Todo mundo vai se lembrar disso! Joe, não conte! Diga que não vai contar a ninguém, Joe, você é um bom sujeito, você é o meu camarada. Eu sempre gostei de você, Joe e sempre te defendi. Não se lembra? Você não vai me denunciar, vai, Joe?
A pobre criatura caiu de joelhos diante do perverso assassino, cruzando as mãos suplicantes em um apelo capaz de comover até as pedras.
– Não, você sempre me tratou bem e sempre se mostrou meu amigo, Muff Potter, não sou eu quem vai te prejudicar. Vai com calma, agora, sou tão justo como qualquer outro homem.
– Oh, Joe, você é um anjo de Deus! Vou te agradecer por isto enquanto viver!
As lágrimas escorreram pelo rosto de Potter.
– Tá. Agora chegou. Não é hora de ficar choramingando. Você vai embora prum lado e eu vou embora prum outro. Anda depressa, agora, e vê se não deixa rastro.
Potter saiu troteando e logo começou a correr. O mestiço ficou olhando. Depois, resmungou:
– Hum! Se ele está tão tonto da batida e tão cheio de uísque como parece, nem vai pensar na faca até que esteja tão longe que não tenha mais coragem de voltar, especialmente a um lugar como este, inda mais sozinho. É um baita galinha-morta!
Dois ou três minutos depois, o homem assassinado, o cadáver coberto por um cobertor, o ataúde sem tampa e a cova aberta só eram contemplados pela luz da lua. O silêncio do cemitério tinha voltado a ser completo.
[1]. Um caruncho de madeira cujas larvas muito vorazes provocam um estalido fraco que faz recordar o tanger de um dobre de finados. Também devoram livros e papel. (N.T.)
[2]. O apelido é um diminutivo de horse (cavalo). (N.T.)
Capítulo 10
Os dois meninos correram como se tivessem asas até chegarem ao vilarejo, completamente mudos de horror. De vez em quando, olhavam para trás por sobre os ombros, apreensivamente, como se estivessem com medo de serem seguidos. Cada tronco que encontravam no caminho parecia um homem ou um inimigo ainda pior e fazia com que prendessem a respiração; no momento em que passaram por algumas cabanas que ficavam nos arredores da aldeia, o latido dos cães de guarda despertados acrescentou ainda mais velocidade a seus pés.
– Vamos ver se ao menos a gente chega no curtume velho, antes de parar! – sussurrou Tom nos intervalos de sua respiração ofegante. – Eu já não aguento mais!
Os ofegos profundos de Huckleberry foram sua única resposta e os meninos fixaram os olhos no alvo de suas esperanças, forçando os joelhos a subir e a descer até atingi-lo. Foram-se aproximando cada vez mais e finalmente, lado a lado, lançaram-se como um furacão através do portão aberto e tombaram, exaustos, mas cheios de gratidão, no abrigo das sombras do interior do prédio. No devido tempo, sua pulsação foi ficando mais lenta, os corações bateram um pouco mais devagar e Tom recobrou o controle de sua respiração, o suficiente para murmurar:
– Huckleberry, o que você acha que vai resultar disto?
– Se o Dr. Robinson morrer, acho que vai dar em enforcamento.
– Você acha, mesmo?
– Sim, eu sei que fazem ansim, Tom.
Tom pensou por algum tempo e depois disse:
– Mas quem é que vai contar? Nós?
– Ocê tá louco ou o quê? E se o troço dá errado e Injun Joe não é enforcado, como é que fica? Ele vai matar nóis dois mais cedo ou mais tarde e nóis morremo tão seguro como nóis estemo deitado aqui no chão. Mas é craro que ele nos mata!
– Pois foi justamente o que eu estava pensando, Huck.
– Se arguém vai contar, deixe que Muff Potter conte, se ele for idiota o bastante. Em geral, ele está bêbado demais pra fazer quarquera coisa, que dirá contar uma história!
Tom não disse nada – prosseguiu em seus pensamentos. Depois de passado algum tempo, ele cochichou outra vez:
– Huck, Muff Potter não sabe da coisa. Como é que ele vai contar?
– Mas como é que ele não sabe?
– Porque ele tinha acabado de levar aquele pranchaço, na hora em que Injun Joe fez o negócio. Você acha que ele viu alguma coisa? Você acha que ele ficou sabendo de alguma coisa?
– Puxa vida, Tom, pois não é que você tem razão?
– E tem mais, olhe aqui: quem sabe se a batida acabou com ele?
– Ah, não, nessa eu não aquerdito. Não tem chance, Tom. Ele tava cheio das canha, quarquera um notava. Ele passa borracho mermo.
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