Permaneceu sentado, durante longo tempo, os cotovelos fincados nos joelhos, o queixo preso nas palmas das mãos, imerso na mais dolorosa meditação. Tinha a impressão de que sua vida carecia de sentido, era um constante problema; e quase invejava o pobre Jimmy Hodges, que havia sido libertado das agruras do mundo há tão pouco tempo. Deveria ser tão pacífico, ele pensava, ficar deitado para sempre, dormir e sonhar para toda a eternidade, com o vento sussurrando por entre as árvores, acariciando o capim e as flores que cresciam sobre a tumba, sem nenhum problema para resolver, nada que causasse tristeza, nunca, nunca mais! Se pelo menos ele tivesse estudado mais e se comportado melhor na Escola Dominical, estaria perfeitamente disposto a partir e livrar-se de todo o sofrimento. E quanto à menina? O que é que ele tinha feito? Nada, absolutamente nada! Ele tinha desejado as melhores coisas do mundo para ela e tinha sido tratado como um cão – pior que um cachorro. Ela ia sentir um grande remorso algum dia, um tremendo arrependimento – mas talvez então fosse tarde demais. Ah, se ao menos ele pudesse morrer temporariamente!

Entretanto, o coração elástico da juventude não pode ser comprimido ou apertado por muito tempo. Logo, e de forma insensível, Tom começou a retornar às preocupações deste mundo. E se ele virasse as costas à cidadezinha agora mesmo e desaparecesse misteriosamente? E se ele fosse embora para bem longe, para países desconhecidos no além-mar? E se nunca mais voltasse? Como ela se sentiria, então? A ideia de virar palhaço retornou à sua mente, mas somente lhe inspirou desgosto. Tinha a impressão de que a própria ideia de frivolidade e brincadeiras representada por uma roupa de calças folgadas e cheias de remendos transformava-se em uma ofensa ao tentar introduzir-se sobre seu espírito, que permanecia instalado no reino indistinto e exaltado do romantismo. Não, ele ia ser soldado e retornar somente depois de longos anos, marcado pela guerra e cheio de glória. Não, melhor ainda, ele iria viver com os índios e caçar búfalos e seguir a trilha de guerra junto com eles, através dos maciços montanhosos e pelas grandes planícies sem estradas do Oeste Distante; depois, ele se tornaria um grande chefe e voltaria muito mais tarde, com um cocar cheio de penas, o rosto terrível pintado em uma máscara horrorosa. Então, ele entraria na Escola Dominical em uma sonolenta manhã de domingo, daria um grito de guerra de congelar o sangue e faria com que os olhos de todos os seus companheiros se arregalassem de inveja incontrolável. Em seu devaneio, não percebia que o tempo também passaria para eles. Mas não, havia uma coisa ainda maior do que isso. Ele seria um pirata! Era isso! Eis que agora seu futuro estava perfeitamente claro e aberto à sua frente, rebrilhando com um esplendor inimaginável. Seu nome encheria o mundo e as pessoas tremeriam quando o escutassem! Quanta glória ele conquistaria, cortando os mares turbulentos, em seu rápido veleiro de amurada baixa, com o casco longo pintado de negro! Seu nome seria Espírito da Tempestade, e sua bandeira assustadora flutuaria no mastro de vante! E quando estivesse no apogeu de sua fama, ele apareceria na velha aldeia e entraria na igreja no meio do ofício religioso, bronzeado e batido pelos ventos, usando um longo casaco de veludo negro, calções pelos joelhos, longas botas que se dobravam na parte superior, uma faixa escarlate na cintura, um cinto estufado de pistolas de combate, um cutelo enferrujado pelo sangue de suas vítimas balançando das presilhas da bainha, junto à sua perna esquerda, um chapéu de feltro enfeitado de plumas, a bandeira da caveira e das tíbias cruzadas desfraldada sobre ele, tudo isto para escutar em perfeito êxtase os murmúrios assustados: “É Tom Sawyer, o Pirata! O Vingador Negro do Mar das Caraíbas!”

Sim, estava plenamente resolvido: sua carreira estava determinada. Ele ia fugir de casa e engajar-se em um navio corsário. Ia partir amanhã de manhã mesmo. Portanto, tinha de começar a preparar-se. Iria arrumar a bagagem e reunir os seus recursos. Dirigiu-se a um tronco apodrecido que havia ali perto e começou a cavar embaixo dele com seu canivete Barlow. Logo em seguida, bateu em um pedaço de madeira que produziu um som oco. Colocou a mão dentro do buraco e proferiu um impressionante encantamento:

O que não veio até aqui, venha agora! O que está aqui, permaneça nesta hora!

Então, com os dedos e a lâmina, ele foi retirando a terra, até aparecer uma ripa de madeira de pinho. Arrancou o objeto de dentro da cova e trouxe à luz uma bela arca de tesouro, na verdade uma caixinha feita de ripas de pinheiro. Abriu a tampa com facilidade (porque o objeto era bastante pequeno) e encontrou somente uma bolinha de gude. O espanto de Tom não teve limites! Coçou a cabeça com um ar perplexo e disse para si mesmo:

– Puxa vida, por essa eu não esperava!

Jogou fora a bolinha de gude, desapontado e aborrecido e ficou parado no mesmo lugar, pensando furiosamente. A verdade é que uma de suas superstições mais entranhadas tinha falhado aqui e agora. Tanto ele como seus companheiros sempre tinham imaginado que fosse infalível: se você enterrasse uma bolinha de gude (com certos encantamentos absolutamente necessários), deixasse sem mexer por quinze dias e depois abrisse a cova com a fórmula mágica que ele tinha acabado de usar, você descobriria que todas as bolinhas de gude que tinha perdido em toda a sua vida se haviam reunido misteriosamente dentro dessa mesma caixa, não importa onde se encontrassem, que distância as separasse ou o que tivesse acontecido com elas. Mas agora, o feitiço tinha falhado, sem a menor sombra de dúvida. Toda a estrutura das crenças de Tom sacudiu-se até os alicerces. Muitas vezes ele havia ouvido falar do completo sucesso do feitiço, nunca nenhum de seus companheiros lhe dissera que poderia falhar.