pobre carrapato.
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