Finalmente, uma das pás bateu na tampa do ataúde com um sonido surdo de madeira oca; um minuto ou dois após, os dois homens tinham puxado o caixão para fora do túmulo. Abriram a tampa com a lâmina das pás, retiraram o corpo e o jogaram rudemente no chão. A lua surgiu por detrás das nuvens e exibiu seu rosto pálido. A padiola foi trazida para perto e o cadáver jogado em cima dela, sem muita cerimônia, recoberto com um cobertor e amarrado no lugar com a corda. Potter sacou uma grande faca de caça, cortou a ponta da corda que estava sobrando e depois disse:
– Agora a coisa está feita, Serra-Ossos, e você vai comparecer com outra nota de cinco, senão ele fica aqui mesmo!
– É assim que se fala! – apoiou Injun Joe.
– Escutem aqui, que negócio é esse? – protestou o doutor. – Vocês pediram para receber adiantado e eu já paguei o que nós combinamos!…
– Sim, e você fez ainda mais que isso – disse Injun Joe, aproximando-se do doutor, que agora estava de pé. – Cinco anos atrás, você me correu da cozinha de seu pai uma noite em que eu fui pedir alguma coisa pra comer e disse que eu não estava lá por boa coisa, não; e quando eu jurei que ia me cobrar de você, nem que levasse cem anos, seu papai mandou me prender por vagabundagem. Você pensa que eu me esqueci? Não se lembra que eu tenho sangue de índio e que a gente de minha mãe nunca se esquece? E agora, eu te peguei e você vai ter de acertar as contas comigo, entendeu?
Enquanto falava, ele foi se aproximando e agora seu punho balançava ameaçadoramente bem à frente do rosto do médico. Mas este lhe deu um soco de repente, fazendo o mestiço cair ao comprido no chão. Potter largou a faca e exclamou:
– Espere aí, não bata no meu parceiro!
No momento seguinte, estava atracado com o doutor e os dois lutavam com quantas forças tinham, esmagando a erva debaixo dos pés e marcando o chão macio com os calcanhares. Injun Joe saltou em pé, seus olhos inflamados de raiva, agarrou a faca que Potter tinha largado e foi avançando bem devagar, como se fosse um gato, movendo-se meio agachado ao redor dos dois combatentes, à espera de uma oportunidade. Subitamente, o doutor livrou-se do abraço do outro, arrancou do chão a pesada prancha que servia de pedra tumular para Williams e derrubou Potter no chão com uma forte pancada no alto da cabeça. Mas, no mesmo instante, o caboclo viu sua oportunidade e enfiou a faca até o cabo no peito do jovem. Ele balançou e depois caiu, parte do corpo por cima de Potter, cobrindo-o de sangue; no mesmo momento, as nuvens apagaram o terrível espetáculo e os dois meninos aproveitaram esse instante para fugir a toda velocidade através da escuridão.
Pouco depois, quando a lua apareceu de novo, Injun Joe estava parado de pé sobre as duas formas imóveis, contemplando o resultado da refrega. O doutor murmurou de forma indistinta, deu um longo suspiro, seguido de um segundo, bem mais curto, e depois ficou perfeitamente quieto. O mestiço murmurou entre dentes:
– Agora que acertamos as contas, você pode ir para o inferno!
Então, ele revistou o cadáver e roubou o que havia de valioso. Depois, colocou a faca assassina na mão direita aberta de Potter e sentou-se sobre o ataúde desmantelado. Passaram-se três, quatro, cinco minutos e então Potter começou a mexer-se e a gemer. Sua mão fechou-se sobre o cabo da faca, ele levantou-a no ar, olhou o que era e deixou que caísse de novo no chão, enquanto um estremecimento lhe percorria todo o corpo. Depois sentou-se, empurrando o cadáver de cima das próprias pernas, olhou para ele e então girou os olhos em volta confusamente. Seus olhos encontraram os de Joe.
– Meu Deus do Céu, o que foi que aconteceu, Joe? – quis saber.
– Uma baita duma encrenca, camarada, um negócio muito sujo – respondeu Joe, sem se mover. – Por que foi que você fez isso?
– Eu? Mas não fui eu que fiz!
– Olhe aqui, esse tipo de papo não vai te levar a lugar nenhum.
Potter tremeu e seu rosto ficou branco.
– Eu pensei que estava sóbrio. Eu não devia ter bebido hoje. Mas minha cabeça ainda está cheia, estou pior do que quando chegamos aqui. Estou meio confuso, companheiro, não me lembro de nada, quase não me lembro do que aconteceu. Me diga agora, Joe, honestamente, meu velho amigo, me diga agora: fui eu que fiz isso, Joe? Eu não pretendia, juro que não, palavra de honra, juro por minha alma que não tinha intenção, Joe. Agora me conte como foi, Joe. Oh, que coisa mais horrorosa, ele era tão jovem, prometia tanto!
– Ora, vocês dois estavam brigando e ele te bateu na cabeça com a prancha do túmulo e você caiu duro. E, então, você se levantou, girando e tropeçando, agarrou a faca do chão e enfiou dentro dele, foi isso que você fez, bem na hora em que ele te deu outro baita dum golpe que quase te partiu a cabeça em duas e aí você ficou caído no chão feito morto até agora.
– Oh, mas eu não sabia o que estava fazendo!… Quero cair morto agora mesmo se eu sabia!… Foi culpa do uísque e do meu mau gênio, acho eu. Eu nunca usei uma maldita arma contra ninguém em toda a minha vida, Joe; eu já briguei umas quantas vezes, mas nunca com arma.
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