Bem, quando meu Papi está cheio das canha, você pode vir e bater com a bendita torre da igreja na cabeça dele que é o mermo que nada. E ele tamém diz essas coisa, quer dizer, que não sente nada quando está borracho, você sabe. Deve de ser o mermo com Muff Potter, é craro. Mas se um homem tivesse prefeitamente sóbrio, acho eu, aquela pranchada poderia ter acabado com a casca dele. Eu não sei.

Depois de um novo período de reflexão, Tom indagou:

– Hucky, você tem certeza de que consegue ficar de bico fechado?

– Tom, a gente tem de se fechar. Você sabe disso. Aquele diabo do Injun Joe não dá a mínima se tiver de nos afogar como dois gatinho num saco. Isso se a gente falar sobre o troço que ele feiz e não enforcarem ele mas ele ficar sabendo que fumo nóis que dedamo. Agora vem cá, Tom, oie aqui, a gente tem de pegar e jurar um pro otro que não vai dizer nada mermo. É ansim que a gente tem de fazer, jurar que a gente vai se fechar e que não vai abrir o bico.

– Olhe, eu estou de acordo, Huck. É o melhor que a gente pode fazer. Vamos apertar as mãos e jurar que nós…

– Ah, não, pra um troço como este, isso não chega! Isso de apertar as mão e prometer é bom pra coisinhas de toda a hora, pra uns trocinho sem importância que a gente inté esquece. É o tipo de coisa que a gente faiz com as guria, só pra impressionar elas, pruquê de quarquera jeito elas sempre quebra as palavra de honra que deram pra gente e contam pra meio mundo na primera chance. Tem umas que inté guardam segredo por uns tempo, mas aí abrem o bico da primera vez que ficam braba com a gente. Mas pra uns cara como nóis, com um troço tão perigoso, tem de ser por escrito, com tinta e papel. Ou então, escrito com sangue. Pelo menos, tem de ser assinado com sangue.

Tom aplaudiu esta ideia de corpo e alma. Era um juramento profundo, negro e terrível. Melhor ainda, a hora, as circunstâncias, até o lugar em que se achavam, tudo contribuía para a solenidade do ato. Ele pegou uma telha de madeira de pinheiro do chão, viu que estava bem limpa à luz da lua, tirou um pequeno fragmento de ocre vermelho[1] que tinha em seu bolso, colocou a tábua em posição favorável à luz e, penosamente, começou a rabiscar algumas linhas com ele, enfatizando cada traço descendente com um apertão da língua entre os dentes, e diminuindo a pressão nos traços ascendentes:

Huckleberry ficou cheio de admiração pela facilidade com que Tom escrevia e mais ainda pela sublimidade da linguagem empregada. Imediatamente pegou um distintivo que tinha pregado em sua lapela e ia furar a ponta do dedo, mas Tom disse:

– Espere aí! Não faça isso! O alfinete do distintivo é feito de latão. Pode ser que tenha azinhavre nele.

– O que é azinhavre?

– Azinhavre é o mesmo que zinabre ou cinábrio. É veneno. Isso é que é. Se você engolir um pouquinho, vai ver, tá acabado.

Assim, Tom desenrolou a linha que estava em volta de uma de suas agulhas, e cada um dos meninos perfurou a parte mais gorda do seu polegar esquerdo, apertando para fazer escorrer uma gota de sangue.

No devido tempo, depois de apertar umas quantas vezes, Tom conseguiu assinar as suas iniciais, usando a ponta do minguinho direito como caneta. Então ele mostrou a Huckleberry como deveria fazer um H e um F, o outro menino repetiu a operação, usando os dedos correspondentes, e o juramento ficou completo. Enterraram a telha de madeira perto da parede, acrescentando de quebra algumas cerimônias tétricas e os encantamentos mais horrendos que lembraram, o que os levou a considerar que os grilhões que agora prendiam suas línguas tinham sido firmemente trancados e a chave jogada fora.

Uma figura deslizou silenciosamente através de uma fenda do outro lado do edifício arruinado, mas eles estavam tão absortos em suas feitiçarias que nem perceberam.

– Tom – sussurrou Huckleberry –, isto qué dizer que nóis não podemo contar nunca, em toda a nossa vida, para sempre mermo? Nem que batam na gente com um pau grosso? Mermo que venham com um ferro em brasa?

– Claro que é isso que quer dizer. Não vai fazer a menor diferença, qualquer coisa que aconteça, a gente fica de boca fechada. Se a gente falar, cai morto no chão na mesma hora, não lembra o que eu escrevi?

– É. Eu acho que é isso mermo.

Eles continuaram a falar baixinho por algum tempo. Pouco tempo depois, um cão iniciou um longo uivo lúgubre, quase do outro lado da parede, mais ou menos a uns três metros de onde estavam. Os meninos se agarraram um ao outro, tremendamente assustados, em uma agonia de medo.

– Um de nóis vai morrer! Quar vai ser? – falou Huckleberry, com a voz meio engasgada.

– Eu não sei.