Huckleberry Finn estava à sua espera, o gato morto na mão. Os meninos se afastaram e desapareceram no lusco-fusco da noite. Depois de meia hora de marcha, estavam vadeando pelo capim alto que recobria o terreno do cemitério.
Era um cemitério bem antigo, comum no centro-oeste dos Estados Unidos. Estava localizado em uma colina a mais ou menos dois quilômetros e meio da cidadezinha. Tinha uma cerca de tábuas verticais cravadas no solo, ligadas em certos lugares por travessas horizontais mais ou menos apodrecidas. A maioria das tábuas que permanecia em pé estava torta ou enviesada. A própria cerca pendia para dentro do terreno em alguns lugares e para fora na maior parte dos outros. Na verdade, se fossem examinar bem, a bendita cerca não estava realmente na vertical em parte alguma. Capim grosso e ervas daninhas cresciam à vontade por todo o cemitério. Todos os túmulos antigos tinham afundado, deixando uma depressão retangular e abaulada, a mais ou menos um palmo e meio abaixo da superfície do solo. Não havia uma pedra tumular em todo o campo santo. O que havia eram pranchas de madeira grossa, com a parte superior arredondada, mas na maioria apodrecidas pelo tempo ou devoradas pelos insetos, que se balançavam sobre a cabeceira dos sepulcros, procurando um certo apoio e não encontrando nenhum. Em determinada época, os dizeres: “Dedicada à sagrada memória de Fulano ou de Sicrana” tinham sido pintados nessas tábuas, mas praticamente todas as inscrições estavam apagadas ou pelo menos ilegíveis, mesmo que houvesse luz àquela hora da noite.
Um ventinho fraco gemia por entre os ramos das árvores, e Tom ficou com medo que fossem os espíritos dos mortos protestando por serem perturbados. Os meninos falavam muito pouco, bem baixinho, quase sem moverem os lábios, porque a hora, o lugar, a solenidade e o silêncio que os rodeavam pareciam apertar-lhes os corações. Logo descobriram o montão de terra que recentemente tinha sido colocado para recobrir o lugar que buscavam e se esconderam sob a proteção de três grandes álamos, os quais cresciam juntos a pouca distância da sepultura.
Ficaram esperando em silêncio absoluto pelo que lhes pareceu um longo tempo. O piar de uma coruja distante era o único som que perturbava o silêncio mortal. Os pensamentos de Tom começaram a lhe pesar na mente. Foi obrigado a iniciar uma conversação. Assim, falou em um murmúrio:
– Hucky, você acredita que os mortos gostam que a gente esteja por aqui?
Huckleberry sussurrou de volta:
– Bem que eu queria saber. É um bocado solene por aqui, né?
– Aposto que sim.
Houve uma pausa considerável, enquanto os meninos examinavam o assunto dentro de suas mentes. Depois, Tom murmurou de novo:
– Me diz uma coisa, Hucky – você acha que Hoss Williams está escutando a nossa conversa?
– Mas é craro que está. Pelo menos o esprito dele escuita. Ele tá aí pertinho, não tá?
Tom acrescentou, depois de uma pausa cautelosa:
– Eu devia ter dito “senhor” Williams. Mas eu não fiz por mal. Todo mundo chamava ele de “Hoss”.[2] Será que ele se ofendeu?
– Todo o cuidado é pouco quando a gente fala sobre esses defunto, Tom.
Esta frase cortou uma boa parte do entusiasmo de Tom e a conversa cessou completamente. Mas, depois de passado algum tempo, Tom agarrou seu camarada pelo braço e sibilou:
– Shssss… silêncio!…
– Que foi isso, Tom? – e os dois se abraçaram, com os corações aos pulos.
– Psiu! Olhe, veio de novo! Você escutou desta vez?
– Eu…
– De novo! Escutou agora?
– Deus do Céu, Tom, os diabo tão chegando! São eles que tão vindo, é craro! O que é que nóis vai fazer?
– Eu é que não sei. Acha que eles vão nos ver?
– Oh, Tom, eles podem ver no escuro, o mermo que gatos. Ai, por que foi que você me convenceu a vir aqui?
– Ora, não tenha medo. Eu não acredito que eles vão se meter conosco. Não estamos fazendo mal a ninguém.
1 comment