Não lhe ocorreu, no momento, que ele próprio já havia feito a tentativa diversas vezes antes, só que nunca tinha conseguido encontrar de novo o lugar em que enterrara o tesouro. Ficou dando tratos à bola durante algum tempo e finalmente decidiu que alguma bruxa havia interferido e quebrado o encanto. Achou melhor investigar o assunto para ter certeza e assim procurou em volta do lugar até que encontrou um pequeno trecho coberto de areia com uma minúscula depressão em forma de funil. Deitou-se no chão, colocou a boca próximo à depressão e chamou:

Formiga-leão, formiga-leão, me diz agora quem foi o ladrão!

Formiga-leão, formiga-leão, me diz agora quem foi o ladrão![1]

A areia começou a mover-se e, no devido tempo, um bichinho preto botou a cabeça para fora por um segundo, investigou as cercanias e depois enfiou-se de novo em seu túnel, muito assustado.

– Ele não ousa dizer! Então foi uma feiticeira mesmo que fez a coisa! Bem que eu sabia!

Tom tinha plena consciência da inutilidade de tentar discutir com bruxas, e assim desistiu da façanha, desencorajado. Então lhe ocorreu que ele podia ao menos conservar a bolita que tinha acabado de jogar fora com tanto desprezo; percorreu a clareira, pesquisando pacientemente em busca da propriedade que havia perdido. Mas tudo em vão. Depois, voltou à sua “tesouraria”, colocando-se cuidadosamente no lugar exato em que tinha estado quando jogou fora a bolinha de gude. A seguir, tirou outra bolinha de vidro do bolso e jogou-a na mesma direção, enquanto dizia:

– “Irmão, procura teu irmão!”

Ficou olhando com atenção o movimento da bolita, até notar exatamente o ponto em que havia parado, foi até lá e procurou. Mas devia ter caído muito perto ou longe demais – assim, tentou mais duas vezes. A última repetição foi coroada de sucesso. As duas bolinhas de gude estavam a uns trinta centímetros uma da outra.

Nesse momento, o som metálico de uma corneta de brinquedo ecoou fracamente pelas aleias verdes do bosque. Tom tirou o casaco e as calças, jogou-os para um lado, usou um suspensório como se fosse um cinto, remexeu em umas ervas por trás do tronco podre e encontrou um arco rudimentar com algumas flechas, uma espada de madeira e uma corneta de lata, e, em um piscar de olhos, tinha agarrado todos estes objetos de combate e saiu correndo aos pulos por entre as árvores, as pernas nuas e a longa camisa balançando ao vento. Depois de afastar-se a uma distância conveniente de seu esconderijo, parou embaixo de um grande álamo, assoprou a própria corneta em resposta ao toque anterior e passou a caminhar na ponta dos pés, olhando com o maior cuidado para um lado e para o outro, a fim de evitar uma possível emboscada. Como precaução adicional, ele comandou seus companheiros imaginários:

– Esperem, meus fiéis! Fiquem escondidos até que eu toque de novo!

Foi então que surgiu Joe Harper, vestido de forma tão sumária e armado tão elaboradamente como Tom. Este interpelou-o:

– Alto! Quem vem lá? Quem ingressa na floresta de Sherwood sem meu salvo-conduto?[2]

– Guy de Guisborne não precisa do salvo-conduto de ninguém! Quem és tu que… que…

– “Que ousas interpelar-me com tal linguagem…” – disse Tom, como se fosse um “ponto” de teatro, porque eles “falavam pelo livro”, repetindo um trecho que haviam mais ou menos decorado.

– Quem és tu que ousas interpelar-me com tal linguagem?

– Pois então indagas quem sou eu? Eu sou Robin Hood, como tua carcaça feita prisioneira logo há de saber!

– És tu então aquele famoso fora da lei? Com grande alegria, disputarei contigo pela passagem através desta alegre floresta. Em guarda!

Ambos sacaram as espadas de madeira, lançaram ao solo o restante de seu equipamento, assumiram uma atitude de batalha, frente a frente, com o pé direito encostado ao pé direito do outro e começaram um duelo cuidadoso e cheio de gravidade, “duas fintas para cima e duas fintas para baixo”. Num dado momento, disse Tom:

– Agora que você pegou o jeito, vamos pra valer!

Assim, eles “foram pra valer”, ofegando e suando com o esforço. Depois de algum tempo, Tom reclamou:

– Caia! Caia! Por que é que você não cai?

– Eu não vou cair! Caia você, se quiser! É você que está perdendo!

– Ora, não pode ser assim. Eu não posso perder. Não é assim que está no livro. O livro diz: “Então, com um poderoso contragolpe, ele matou o pobre Guy de Guisborne”. Você tem de se virar e deixar que eu lhe dê um golpe nas costas.

Não havia como contestar as autoridades. Joe suspirou, mas deu uma meia-volta, recebeu a pranchada nas costas e caiu morto.

– Agora – disse Joe, enquanto se levantava –, você tem de me deixar matar você. Justo é justo, agora é minha vez.

– Ora, mas não dá para ser assim. Não está no livro.

– É, pode ser, mas mesmo assim, não é justo. Por que só eu tenho de morrer? Ah, não está certo, não está certo mesmo.

– Bem, olhe aqui, Joe, você pode ser frei Tuck; ou então Much, o filho do moleiro[3], e ganhar de mim em uma luta de bastões. Ou então, eu ficava sendo o xerife de Nottingham e você ficava sendo Robin Hood por uns tempos e então me matava.

Este arranjo demonstrou-se satisfatório e assim, estas aventuras foram representadas com toda a seriedade. Depois, Tom virou Robin Hood de novo e desta vez foi ferido e levado a um convento, onde uma freira malvada deixou que ele ficasse sangrando até perder as forças. Finalmente, Joe, representando a tribo inteira dos fora da lei lacrimosos, arrastou-o tristemente através da floresta, colocando-lhe o arco entre as mãos enfraquecidas, e Tom disse: “Onde esta seta cair, aí será enterrado o pobre Robin Hood, embaixo de um pinheiro de agulhas sempre verdes”. Então, ele disparou a flecha e caiu de costas, como se tivesse morrido, mas aterrissou em um pé de urtiga, levantando-se depressa demais para um cadáver.

Os meninos se vestiram, esconderam seus paramentos, cada um em seu lugar secreto, e voltaram para casa lamentando que não existissem mais os alegres bandidos de Robin Hood e imaginando o que a civilização moderna poderia alegar em seu favor para compensar por aquela perda. Os dois concordaram que preferiam passar um ano vivendo com os fora da lei da floresta de Sherwood do que serem eleitos Presidente dos Estados Unidos pela vida inteira.



[1].